O decreto que autoriza o retorno das aulas presenciais no Rio Grande do Sul a partir desta terça-feira (8) tem provocado crítica de entidades da Educação e da Saúde. Os argumentos, embasados em dados e orientações científicas, apontam o elevado índice de contaminação no Estado, que se mantém, e a falta de providências práticas em relação à testagem em massa.
A possibilidade de reabertura das escolas vai contra orientações do próprio Conselho Nacional de Saúde (CNS), que recomendou que governos só retomassem aulas presenciais depois que a pandemia estivesse epidemiologicamente controlada – ou seja, com a taxa decrescente de mortes e casos. No Rio Grande do Sul, a curva de contaminação segue ascendente, com mais de 143 mil casos confirmados até a verificação mais recente da Secretaria Estadual de Saúde, em 7 de setembro.
Uma das cidades que teve permissão para recomeçar as aulas é Lajeado, que, nesta segunda-feira (7), foi classificada dentro da área de Bandeira Vermelha pelo Governo do Estado – com alto risco de transmissão e, pelo Decreto, tendo vetadas aulas presenciais –, mas a Prefeitura local recorreu e conseguiu permanecer na categoria Laranja.
Início equivocado
O decreto, publicado sem considerar diversas pesquisas que referendam o receio por parte de pais e professores, determina a retomada pela Educação Infantil, o que também é rechaçado por entidades. “Estão brincando com a vida das crianças, principalmente porque a primeira a voltar é a primeira infância, que tem maior dificuldade de manter distanciamento, pois precisa do toque, do contato físico”, aponta a presidente do Cpers-Sindicato, Helenir Schurer.
“Não se tem segurança para colocar crianças dentro da sala de aula mesmo com todos os protocolos”, avalia o presidente da Famurs e prefeito de Taquari, Maneco Hassen. “Sabemos que na prática é impossível, principalmente se tratando do público da faixa etária de zero a quatro anos.” A Federação posicionou-se contrária ao retorno, seguindo a posição manifestada por 93,75% dos prefeitos em pesquisa realizada em agosto.
Além disso, a Sociedade Rio-Grandense de Infectologia (SRGI) alerta que, apesar do baixo risco de óbitos decorrentes da doença em jovens e crianças, ele não é inexistente. “Igualmente, a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica, condição associada à Covid-19, apesar de rara, pode cursar com formas graves e fatais, como já registradas no Brasil”, pontua.
Pressão econômica
Em nota, a Famurs afirma que o estudo apresentado pelo Executivo para justificar a reabertura das escolas não levou em consideração o estágio da pandemia na região, nem um programa efetivo de testagem – medida também recomendada pelo CNS para permitir intervenção em casos de novas ondas da Covid-19.
“O estado, que deveria ser o primeiro a nos dar segurança, só vai retornar daqui a 45 dias. Nós, municípios, teremos que fazer o experimento, o teste e correr o risco de ter alunos contaminados. Mais uma vez a responsabilidade fica com os prefeitos e prefeitas”, reprovou o presidente da Federação dos Municípios.
Na visão do Comitê Popular Estadual de Acompanhamento da Crise Educacional no RS, integrado pelo ANDES/UFRGS, a decisão de retomar as aulas presenciais deveria ser deliberada com a participação de toda comunidade escolar e acadêmica, em articulação intersetorial com as áreas de Economia, Saúde, Cultura, Lazer, Segurança, Assistência Social, em acordo com as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e balizadas pela ciência. “Para tanto, é fundamental a criação de mecanismos que assegurem a escuta, o envolvimento e a participação democrática das nossas comunidades escolares e acadêmicas”, pontua documento do coletivo.
“O posicionamento do governador demonstra claramente sua subordinação a determinados setores econômicos e seu absoluto desprezo com a vida humana. Só essa premissa é capaz de explicar um cronograma descolado de protocolos de segurança sanitária e de análise minuciosa do avanço da Covid-19 em nosso estado”, afirma carta aberta de diversas entidades da educação contra o retorno das atividades presenciais, classificando a medida como desrespeitosa e irresponsável.
Risco de contaminação elevado
No dia 22 de agosto, a Fiocruz alertou em nota que ainda não é hora de uma volta às aulas no Brasil. Utilizando dados da Pesquisa Nacional de Saúde, do IBGE, a Fundação estima que o retorno às escolas em nível nacional pode contaminar mais de 9 milhões de brasileiros do chamado grupo de risco.
A perspectiva já foi vivenciada em Manaus: considerada uma das cidades com menor risco de proliferação da doença pelas aulas presenciais, teve elevação considerável de casos em duas semanas, com um terço dos professores testados confirmando a presença do vírus.
No Rio Grande do Sul, antes mesmo da retomada, ao menos 142 escolas da rede pública estadual já tiveram educadores contaminados somente no desempenho de atividades em plantão, conforme pesquisa divulgada pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos , que também reprovou o regresso na rede pública estadual.
“No nosso entendimento, o retorno à presencialidade deveria ser autorizado oficialmente pelas autoridades de Saúde”, observa a presidente do Conselho Estadual de Educação, Maria Adriana de Carvalho. “Ainda não vi nenhuma nota técnica sobre isso. A situação está bem difícil. Entendemos que atividades econômicas estão prejudicadas, incluindo a Educação, mas estamos falando de segurança sanitária e de saúde, que são prioridades”, finaliza.
Tarefa das e dos educadores em defesa da educação
O Fórum Sindical, Popular e de Juventudes de luta pelos Direitos e Liberdades Democráticas, com o objetivo de promover o debate sobre o ensino remoto, organização da luta contra a volta das aulas presenciais e organização da Conferência preparatória para o Congresso Mundial da Educação realizou no último dia 5 a Plenária Nacional dos(as) Trabalhadores(as) em Educação, que aconteceu no último sábado (5). Os mais de 200 trabalhadores da educação presentes no evento divulgaram uma carta em que fazem uma análise da conjuntura e propõem ações.
“Com poucas,porém relevantes exceções, os governos vêm apelando de forma irresponsável para o retorno às aulas presenciais, sem previsão de vacina no horizonte e sem condições adequadas de biossegurança, questão que expressa claramente que suas principais preocupações são reativar a economia capitalista neoliberal em crise, isso à custada segurança e da vida de crianças e trabalhadores(as) da educação”, afirma a Carta da Plenária Nacional dos(as) Trabalhadores(as) em Educação.
“Nossa tarefa é de pensar e construir uma resposta não só para a situação, mas dela traçar um horizonte estratégico que passa inevitavelmente pela construção de uma alternativa pedagógica que sustente uma escola socialmente referenciada nos interesses estratégicos da classe trabalhadora de uma escola popular”, propõem os trabalhadores da educação, no documento que pode ser acessado na íntegra aqui.