Greve nacional da educação, a investida ilegítima do proifes e a situação da UFRGS

Voltamos a circular um Boletim sobre a greve da educação porque a situação se agudizou nos últimos dias, como todos pudemos perceber, e as informações são, por vezes, contraditórias. Assim, apresentamos o desenrolar dos acontecimentos em 4 pontos. Você pode ler todo o texto ou navegar entre os itens de interesse.

  1. A Justiça pôs o dedo na ferida
  2. Breve histórico da greve docente federal
  3. A questão da legitimidade: ANDES-SN X Proifes
  4. E nós na UFRGS?

 

A Justiça pôs o dedo na ferida

Na última quarta-feira (29), a 3ª Vara da Justiça Federal do Sergipe suspendeu o acordo firmado no dia 27 entre o governo federal e a entidade cartorial Proifes. No despacho, o juiz constata que a Proifes não possui registro no órgão competente, a chamada Carta sindical, conforme determina a legislação. No despacho se pode ler que, ao firmar acordo com o Governo Federal, em relação à reestruturação da carreira dos docentes, sem que seja representante legal, pode resultar em prejuízos aos profissionais “em relação aos seus interesses e à busca pelos direitos reivindicados durante a greve”.

Até o fatídico dia 27 de maio, 59 das 69 universidades federais estavam em greve. Após a assinatura do acordo espúrio, o número subiu para 61, incluindo a UFPB e a UFPI.

Do total das 69 universidades federais, a Proifes representa apenas 7, dentre as quais 4 estão em greve, contrariando a indicação de sua diretoria.

O professor Henrique Saldanha (UFBA, base da Proifes) publicou um texto no Portal Esquerda Online no qual analisa o papel da entidade cartorial ilegítima na greve docente federal. Recomendamos muito a leitura na íntegra , mas com a gentil permissão de Saldanha, reproduzimos a seguir alguns trechos que ajudam a compreender o histórico da Proifes e seu papel na greve nacional.

 

  1. Breve histórico da greve docente federal

A greve docente federal é parte da greve nacional da educação federal, que inclui os técnicos-administrativos em educação (TAEs) das Universidades, Institutos Federais e CEFETs organizados na Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (FASUBRA), deflagrada em 11/03, e os docentes e TAEs organizados no SINASEFE, em greve desde 3/4.

“A greve das/dos docentes das Universidades Públicas, Institutos Federais e CEFETs, organizada pelo ANDES-SN começou no dia 15/04 e chega ao 40º dia. Nesse momento já são 51 Universidades em greve docente, além de 7 IFs e CEFETs organizados na base do ANDES-SN. Das 51 Universidades em greve, chama a atenção a greve na UFBA, UFRN, UFSC, UFG, onde a categoria decidiu entrar em greve, mesmo contra a orientação das direções sindicais dos sindicatos ligados à PROIFES Federação. Na pauta da greve docente federal do ANDES-SN está o reajuste salarial para recompor as perdas inflacionárias, a reestruturação da carreira docente, a recomposição do orçamento para as IFES e a revogação de medidas autoritárias dos governos Temer e Bolsonaro.

A greve dos docentes das IFES chega num momento decisivo. O governo informou à categoria, no último dia 15/05, o seu posicionamento de encerrar as negociações e apresenta uma proposta que o representante do Ministério da Gestão, Inovação em Serviços Públicos (MGI) nomeou de “proposta final”. Com essa postura, o MGI apresentou um ultimato para que as entidades assinem o acordo a partir da proposta apresentada.

Após a reunião do dia 15/05, o ANDES-SN, através do comunicado nº 35 do Comando Nacional de Greve, emitiu análise recomendando a rejeição da proposta do governo e cobrou a continuidade da mesa de negociação. O SINASEFE informou que a maior parte da categoria rejeitou a proposta do governo, que a entidade apresentará contraproposta e vai pressionar para que o governo siga na mesa de negociação. A Proifes emitiu posicionamento do seu Conselho Deliberativo (CD), onde afirma que a maior parte das suas reivindicações foram atendidas e que ‘ainda que não contemple os anseios da categoria, a sua defesa e negociação feita de forma resiliente e num cenário econômico e político difícil, conseguiu obter ganhos reais’.”

Ou seja, a vontade do CD da entidade cartorial impera em relação às bases. Mas o que é esse CD, quem o compõe? Para compreender isso, é preciso avançar na disputa entre ANDES-SN e Proifes.

  1. A questão da legitimidade: ANDES-SN X Proifes

O ANDES-SNS foi fundado em 19 de fevereiro de 1981 na cidade de Campinas (SP), como Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (a ANDES). Sete anos depois, em 26 de novembro de 1988, após a promulgação da atual Constituição Federal, que garantiu o direito à sindicalização de servidores públicos, passou a ser Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (o ANDES-SN).

“O ANDES-SN possui 66.776 filiadas/os, sendo 47.710 docentes das IFES […]. A taxa de sindicalização do ANDES-SN nas IFES é de 34,9%, sendo 3,7 vezes maior do que a taxa de sindicalização no Brasil, que segundo dados do IBGE de 9,2%. Quando observamos a taxa de sindicalização no serviço público (19,9%), a sindicalização de docentes das IFES no ANDES ainda se mostra mais elevada, sendo 1,7 vezes maior. O SINASEFE possui 26.767 filiadas/os, conforme registro obtido em cadastro do MTE. O SINASEFE representa tanto os docentes, quanto os servidores TAES nos Institutos Federais e no Colégio Pedro II, e não foi possível obter o dado estratificado dos filiados em cada uma das categorias”.

A Proifes foi fundada em Brasília, oficialmente, na manhã de 15 de setembro de 2004, no salão de reuniões do Hotel Alvorada, em Brasília. No entanto, um e-mail esquecido na impressora daquele hotel afirma que o surgimento da entidade teve outro local e data: dia 14 de setembro daquele mesmo ano, no gabinete do então Secretário Executivo do MEC, Jairo Jorge. Em audiência com ele, o professor Homero Catão Maribondo Trindade (UFPB) e Gil Vicente se reuniram ‘por volta das 19:30 boras, tratando entre outros assuntos da criação de um organismo, um fórum, que trate dos interesses exclusivos das Instituições Federais de Ensino Superior”. Os padrinhos de batismo são velhos conhecidos nossos: o então “Ministro Tasso Genro o Sylvio Petrus e o Fernando Haddad. Na despedida, solicitei a sua autorização para enviar este e-mail…’

Figura 1 – Mensagem de Homero Catão ao Secretário Executivo do MEC

“No pedido de registro da PROIFES Federação, o número de filiados não foi informado no campo adequado. Da mesma forma, no site da PROIFES, nenhuma informação sobre o número de filiados/as foi encontrada, o que impede uma comparação do nível de sindicalização na base dos sindicatos filiados ao PROIFES.”

“Em 2024, apenas 5 entidades ligadas a Universidades Federais se mantem na atual PROIFES Federação (ADURN, APUB, ADUFG, APUFSC e ADUFRGS). As demais, com exceção da APUBH, retornaram ao ANDES-SN”. No IFPR, vale lembrar, a Proifes tem o Sindiedutec Como, então, a Proifes afirma que é uma federação com 11 entidades? Além das 6 já mencionadas, as outras 5 filiadas são entidades fantasmas, sem qualquer representatividade nas bases. Vejamos, novamente com o apoio inestimável de Saldanha:

– O Sindiproifes-Pará, fundado em 2015, tem 51 filiados e compete em uma base onde o ANDES-SN atua via ADUFPA;

– O Sindufma, criado em 2014, não tem número de filiados informado, não possui sequer um site e atua na mesma base da APRUMA, seção sindical do ANDES-N;

– O Sindifse, criado em 2015, tem 62 filiados, e disputa base com o Sinasefe no IFSE, há uma decisão judicial que cancela o seu pedido de registro sindical;

– O Sindiproifes, criado em 2008, é uma entidade nacional (!!!), sem registro sindical, e que tenta angariar filiados dentre das bases do ANDES-SN onde não consegue estimular a criação de sindicatos locais e é parte do processo de tentativa de impor, via ação do Estado, a destruição do ANDES-SN.

De acordo com as redes da Proifes, o seu Conselho Deliberativo é composto por 34 delegados, representados proporcionalmente ao número de filiados em cada sindicato federado, sendo 5 da Adufrgs. Como na Proifes, quem manda é o Conselho Deliberativo, independente da vontade das bases, então no dia 26 de maio ‘o CD encaminha à Diretoria da Federação para que proceda à assinatura do acordo com o governo federal, na Mesa de Negociação Específica no dia 27 de maio de 2024’.

Vejamos agora a situação do ANDES-SN.

Das 69 Universidades Federais, o ANDES-SN tem 63 Seções Sindicais em 61 Universidades. A APUBH, é um Sindicato local da UFMG que não tem filiação nacional a nenhuma das entidades, ainda.

Além destes, há “38 Institutos Federais de Ciência e Tecnologia e 2 CEFETs distribuídos em mais de 660 unidades nos municípios. O PROIFES tem 1 sindicato na base de instituto federal (SINDIEDUTEC – Paraná); O ANDES tem Seções Sindicais nos 02 CEFETs e em 05 institutos federais (representando parte das unidades) e o SINASEFE representa a imensa maioria dos Institutos Federais. São 79 seções sindicais, representando mais de 560 unidades dos IFs. Nos locais onde ANDES e SINASEFE dividem a representação da base de algum instituto (o que aconteceu pelo movimento histórico de como as entidades foram organizando a base) não há qualquer movimento de disputa. O ANDES manteve a representação de IFs que já existiam antes da organização e expansão do SINASEFE e não abre qualquer seção sindical em novos IFs ou campi novos. As duas entidades, dada a ampla representação da categoria e o respeito mútuo, sempre desenvolvem campanhas salariais de forma conjunta e buscam construir consenso das posições das entidades para apresentar na mesa de negociação”.

O processo deliberativo sobre a greve no ANDES-SN acontece desde as bases que deliberam em Assembleia Geral Docente, e não de sócios. Nelas, deliberaram pela deflagração de greve a partir do dia 15 daquele mês; processo que culmina hoje com 61 instituições em greve.

Sobre a legitimidade da Proifes assinar acordo com o governo, Lawrence Estivalet (UFBA, base Proifes) e Renata Dutra (UnB), em excelente texto que recomendamos a leitura na íntegra ressaltam que “o que não tem precedente, até porque contraditório com qualquer lógica democrática do fazer coletivo, é o sindicato menos representativo assumir a titularidade da negociação em favor de toda a categoria. […] A existência de um estatuto e da respectiva certificação cartorial não se presta a constituir uma entidade sindical, mas sim sua capacidade de representação democrática daqueles(as) que supostamente integram suas bases”.

 

  1. E nós na UFRGS?

A construção da greve do ANDES-NS na UFRGS começou no dia 20 de março, quando o ANDES/UFRGS convocou assembleia geral docente para deliberar sobre o tema (inserir link: https://andesufrgs.org.br/assembleia-docente-aprova-a-construcao-da-greve-na-ufrgs/). Naquela ocasião foi criado o Comitê Local de Mobilização, responsável por conduzir as atividades de mobilização. Desde então aconteceram reuniões em unidades, panfletagens, café da manhã e seminários para a mobilização.

No dia 18 de abril, em assembleia no Campus Litoral Norte, com teletransmissão para o Campus do Vale e para o Campus Centro, as e os docentes da UFRGS decidiram entrar em estado de greve (inserir link: https://andesufrgs.org.br/assembleia-geral-docente-aprova-estado-de-greve-na-ufrgs/) e intensificar a mobilização.

No dia 3 de maio estava prevista uma Assembleia da Comunidade Universitária para discutir a intervenção bolsonarista na UFRGS e a greve.

Próxima assembleia estava prevista para a semana de 6 de maio, quando a cidade já enfrentava os alagamentos. Naquele momento, todos os nossos esforços de mobilização precisaram se converter para ação de socorro e abrigamento das vítimas da enchente. A ESEFID se tornou abrigo para mais de 600 pessoas; a Faculdade de Farmácia um centro logístico de medicamentos, inclusive atendendo a prefeituras; a Escola de Administração estava submersa. Estudantes, TAEs e docentes mostraram grande capacidade de mobilização tomando a frente em muitas iniciativas.

Desde o dia 2 de maio, as aulas estão suspensas na UFRGS com previsão de retorno para 17 de junho. Ainda não se sabe dimensionar quantos estudantes, docentes e TAEs foram prejudicados e de que forma, muito menos se terão condições de retornar às atividades letivas nesse prazo.

Nesse contexto, reafirmamos que a greve nacional da educação também é uma greve solidária. O ANDES-SN destinou mais de R$50 mil para ações emergenciais junto aos desabrigados, todas as seções sindicais do RS estão envolvidas em diversas frentes de acolhimento e apoio às vítimas das enchentes. Das seções do ANDES no RS, apenas a UFRGS ainda não entrou em greve. O ANDES/UFRGS tem apoiado as ações do DCE, Assufrgs, APG e de outros coletivos da UFRGS.

Já o sindicato municipal de docentes das instituições federais de ensino superior de Porto Alegre, a Proifes, que reúne docentes do ensino superior da UFRGS, UFSCPA e IFRS, realizou Assembleia de Sócios em formato híbrido em 25 de abril, na qual, como já informamos, deliberou que não queria deliberar (inserir link: https://andesufrgs.org.br/greve-docente-e-a-enchente-do-rs/).

No dia 20 de maio, em nova assembleia virtual de sócios, vedada a quem não é filiado à entidade, em meio às ajudas emergenciais que aconteciam devido às enchentes, decidiu, por aproximadamente uma dúzia presentes e cerca de docentes de três instituições online, aceitar a proposta do governo e encerrar as negociações.

E nós assistimos tristemente à sua opção preferencial pelo isolamento da categoria e da luta nacional.

Mas a greve nacional continua. Nos vemos ainda impedido de nos somarmos a ela, mas desde nossas ações de solidariedade defendemos a importância das instituições federais de ensino, que devem ser defendidas e valorizadas.

Ainda sobre a greve, como lembram Estivalet e Dutra, em artigo já mencionado, “A prática de negociar com seus próprios pares, para dificultar a negociação ou o atendimento das reivindicações das categorias em luta, é vedada pela Lei de Greve (art. 17) e deve ser rechaçada por todos(as) que possuem respeito à democracia sindical e substantiva, construída pela base. Empregadores/Estado devem abster-se de atuar de forma fictícia, com base em poderes cartoriais e contra o interesse dos atores sociais em luta. A greve prossegue, apesar da contraditória e lamentável atuação de um governo de origem trabalhista e popular.”