A Diretoria do ANDES-SN expressa solidariedade e apoio à professora e pesquisadora Maria Caramez Carlotto, da UFABC, que recentemente enfrentou uma decisão desfavorável no processo de avaliação para a concessão de bolsa de produtividade (PQ) do CNPq. Repudiamos veementemente a notícia de que um dos pareceristas responsáveis pela avaliação emitiu um juízo de valor permeado por preconceitos, revelando uma postura machista e misógina, impregnada de viés de gênero.
É inadmissível avaliar o desempenho profissional de uma mulher com base em critérios sexistas, como a conjectura de que gestações possam ser um obstáculo para suas aspirações acadêmicas. Tal argumento reforça estereótipos ultrapassados que prejudicam o avanço da igualdade de gênero no ambiente acadêmico. A gestação e a maternidade não devem ser consideradas entraves à carreira de uma pesquisadora, e é inaceitável que tais fatores sejam utilizados como justificativa para negar oportunidades de reconhecimento e desenvolvimento profissional. A parentalidade envolve responsabilidades que podem afetar a carreira de docentes e pesquisadora(e)s de forma distintas, assim, é imprescindível que a comunidade acadêmica reconheça a disparidade de impacto entre homens e mulheres.
Essa postura de cunho patriarcal e estrutural, retira as mulheres das posições de poder, dos cargos de liderança e de tomada de decisão, já que as bolsas de produtividade são um instrumento para ascensão na carreira acadêmica, pressupondo o reconhecimento e a valorização de pesquisadoras e pesquisadores em suas áreas de atuação. Os recentes dados do grupo brasileiro ‘Parent in Science’ confirmam a histórica disparidade na distribuição de bolsas PQ entre os gêneros, onde as mulheres que tiveram acesso às bolsas de produtividade representaram em 2023 apenas 35,6%. Além da sub-representação das mulheres no quadro geral das bolsas, observa-se o conhecido “efeito tesoura”, com a participação das mulheres diminuindo conforme há o aumento dos níveis das bolsas.
O mérito acadêmico deveria ser avaliado com critérios objetivos e imparciais, levando em consideração a qualidade acadêmica e o contexto em que se desenvolve o trabalho, sem pautar-se apenas pela produtividade acadêmica consolidada por critérios meramente quantitativos, ou pelo perfil masculino dominante na Ciência mundial. Vale ressaltar que a cultura do cuidado recai sobre as mulheres, inclusive as pesquisadoras que, mesmo não sendo mães, assumem o cuidado de parentes e pessoas próximas. Instamos ao CNPq a tomar as providências necessárias para promover formação política e pedagógica sobre o viés de gênero na academia, especialmente sobre os impactos da maternidade nas carreiras de docentes e pesquisadoras que decidem ser mães. A conscientização e a implementação de medidas que combatam o sexismo e a discriminação de gênero em todos os processos de avaliação acadêmica devem ser a tônica nas universidades, CEFETs e IFs, e também nas agências de financiamento à pesquisa, sejam nacionais ou regionais (FAPs).
A luta por uma academia justa, igualitária e livre de discriminação é responsabilidade de todas e todos nós, e a solidariedade é um passo fundamental nesse caminho. Infelizmente, o caso em tela não é isolado. Há inúmeros relatos de arbitrariedades sexistas na academia, denotando que o efeito é sistêmico. Estamos ao lado de Maria Carlotto e de todas as mulheres que enfrentaram situações semelhantes, comprometida(o)s com a desconstrução de um sistema acadêmico que foi projetado por homens e para homens, em que sejam incorporadas as demandas das mulheres para uma academia justa e emancipatória..
Brasília(DF), 04 de janeiro de 2024.
Diretoria do ANDES – Sindicato Nacional