Apesar da promessa de campanha de Jair Bolsonaro de não aumentar a carga tributária dos brasileiros e diminuir o valor do Imposto de Renda (IR) em 2020, na prática o aumento será de quase 0,2% do PIB -suportado exclusivamente pelas pessoas físicas. A conclusão é da Associação Nacional dos Auditores Ficais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), em nota técnica sobre a defasagem cumulativa na tabela do IR, que já deveria ter sido reajustada.
De acordo com a associação, para realizar o feito histórico de reduzir tributos, seria necessário um ajuste de 7,39% da tabela do IR – o que ainda não aconteceu. O estudo detalha que se a correção tivesse sido aplicada em 2019, R$ 13,5 bilhões seriam injetados nas rendas das famílias.
Reajuste do IR poderia gerar efeitos positivos na economia
Os R$ 13,5 bilhões a mais na renda das famílias seriam aplicados, em grande parte, em consumo e no crescimento do PIB – o que poderia gerar efeitos positivos para a economia.
Uma solução para avançar no tema, segundo a Unafisco, seria a edição de uma Medida Provisória com o ajuste, que implicaria vigência imediata e precisaria ser aprovado pelo Congresso em 120 dias – conduta bem usual no governo Bolsonaro para outras pautas. “O governo não corrigiu a tabela nos dois primeiros anos e deveria ter feito”, esclarece o presidente da Unafisco, Mauro Silva. “Fica evidenciado o não cumprimento do programa de governo apresentado na disputa eleitoral de 2018”, pondera.
O reajuste alteraria, também, a faixa de isenção do imposto: hoje, estão liberadas de pagamento as pessoas físicas que ganham até R$ 1.903. Com a correção de 7,39%, deixaria de recolher Imposto de Renda quem ganha até R$ 2.044. Assim, o número de pessoas físicas que não pagariam a taxa chegaria a 14 milhões, contra os 11,7 milhões previstos nos moldes atuais.
Até agosto de 2019, Bolsonaro falava em isentar quem ganhasse até 5 salários mínimos – o que hoje significaria uma renda mensal de R$ 5.225. “Para isso, o governo teria de reajustar a tabela em 174,4% e teria de abrir mão de R$ 141,5 bilhões na arrecadação. Qual país conseguiria um esforço fiscal deste tamanho?”, questiona Silva.
Prejuízos aos mais pobres
Para Carlos Schmidt, professor aposentado da Faculdade de Economia e diretor do ANDES/UFRGS, “O principal problema é que a carga tributária no Brasil repousa sobretudo sobre o consumo e os salários (49,7% no Brasil e 32,4% em média na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico/OCDE), enquanto é reduzida na renda do capital e do patrimônio – 27,7% no Brasil e 39,6% na OCDE, onde a Dinamarca chega a 67,2%), sendo que a maior distorção que a renda obtida pelo salário é tributada, os lucros e dividendos do capital não. Caso raro no mundo, só encontrado além do Brasil na Estônia.”
“Só o benefício fiscal com setor automobilístico, por exemplo – e que não garante nenhum emprego mesmo com esta isenção – é de R$ 8 bilhões”, acrescenta o presidente da Unafisco.
O estudo da Unafisco também sugere a criação do imposto sobre grandes fortunas e a tributação de lucros e dividendos para compensar a renúncia fiscal, o que representaria uma forma mais justa de recolhimento em um país de tamanha desigualdade.
Sem correção desde 1996
O cálculo da defasagem da tabela do imposto de renda para pessoa física (IRPF) feito pela Unafisco considera o IPCA acumulado desde 1996 – ano em que a tabela deixou de sofrer reajustes anuais – até 2019, levando em conta os reajustes ocorridos em 2002 e no período de 2005 a 2015. Neste caso, a correção necessária durante o ano-calendário 2020 seria de 103,87%.
Se aplicado esse reajuste, as pessoas que ganham até R$ 3.881 estariam isentas de pagar Imposto de Renda. E só pagariam no teto (com alíquota de 27,50%), os contribuintes que ganham mais de R$ 9.509. Neste cenário, o número de contribuintes que passaria a não pagar o tributo seria de 24,1 milhões.
“Mais de 12 milhões de contribuintes, que poderiam estar na faixa de isenção, vão suportar o ônus do imposto em decorrência da não correção integral da tabela do imposto de renda para pessoa física para 2020”, conclui Silva.
Para o professor Schmidt, “mais uma vez não se toca na isenção de tributação sobre a renda do capital que poderia efetivamente reduzir a tributação sobre os mais pobres através da redução dos impostos sobre o consumo e da correção plena da defasagem da tabela do IR”.