O governo Bolsonaro extrapolou seu poder regulamentar ao publicar a Instrução Normativa nº 201/19, que define procedimentos específicos para a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas (PNDP), estabelecido pelo Decreto nº 9.991/19. A análise é da Assessoria Jurídica do ANDES-SN (AJN), em parecer emitido no dia 19 de setembro de 2019, e complementa avaliação anterior sobre a inaplicabilidade do Decreto nº 9.991/19 às universidades federais.
Conforme a AJN, o que se vê na medida é uma “tentativa de patrulhamento central das ações dos órgãos da Administração”, uma afronta à autonomia universitária e “aos direitos de servidores, de forma específica, ante a criação de restrições não previstas em normas hierarquicamente superiores”.
Além de estabelecer prazos para a implementação da PNDP, a instrução dispõe sobre os afastamentos aplicáveis aos servidores públicos, estabelecendo requisitos e procedimentos para os pedidos.
Ingerências e ameaças à autonomia universitária
Um dos excessos citados pelo parecer da AJN é o artigo oitavo da Instrução Normativa nº 201/19, que permite ao órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec) solicitar alterações quanto ao conteúdo do Plano de Desenvolvimento de Pessoas elaborado por uma universidade caso entenda que há ausência de conexão entre os objetivos da Administração Federal e o da própria Universidade.
O parecer técnico enfatiza que a norma viola não só o Decreto nº. 9.991/19, que buscava regulamentar, como também – o que é mais preocupante –, a própria Lei nº 8.112/90 e a Constituição Federal, configurando “uma indevida e inaceitável tentativa de ingerência da Administração Federal na definição daquilo que é importante para o desenvolvimento de cada órgão, o que se torna mais questionável no âmbito universitário diante da autonomia universitária prevista na Constituição Federal”.
Os advogados Rodrigo Peres Torelly e Danilo Prudente Lima destacam que a Procuradoria Jurídica da Universidade de Brasília emitiu parecer no qual concluiu pela inaplicabilidade do teor do Decreto nº 9.991/19 às universidades federais, não só em razão do disposto no art. 207 da Constituição Federal, como também diante dos dispositivos dos arts. 53 e 54 da Lei nº 9.394/96 (LDB), e do disposto no art. 26 da Lei nº 12.772/12. “Em síntese, segundo a Procuradoria Jurídica da UnB, o Decreto nº 9.991/19 – e, em consequência, a Instrução Normativa analisada –, caso aplicável às universidades, teria extrapolado o poder regulamentar, diante da autonomia didático-científica e administrativa de que gozam tais instituições”.
Patrulhamento das capacitações e afastamentos
A legislação estabelece que os afastamentos do servidor para desenvolvimento ou capacitação, de modo geral, deverão obedecer ao interesse da Administração. O teor da Instrução Normativa, contudo, define o requisito de que a ação esteja mencionada no Plano de Desenvolvimento de Pessoal, um documento a ser elaborado anualmente segundo procedimentos também especificados pela Instrução. A Instrução é, portanto, muito mais restritiva do que dispõe tanto o Decreto regulamentador quanto a norma regulamentada, a Lei nº 8.112/90. E, no caso das Universidades, é inconstitucional, conforme comentado acima.
Poucos meses depois de publicar a Instrução Normativa nº 201/19, em 31 de dezembro, o governo federal lançou uma portaria alterando as regras de registro de todas as modalidades de afastamento dentro do país e para o exterior por parte de docentes e pesquisadores. A mudança cria ainda mais barreiras para a divulgação dos saberes e para a circulação de ideias, elementos indispensáveis à atividade acadêmica.
Conforme a Portaria 2.227, mesmo afastamentos sem ônus ou com ônus limitado precisam ser feitos via Sistema de Concessão de Diárias e Passagens (SCDP), enquanto até então apenas afastamentos com ônus eram registrados no SCPD.
Outra alteração preocupante diz respeito à limitação no número de servidores em feiras, fóruns, seminários, congressos, simpósios, grupos de trabalho e outros eventos: no máximo, dois representantes por unidade, órgão singular ou entidade vinculada para eventos no país, e um para eventos no exterior. Somente em caráter excepcional e “quando houver necessidade devidamente justificada, por meio de exposição de motivos dos dirigentes das unidades”, o número de participantes poderá ser ampliado, “mediante autorização prévia e expressa do Secretário-Executivo”.
A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) enviaram na quinta-feira, 23 de janeiro, uma carta ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, solicitando revisão urgente da Portaria 2.227. O Fórum de Pró-Reitores de Planejamento e Administração (FORPLAD) enviou Nota Técnica à Andifes apontando as inconsistências dessa Portaria. A Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS solicitou audiência com a Reitora para tratar desse assunto em 24 de janeiro.