Mobilizações em combate à pandemia e pressões sobre os governos se intensificam

 

Iniciativas foram tomadas por diversas entidades nos últimos dias para enfrentar a pandemia do novo coronavírus. O compromisso com a vida de todas e todos levou entidades representativas de servidores públicos e outros setores a se reunirem e manifestarem sua oposição ao modo errático como o governo federal e o governo estadual têm lidado com o serviço público e as instituições.

Nas instituições federais de ensino, a defesa do acesso à educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada tem orientado a mobilização contra a substituição de atividades presenciais por atividades EAD.

ANDES/UFRGS participa de mobilizações em defesa da população

Em meio à desorganização do governo federal quanto às medidas de combate à pandemia da covid-19, o ANDES/UFRGS reforça a recomendação para que todos fiquem em casa e respeitem as orientações das autoridades de saúde. Nesta semana, a Seção Sindical assinou três manifestos em apoio às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS): uma nota articulada pela Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), um manifesto do Fórum dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (FSP/RS) e outro do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado de Direito.

A nota da Famurs, dirigida ao governo estadual, foi publicada na terça-feira (31) com mais de 110 assinaturas, incluindo a do Reitor Rui Vicente Oppermann e dos dirigentes todas as demais instituições federais de ensino do Rio Grande do Sul. Na quarta-feira (1º), o governador Eduardo Leite determinou o fechamento do comércio até dia 15 de abril e a suspensão das aulas em todas as escolas e universidades, públicas ou privadas, até o final do mês. Confira aqui.

O manifesto do Fórum dos Servidores Públicos rechaça a conduta do Presidente da República, manifesta apoio às orientações da OMS e exige que o governo estadual devolva os valores descontados após a greve e garanta Equipamentos de Proteção Individual a todos os servidores que seguem atendendo a população gaúcha, durante a pandemia.

O Comitê em Defesa da Democracia propõe várias medidas de combate à crise, incluindo: reorientar a produção de empresas para a fabricação de itens prioritários no enfrentamento à pandemia; ampliar benefícios e programas de transferência de renda para as famílias de trabalhadores; taxar os bancos, grandes fortunas e dividendos de capital paa a obtenção de recursos financeiros necessários no enfrentamento à pandemia.

Propostas semelhantes também foram organizadas em manifesto de docentes da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS (FCE/UFRGS), que analisa a conjuntura econômica e aponta 32 sugestões de diretrizes e medidas de combate à pandemia recuperação da economia. Em comum, está a orientação de taxação de grandes fortunas, que, conforme parecer técnico da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN (AJN), trata-se de uma norma constitucionalmente prevista, mas que nunca foi regulamentada pelo Congresso Nacional. Saiba mais aqui.

60% das universidades federais do Brasil rejeitam proposta do MEC de EAD durante a quarentena

Das 63 universidades federais do Brasil, pelo menos 38 decidiram não ofertar aulas a distância durante o período de isolamento social preventivo à contaminação pelo novo Coronavírus. Apesar da modalidade ter sido recomendada pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, as instituições dizem não ter condições de oferecer atividades com a mesma qualidade do ensino presencial e garantir que todos os estudantes tenham acesso ao conteúdo.

Na UFRGS, a substituição chegou a ser sugerida pela Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) em mensagem enviada às coordenações de Comissões de Graduação (Comgrads), baseada em recentes portarias do governo federal.  A Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS criticou a possibilidade, assim como o ANDES-SN e diversas outras entidades.

“Na reconfiguração do dia a dia imposta pelo isolamento social, crianças e idosos ficam em casa, em regra, aos cuidados de familiares – em especial, das mulheres. Docentes, técnico(a)s-administrativo(a)s e estudantes estão envolvidos no cuidado de si e de pessoas próximas, com risco de adoecimento grave. Nessas condições, torna-se muito difícil trabalhar”, explica o ANDES/UFRGS, em nota de repúdio.

Dirigentes e professores de diversas instituições também afirmam que a orientação para o ensino a distância mostra desconhecimento da realidade da estrutura e da composição do corpo estudantil das universidades.

“Conhecemos nosso corpo de alunos, sabemos que muitos não teriam condições de acompanhar as aulas. Eu não posso garantir aula só para uma parte para não comprometer o calendário letivo. Isso é secundário nesse momento”, disse Claudia Morgado, diretora da Escola Politécnica da UFRJ, citada em reportagem do portal Gaúcha ZH.

Ela lembra que a maioria dos discentes da UFRJ, assim como das demais federais, vem de famílias de baixa renda, muitas sem acesso à tecnologia. O último levantamento feito pela Andifes, em 2018, apontou que 70,2% dos estudantes da rede federal são de famílias com renda mensal per capita de até 1,5 salário mínimo.

A dificuldade de acesso a recursos tecnológicos também é uma das principais justificativas para a recusa do ensino a distância na UFPE. Em nota, a reitoria informa que exigir acompanhamento das aulas durante a quarentena poderia colocar os alunos em um risco desnecessário, lembrando que àqueles “que não disponham de estrutura e conexão restaria buscar apoio junto a familiares e colegas ou mesmo se dirigir a uma lan house, o que violaria as regras de isolamento”.

A Pró-reitoria de Graduação da UFMG também destacou, ao rejeitar as atividades a distância, que boa parte dos estudantes depende de computadores e internet disponíveis no campus para os trabalhos acadêmicos, o que também iria na contramão do isolamento.

“É uma proposta de substituição muito frágil e irresponsável diante da estrutura e das condições que as universidades enfrentam. O problema mais grave é a falta de acesso dos alunos, mas há ainda outras questões, como a falta de equipamentos para os professores, de plataformas e licença de programas para atividades em uma escala tão grande”, lembra Antonio Gonçalves Filho, presidente do ANDES-SN.

“Para a efetiva operacionalização e contribuição para o sucesso acadêmico dos estudantes, a oferta de conteúdos EAD requer planejamento, organização, parque tecnológico capaz de atender toda a demanda e capacitação uniforme dos docentes”, alerta a UFF em nota.

MEC defende EAD

A recomendação de aulas a distância foi feita pelo Ministério da Educação (MEC) em 18 de março, data da publicação de uma portaria liberando a modalidade em caráter excepcional para substituir as disciplinas presenciais. A medida atendeu uma demanda dos donos de faculdades privadas, que cobravam um dispositivo que deixasse suas instituições mais seguras de poder descontar essas atividades remotas dos 200 dias letivos exigidos por lei.

O governo informa que a disponibilização dos equipamentos é de responsabilidade das instituições de ensino, o que, segundo os dirigentes, pode levar a questionamentos jurídicos futuros de alunos que se sentirem prejudicados – inclusive nas faculdades particulares.

Na UFRGS, a Prograd delegou às Comissões de Graduação a decisão sobre a possibilidade de substituição de atividades de ensino presenciais por EAD. Essa orientação provocou manifestação oficial de preocupação da Câmara de Graduação (Camgrad) na última sexta-feira (27):  “(…) A falta de um regramento único, definido pela Administração Central da Universidade, somada à dificuldade de monitoramento das atividades pelos Departamentos responsáveis, cuja manifestação não está prevista nas determinações estabelecidas pela Portaria Nº 2286 de 17/03/2020, poderá gerar conflitos e distorções em função da perda da referência estabelecida pelo plano de ensino e por posturas adotadas individualmente por cada docente”, previne a Camgrad, recomendando que a substituição de atividades presenciais por a distância seja revista.

Para o órgão, a mudança só poderia ser autorizada “em casos excepcionais, com a devida justificativa e com acompanhamento pela Comissão de Graduação, pelo Departamento responsável pelo seu oferecimento e pela Pró-Reitoria de Graduação, com o apoio da Secretaria de Educação à Distância, assim como com a necessidade de que 100% dos alunos matriculados nestas atividades de ensino manifestem formalmente sua concordância e disponibilidade para desenvolver as atividades à distância durante o período de suspensão das atividades presenciais”.

Após a manifestação da Camgrad, a Prograd mudou de tom, valorizando a atitude das Comissões de Graduação que decidiram não autorizar a conversão para EAD: “(…) Não é surpreendente que a absoluta maioria de nossas Comgrads tenha se posicionado contrária à possibilidade de substituição de atividades de ensino presenciais por EAD, e aquelas que tenham aberto esta possibilidade o tenham feito com diversas ressalvas e cuidados relativamente ao atendimento de premissas de acesso e concordância dos alunos, de existência de proposta/projeto formal de substituição e de acompanhamento do desenvolvimento das disciplinas pela própria Comgrad e pelos Departamentos. Esses cuidados nada mais são do que um reflexo de nossa responsabilidade enquanto educadores, que permeia toda a estrutura de gestão da graduação, e que começa no docente, em cada Atividade de Ensino”, diz o despacho da Prograd em resposta à Camgrad.