O que seria o autoritarismo dentro das universidades? Isso existe? Voltamos no tempo? Infelizmente a resposta é que não só existe, como está presente em várias IFES ao longo do nosso país. Pensando nisso, a Regional RS do ANDES-SN preparou uma mesa para tratar das experiências de professores e professoras que estão vivenciando isso na pele, em pleno ano de 2021.
Precisamente às 9h, o integrante da diretoria da Regional RS do ANDES-SN, Cesar Beras deu as boas-vindas aos presentes no encontro online, e apresentou os(as) participantes da mesa. A mediação ficou a cargo do professor e ex-presidente do ANDES-SN, Luiz Henrique Schuch (Adufpel). Os(As) debatedores(as) ficaram divididos em duas universidades fora do estado e duas universidades gaúchas. A professora Rúbia Vogt da (ANDES/UFRGS) e a professora Celeste Pereira (ADFPel) representaram o Estado do Rio Grande do Sul na conversa. Já a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) foi representada pela professora Claudia Marques Roma, e por fim, o professor Bruno Matias da Rocha, representou as Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC).
“Uma temática propícia para este momento de dificuldade. Essa pauta tem um potencial de diálogo com as categorias, especialmente nas universidades que tiveram ruptura com a democracia. Além disso, este é um assunto que chama, dialoga e nos aproxima”, destacou Schuch, mediador da conversa.
Começando com as angústias e experiências, a primeira a relatar a vivência foi a professora de geografia do Mato Grosso do Sul (MS), Claudia Roma. A docente destacou que o estado é um dos polos do agronegócio no Brasil, o que sempre foi um território de conflitos entre os indígenas e o agronegócio. “Em 2019, quando começa o processo de intervenções nas universidades federais, a UFGD foi uma das primeiras a sofrer esse ataque”, disse.
Na UFGD existe um processo de consulta prévia, com o voto paritário entre os docentes, técnicos e discentes. Um dos professores que disputou era ligado às questões bolsonaristas, mas não foi o vencedor. “O candidato foi derrotado e tiramos em assembleia uma carta política e de compromisso com os candidatos, que se eles não fossem os ganhadores, não se colocariam na lista”, ponderou a professora.
Em Mato Grosso do Sul, uma professora que nem tinha participado do processo eleitoral da UFGD foi nomeada pelo Ministério da Educação (MEC). “O que este fato gerou foi uma falta total da nossa autonomia universitária, e os processos que acabaram acontecendo dentro da universidade são perversos, assim como o próprio ato de intervenção”, explicou Claudia.
CONSEQUÊNCIAS DA INTERVENÇÃO NA UFGD
Após a intervenção em 2019, os conflitos começaram de forma sistemática. “Em uma reunião do Conselho Universitário, até a polícia circulou dentro do campus. Os embates dos movimentos estudantil, dos técnicos e docentes com a gestão, entre outros episódios passaram a ser recorrentes dentro da universidade”, explicou a professora.
Além disso, existiu uma fraude nas cotas do curso de medicina, onde 10 alunos(as) se passaram por pretos e pardos. “A Universidade estava em um processo contra esses(as) alunos(as), mas quando a interventora assumiu a reitoria, o ministério público procurou a gestão da universidade e ela aceitou o acordo com estes(as) alunos(as)”, disse. O sindicato dos(as) professores(as) da UFGD (ADUFDourados) está atento a estes episódios e segue com duas linhas de luta, a política e a jurídica.
CEARÁ
O segundo a falar foi o representante das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC), Bruno Rocha. “O nosso caso é um pouco diferente, pois o candidato estava na lista tríplice, mas foi o menos votado”, comentou Rocha. O professor também explicou que a indicação é uma deslegitimação da representação dentro da gestão da Universidade Federal do Ceará (UFC). “O nosso conselho ficou esvaziado, as decisões acabam sendo o que a reitoria quer e ponto final. O papel do sindicato é lembrar para a comunidade universitária quem são os interventores, lembrando que não é só reitor, mas os diretores aliados e inúmeras outras pessoas”.
Também em 2019, a intervenção começou de forma velada da UFC. Os eventos que falavam sobre democracia e tolerância foram sendo cancelados. A operação administrativa, que lida com as pós-graduações, calendários e as férias docentes foram ocupadas por pessoas sem capacidade técnica. “ A intervenção simplesmente bagunçou tudo isso, o que não é surpresa dado a incompetência que é característica do governo Bolsonaro. Se não fosse a intervenção, com certeza as pessoas adequadas seriam colocadas para gerir a universidade”, disse. Os ataques aos discentes, técnicos e professores também são unanimidade entre os interventores, que transformam a reitoria em instrumento de perseguição a quem faz oposição.
O professor alerta também sobre a reforma administrativa, que traz uma proposta que ataca a colegialidade, principalmente a ausência dos concursos públicos. Outro ponto destacado pelo professor é a representatividade. “A reforma administrativa é um perigo, porque abre uma brecha para que pessoas que não representam a autonomia universitária ocupem cargos de diretores e pró-reitores, representando outros interesses. Nós sabemos que dos órgãos colegiados saem decisões e resoluções que alteram a forma de trabalhar para sempre, e isso nos preocupa muito”, refletiu Rocha.
PELOTAS
A ex-presidenta da ADUFPel, Celeste Pereira dividiu a fala em três momentos. Fatos históricos, último processo de escolha da reitoria e os resultados e lições do processo de intervenção.
Em 6 de janeiro deste ano, o MEC decretou a nomeação da professora Isabela Fernandes Andrade, segundo lugar na lista tríplice, como reitora da UFPel, ignorando a escolha de docentes, técnico-administrativos e estudantes.
Isabela fez parte da chapa vencedora do processo de consulta informal, “UFPel Diversa”, juntamente ao candidato a reitor, Paulo Roberto Ferreira Júnior. Ambos os nomes integraram a lista tríplice, referendada pelo Conselho Universitário (Consun) da UFPel no dia 19 de outubro. Em primeiro lugar ficou Paulo, que recebeu 56 votos dos conselheiros, seguido de Isabela, que obteve 6 votos, e de Eraldo, com 2 votos.
“Eu participei da comissão eleitoral e nós conseguimos fazer um acordo entre os concorrentes, que no momento da homologação do conselho universitário, apenas os nomes da chapa eleita seriam indicados, e da mesma maneira, o acordo para os conselheiros que fosse referendada a escolha feita pela comunidade universitária”, comentou Celeste. Aconteceu que o Bolsonaro não escolheu o primeiro da lista tríplice e após dois dias da nomeação, a chapa acatou a decisão antidemocrática do governo federal, de nomeação de Isabela como reitora da instituição.
RESULTADO DO PROCESSO DE INTERVENÇÃO
“Olhar para o lado e ver companheiros e companheiras de luta, que hoje estão lá defendendo o projeto intervencionista é uma situação muito ruim, além de ser muito duro viver esta experiência”, lembrou Celeste. Ainda, segundo ela, a disputa de ideias e posições divergentes é saudável, mas os(as) colegas em que confiamos ao longo da militância política de toda uma vida, hoje se encontrarem em um campo de cerceamento dos nossos direitos é desolador. “A gestão é passageira, mas o resultado dela pode ter implicações para a vida de todos nós”.
A nova gestão da UFPel é caracterizada por uma fala contraditória no sentido de fazer a defesa da democracia, o que não se traduz na prática. “Estamos vivendo um processo duro de ataques aos direitos dos trabalhadores, docentes e técnicos-administrativos, inclusive com medidas sendo impostas de forma aligeiradas, colocados em um dia e no outro passam por aprovação, sem o debate com os interessados”.
Celeste lembrou também sobre o parecer normativo 49, que impõe a obrigatoriedade da gravação das aulas, sem nenhum amparo legal. “A nossa universidade está sendo pioneira em obrigar os colegas a gravar as aulas, e sabemos que aulas gravadas podem significar inúmeras coisas, inclusive a utilização delas com o professor ausente da universidade, como forma de baratear os custos. Esse desgoverno é capaz de qualquer coisa, não sabemos o que pode acontecer”.
A professora encerrou a participação dela na mesa com uma reflexão. “É preciso encontrar os nossos espaços de resistência nesse processo, mas tenhamos no nosso horizonte que resistir não é o suficiente. Precisamos sair do espaço da resistência e ir para o campo da ousadia”, concluiu.
UFRGS
A última debatedora, representando a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rúbia Vogt fez um relato sobre o que vivencia como docente na capital gaúcha. “A intervenção vem minar o funcionamento mais democrático da universidade”, foi assim que a professora começou a sua fala. No caso da UFRGS, o terceiro e último colocado na consulta universitária foi o indicado para reitor. Mas isso já havia acontecido no ano de 1987.
Outro problema da UFRGS é a não paridade, sustentada com afinco dentro da universidade. “Dentro dos nossos históricos, não bastasse a não paridade, pelo menos nas duas últimas eleições nós temos resultados diferentes, onde os candidatos mais votados em números absolutos de votos não são os candidatos nomeados, nem os que ficam em primeiro lugar, pois a votação do conselho não respeita a paridade. Isso precisa ser sempre rememorado, o quanto a não paridade enfraqueceu o nosso movimento de luta”, relatou Rúbia.
Dentro desse cenário, um grupo de interventores viu uma oportunidade diante do quadro do governo Bolsonaro e sustentaram a candidatura. “Um deputado federal se colocou através dos meios de comunicação e mediou a relação do grupo/chapa com o presidente Bolsonaro, durante todo o processo de escolha do reitor”, relembrou a professora.
Um outro aspecto que é a UFRGS por ser uma universidade antiga, ser grande e estar na capital gaúcha tem toda uma questão de orgulho. “O problema é que às vezes o orgulho se transforma em arrogância, um sentimento de superioridade, e que as coisas que não irão nos atingir. Isso acabou sendo um banho de água fria para quem pensava desta maneira”, relatou.
GESTÃO INTERVENCIONISTA
O professor Carlos Bulhões, foi nomeado, assumiu e de imediato executou uma mudança administrativa na UFRGS, sem escuta, sem discussão, sem passar pelos órgãos e pelo conselho universitário. A fusão da pró-reitoria de graduação e pós-graduação, são áreas grandes e de políticas educacionais diferentes. “Esta fusão não passou por discussão. Além disso, as reuniões de conselhos não eram mais chamadas e outras reuniões eram derrubadas de forma unilateral”, complementou Rúbia, só para lembrar alguns exemplos do que vem ocorrendo dentro da UFRGS.
O conselho da universidade criou uma comissão para avaliar essas mudanças e o resultado foi votado em março de 2021. A decisão elencou que a reitoria deveria voltar à estrutura administrativa anterior, principalmente por não ter cumprido os ritos. O prazo era de 30 dias. “O que o reitor fez? Ele esperou os 30 dias e depois apresentou um parecer da procuradoria que sustentava as suas mudanças”, explicou a professora.
Depois disso foi criada uma nova comissão para avaliar a desobediência do reitor a uma decisão do conselho universitário, e no último dia 31 de julho o parecer foi votado e aprovado. “Uma das recomendações do parecer é a destituição do reitor, que será encaminhada para o Ministério da Educação, além de denúncia para o Ministério Público dos atos realizados pelo interventor”, explicou a docente da UFRGS.
Após quase duas horas de relatos dos(as) quatro docentes, de universidades e cidades diferentes, os professores e as professoras que escutaram atentamente o debate puderam fazer suas reflexões sobre o assunto. As preocupações, os anseios e as aflições tomaram conta da parte final da mesa. “O quão bela foi a mesa no sentido de entender, e o quão assustadora ela também foi. Em pleno século 21, estamos vivendo um autoritarismo dentro da universidade”, finalizou o integrante da Regional RS do ANDES-SN, Cesar Beras.
Diego Balinhas – Jornalista da APROFURG