O Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu, na sexta-feira (8), o pedido de cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6565, que pedia o fim das intervenções na escolha de reitores e reitoras de universidades federais. O processo, apresentado em setembro de 2020 pelo Partido Verde (PV), foi votado virtualmente.
O pedido cautelar sustenta que a nomeação de candidatos que não figuram em primeiro lugar nas listas tríplices viola os princípios constitucionais da autonomia universitária, da impessoalidade e da moralidade pública, mas a maioria dos juízes discordou.
Em outubro do ano passado, o relator do processo, Ministro Edson Fachin, emitiu medida cautelar parcial para garantir que os processos de nomeação respeitassem a autonomia universitária, prevista no Artigo 207 da Constituição, e seguissem a lista tríplice encaminhada pelas instituições. Na ocasião, ressaltou que “a nomeação de Reitores e Vice-Reitores não pode ser interpretada como dispositivo para o desenvolvimento de agendas políticas, ou como mecanismo de fiscalização”. Contudo, na votação virtual prevaleceu o entendimento de que as normas não violam a Constituição Federal.
Em manifestação favorável à discricionariedade da presidência da República, o ministro Gilmar Mendes, a quem caberá a redação do acórdão, avaliou que o texto constitucional não dispôs sobre o processo de escolha de reitores para universidades federais. “Não se torna possível potencializar a autonomia universitária a ponto de nulificar o espaço de decisão do chefe do Poder Executivo”, afirmou.
Corrente da intervenção
O artigo 1º da Lei 9.192/1995, que alterou a Lei 5.540/1968, prevê que o reitor e o vice-reitor das universidades públicas e os dirigentes das instituições federais de ensino serão nomeados pelo presidente da República entre professores dos dois níveis mais elevados da carreira ou que tenham título de doutor, a partir de listas tríplices organizadas pelas instituições. O artigo 1º do Decreto presidencial 1.916/1996 reproduz os critérios.
O ministro Alexandre de Moraes, que também votou a favor das intervenções, alegou que, havendo a previsão de escolha a partir de lista tríplice, não se justifica a imposição do nome mais votado, “sob pena de total inutilidade da votação e de restrição absoluta à discricionariedade mitigada concedida ao chefe do Poder Executivo”.
Argumentou, ainda, que, em outras instituições, como tribunais superiores, Ministério Público e Defensoria Pública, a escolha dos integrantes é feita pelo presidente da República, com ou sem formação de lista tríplice pelos pares.
O presidente do STF, ministro Luiz Fux, os ministros Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Nunes Marques e as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber acompanharam a corrente.
Autonomia universitária
O ministro Edson Fachin votou pelo deferimento parcial da liminar, para que a nomeação respeitasse integralmente o procedimento e a forma da organização da lista pela instituição universitária. Segundo ele, a autonomia universitária é um trunfo contra eventuais tendências expansivas dos poderes instituídos que venham a reproduzir uma política de intervencionismo e de violação de direitos humanos, como praticada durante a ditadura militar.
Fachin lembrou que, desde a Lei 9.192/1995, houve um acordo tácito de respeito à ordem estabelecida nas listas tríplices – prática que foi recentemente alterada, sem a nomeação dos mais votados, o que gera uma dúvida legítima quanto à compatibilidade das normas questionadas com a autonomia universitária. O entendimento do relator foi seguido pelo ministro Ricardo Lewandowski.
O Projeto de Lei 2699/11, apresentado pela ex-deputada Sandra Rosado durante o governo Dilma Rousseff, institui voto paritário entre professores, alunos e servidores técnico-administrativos nos processos de escolha de dirigentes universitários (reitores, vice-reitores, diretores e vice-diretores). O projeto aguarda parecer na Comissão de Educação da Câmara Federal.
Amicus Curiae
O ANDES-SN defende o fim da lista tríplice e que o processo de escolha dos e das dirigentes se encerre no âmbito de cada instituição. O Sindicato Nacional figurou como amicus curiae (amigo da corte) na ADI.
Em sua sustentação oral, realizada em 28 de setembro, o advogado Leandro Madureira, da Assessoria Jurídica Nacional (AJN), ressaltou que Bolsonaro optou por contrariar a história constitucional do país, o que se faz evidente em todo projeto político e ideológico do governo federal. “Porém, há uma malfadada predileção em perseguir e punir os trabalhadores da educação”, destacou.
Madureira lembrou ainda outras ações do governo federal, como as medidas provisórias 979/2020 e 914/2020, que também buscavam interferir na nomeação de reitores e reitoras, mas que já foram arquivadas e que representam grave violação ao princípio da autonomia e gestão democrática.
“O controle de pensamento e a utilização equivocada de processos administrativos disciplinares e processos de sindicância para fins persecutórios são exemplos claros de como um reitor interventor é prejudicial à comunidade acadêmica e a toda sociedade”, pontuou Madureira.
Além de Bolsonaro já ter interferido arbitrariamente em pelo menos 20 instituições, na maioria delas os conselhos universitários estão esvaziados ou têm suas decisões ignoradas pelos gestores e pelas gestoras indicadas pelo presidente da República.
“A escolha do reitor mais votado é a garantia de uma autonomia plena, incondicional e orgânica da própria comunidade acadêmica, desamarrada da posição do chefe de Estado, pois a universidade se faz além do Estado e não para o Estado”, acrescentou o advogado do Sindicato Nacional.
Na UFRGS, que também enfrenta uma intervenção de Bolsonaro, a Reitoria interventora tem levado a cabo uma série de arbitrariedades, com decisões tomadas à revelia do Consun. O órgão máximo da Universidade já deliberou pelo encaminhamento do pedido de destituição de Bulhões e Pranke ao Ministério da Educação.