A manutenção do calendário de retorno às aulas presenciais no Rio Grande do Sul – que desrespeita a posição de prefeitos do interior, Cpers, Sinpro-RS, organizações estudantis e pais e mães de alunos – tem gerado forte reação da comunidade escolar gaúcha. Nesta quarta-feira (23), mais um protesto foi realizado em frente ao Palácio Piratini, na capital, condenando a medida.
Organizado pela Frente Gaúcha de Juventudes em Defesa da Educação, que reúne diversas entidades e associações, o ato teve como lema “Volta às aulas é crime”. A mobilização também ocorreu em frente às Coordenadorias Regionais de Educação (CREs) em diferentes regiões do Estado.
Pelo calendário estadual, quatro níveis de ensino já estão autorizados a retomar as aulas presenciais: Educação Infantil (desde 8 de setembro) e Ensinos Superior, Médio e Técnico (desde 21 de setembro). As escolas da rede pública estadual estariam aptas ao retorno a partir de 13 de outubro. “Voltar sem testagem é uma grande irresponsabilidade. As juventudes acertam em fazer a denúncia”, pondera o diretor do Departamento da Juventude do Cpers, Daniel Damiani.
Em defesa da vida
Na terça-feira (22), o Cpers divulgou dados consolidados pelo Dieese da última etapa da pesquisa Educação e Pandemia no RS, realizada por meio de consulta à comunidade escolar, mostrando que 98% dos docentes estão trabalhando mais do que prevê o contrato de trabalho durante o período de isolamento social, sem receber adicional, e 40% dos que responderam não possuem acesso à Internet com a velocidade e estabilidade adequadas para o trabalho a distância.
Outras dificuldades apontadas são a falta de envolvimento/retorno dos alunos (78,8%), a necessidade de responder mães, pais e estudantes fora do horário de trabalho (75,8%), falta de estrutura e equipamentos (52,4%) e falta de orientação e instrução da mantenedora (51,3%).
Para o Cpers, o fato de os professores estarem trabalhando mais e em condições precárias contrapõe o discurso de quem diz que os educadores não querem voltar às salas de aula para não trabalhar. “Apesar da exclusão, do cansaço, da ansiedade, do estresse, do descaso do Estado, dos salários atrasados, do desrespeito e da falta de reconhecimento, nós preferimos viver. A educação escolhe a vida”, afirma a presidente da entidade, Helenir Aguiar Schürer, em reportagem do Jornal do Comércio.
“Estamos ainda em um momento que, se não formos cuidadosos, colocaremos a população em risco de morte. O retorno deverá acontecer assim que o contágio e mortes diminuírem e que houver a consolidação dos COEs (Centro de Operações de Emergências) locais e municipais”, acrescenta a professora Cecília Farias, diretora do Sinpro, ponderando que o Estado não está em um momento de queda consolidada das curvas de contágio e óbitos.
O Rio Grande do Sul já ultrapassa 4,5 mil mortes pela covid-19, e mais de 179,4 mil casos confirmados. Apenas na quarta-feira fora confirmados 43 novos óbitos.
Ministério Público emite recomendação contra volta às aulas
O Ministério Público do Rio Grande do Sul, por meio da Promotoria de Justiça Regional de Educação de Porto Alegre (Preduc-POA) recomendou na quinta-feira, 17 de setembro, ao prefeito e aos secretários Municipais de Educação e da Saúde de Porto Alegre que se abstenham de autorizar o retorno das atividades presenciais nas escolas públicas e privadas em desconformidade com os termos dos decretos estaduais e portarias relacionados ao sistema de distanciamento controlado para prevenção do contágio da Covid-19. A medida, de caráter preventivo, visa à proteção integral das crianças e dos adolescentes e a evitar eventuais demandas judiciais de responsabilização.
A promotora de Justiça Danielle Bolzan Teixeira, titular da Preduc-POA, signatária do documento, também recomenda que prefeito e secretários se abstenham de autorizar a realização de atividades presenciais por qualquer escola que não possua plano de contingência aprovado pelo COE-E Municipal e que não cumpram todos os requisitos do Decreto 55.465/2020, da Portaria Conjunta 01/2020 SES/SEDUC e da Portaria SES 608/2020, e que coíbam a retomada de atividades presenciais em instituições de ensino em situação irregular perante a vigilância sanitária ou que não possuam certificação das condições sanitárias para o atendimento de crianças e adolescentes.
Por fim, recomenda que divulguem de forma acessível ao público a relação das escolas que se encontram com regularidade sanitária atestada e com plano de contingência aprovado, antes do seu início de funcionamento presencial. A informação é essencial para decisão das famílias quanto ao retorno seguro das crianças e adolescentes às instituições de ensino. A inobservância da Recomendação poderá ensejar o ajuizamento de Ação Civil Pública.
Exemplos atestam precocidade
“Os estados que voltaram às aulas, como o Amazonas, já têm mais de mil professores contaminados. Isso é um atentado à vida daqueles que estão trabalhando pela educação e a todas as famílias que poderão ter seus filhos infectados e precisam do SUS funcionando para serem atendidos”, alerta Regina Brunet, primeira vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), que participou da manifestação.
“É um absurdo ignorarem os dados que mostram o perigo que isso representa para a vida de todos”, acrescenta Nicolas Alcântara, do Movimento Fora da Ordem.
Nesta sexta-feira (25), o Cpers realizará reunião do Conselho Geral para deliberar quais os passos para resistir ao retorno às aulas presenciais. “Constatamos nas escolas que não há condições para um retorno seguro. Vamos resistir nos organizando a nível estadual, mas também a partir de cada escola. É importante que cada escola se organize para não retornar, fazer o levantamento da falta de condições e o parecer dos conselhos escolares que não aceitam o retorno”, explica Damiani.
Na visão do Comitê Popular Estadual de Acompanhamento da Crise Educacional no RS, integrado pelo ANDES/UFRGS, a decisão de retomar as aulas presenciais deveria ser deliberada com a participação de toda comunidade escolar e acadêmica, em articulação intersetorial com as áreas de Economia, Saúde, Cultura, Lazer, Segurança, Assistência Social, em acordo com as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e balizadas pela ciência. “Para tanto, é fundamental a criação de mecanismos que assegurem a escuta, o envolvimento e a participação democrática das nossas comunidades escolares e acadêmicas”, pontua documento do coletivo.
O Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) emitiu, na última sexta-feira (18), nota pública contrária à retomada das aulas presenciais em 2020. “ Com base nos documentos produzidos pela comunidade científica, consideramos equivocada a retomada das atividades educativas presenciais, no atual momento, por não contarmos com a garantia de um conjunto de condições e dimensões, intra e extraescolares, pedagógicas, de segurança e de efetivação de protocolos sanitários consistentes, elementos fundamentais para o retorno”. Para o FNPE, a “postura negacionista do governo federal frente à pandemia e seus efeitos na vida da população demonstra sua opção por uma necropolítica genocida, que agora ensaia atingir de forma aguda as comunidades escolares em todo o país”.
Prefeitura de Porto Alegre planeja retorno em outubro
No mesmo dia do protesto da comunidade escolar, a prefeitura de Porto Alegre enviou ao Piratini proposta detalhada de protocolos nas instituições públicas e privadas de ensino para retomar as atividades presenciais a partir de 13 de outubro. O plano contraria as regras do governo estadual e a atual classificação de bandeira vermelha – considerada de alto risco de contaminação pela Covid-19.
Conforme a prefeitura da capital, a expectativa é de começar pela alimentação e atividades de apoio em todas as escolas, e seguida pelas aulas presenciais do Ensino Fundamental 1 (turmas do 1º ao 5º ano) e educação especial (19 de outubro), do fundamental 2 (turmas do 6º ao 9º ano), especial e 1º e 2º anos do Ensino Médio (3 de novembro). A lista completa de protocolos propostos pela prefeitura pode ser acessada aqui.