Marcando os 60 anos do golpe de estado que instituiu a ditadura empresarial-militar no Brasil, a comunidade acadêmica da UFRGS voltou a reivindicar a criação de uma comissão da verdade na universidade – compromisso assumido pela Reitoria em 2013, mas até hoje não cumprido.
Em debate realizado no dia 27 de março, o procurador regional dos Direitos do Cidadão no Rio Grande do Sul, Enrico Rodrigues de Freitas, que, representando o Ministério Público Federal (MPF), destacou a importância de que sejam dadas “condições efetivas de trabalho, de resgate de memória de tudo o que aconteceu aqui em relação a estudantes, servidores e professores”.
O evento, que aconteceu na Faculdade de Educação (Faced), também contou com a participação de representantes ativas na luta pela instalação da Comissão, entre elas Roberta Baggio, professora da Faculdade de Direito, que em 2023 recusou presidir a Comissão após minuta da Reitoria Interventora que, além de limitar a atuação do grupo e retirar a garantia de apoio infraestrutural, propunha um prazo de realização do trabalho inexequível, inviabilizando o atendimento às exigências do MPF.
Para jamais esquecer
“O esquecimento é algo produzido a fim de que a história oficial predomine e que a versão oficial seja a versão verdadeira. Como cientistas sociais e como professores não podemos permitir que isso aconteça”, enfatizou Lorena Holzmann, professora aposentada do departamento de Sociologia, uma das convidadas a planejar a Comissão há 11 anos, destacando às novas gerações a importância de jamais esquecer uma história que não enobrece a universidade, referindo-se aos expurgos ocorridos durante a ditadura.
Também participou do evento Letícia Wickert, autora da dissertação de Mestrado “Sob a mira da inteligência: os registros do Serviço Nacional de Informações sobre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1964-1985)”, sob orientação do professor Enrique Padrós, falecido em dezembro de 2021, que foi coordenador do amplo dossiê que embasou a revogação dos títulos honoris causa de Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici na UFRGS, em 2022. Falando “de estudante para estudante” incentivou colegas presentes a trilharem caminhos de pesquisa ligados ao tema, “porque ainda há muito por fazer”.
“A UFRGS, a despeito de ter passado tudo o que passou, não conseguiu instituir uma Comissão da Verdade, lamentavelmente”, concluiu Roberta, agradecendo ao procurador da República presente, que deflagrou o processo de pressão para que esse passo seja dado.
Expurgos na UFRGS
Apenas na UFRGS, mais de 40 docentes foram expurgados pela ditadura. Na segunda-feira (1º), ampla agenda local foi realizada para marcar o aniversário do golpe, promovida pelo ANDES/UFRGS, pelo Coletivo Memória e Luta e pelas entidades Assufrgs, APG, DCE e SindoIF.
As atividades iniciaram com um Seminário no IFRS e seguiram em caminhada até o Memorial dos Expurgados (Campus Central), para o descerramento da placa em homenagem a todas e todos que foram expulsos da Universidade pela ditadura, em um importante ato simbólico da comunidade acadêmica contra todos os golpes, do passado e do presente, para construirmos um futuro cada vez mais democrático. Para que nunca se esqueça e jamais se repita.
Memória do movimento docente
Dos 434 mortos e desaparecidos reconhecidos oficialmente pelos órgãos repressivos militares, 106 eram estudantes universitários, 12 docentes e 1 técnico-administrativo, conforme levantamento do professor de História Política Milton Pinheiro, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), ex-coordenador da Comissão da Verdade do ANDES-SN.
São muitos os esforços de grupos docentes que buscam resgatar informações e memórias, inclusive através do GT História do Movimento Docente (GTHMD), do ANDES-SN, que também possui membros da Seção Sindical da UFRGS. Convidamos todas e todos a acompanhar os trabalhos do Grupo, em honra ao passado de resistência e a um futuro que não esqueça para que nunca mais aconteça.
Foto do topo: Vitor Hugo Xavier/Assufrgs