Na terça-feira (21), a Presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que é responsável por avaliar os programas de pós-graduação, assinou a Portaria n.º 150 de 2021, que designa membros titulares e suplentes do Conselho Técnico-Científico (CTC). A decisão pode ser entendida como vitória da pressão que a comunidade científica realizou após a Presidência da CAPES destituir todos os membros daquele que é o órgão responsável por avaliar os programas de pós-graduação.
A destituição do CTC
Publicada no Diário Oficial de 16 de setembro, a medida alegou amparo em uma discrepância entre o quadro de integrantes e o estatuto da Capes. Havia 20 pessoas no CTC, mas o número regulamentar era de 18 pessoas. Contudo, as condutas intervencionistas já vinham ocorrendo na Capes, e entidades de pesquisa acreditaram que a destituição abriria margem para revisão de decisões tomadas pelo colegiado nos últimos três anos, como pedidos de abertura de cursos que foram rejeitados por não cumprir exigências mínimas.
Em carta aberta à presidência da Capes, a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) afirmou que “a adequação da composição do CTC ao estatuto da Capes não pode causar um dano maior à avaliação e mais insegurança jurídica como acreditamos que possa ocorrer caso seja extinto o novo Conselho e recomece desde o início processo de escolha de novo conselho.”
“Este quadro pode produzir prejuízos incalculáveis às Instituições de Ensino Superior, aos programas de pós-graduação, à produção de ciência, tecnologia e inovação do país, bem como comprometer severamente a formação qualificada de recursos humanos”, acrescenta nota da Câmara da Pós-Graduação da UFRGS, defendendo “que toda e qualquer modificação nos procedimentos de avaliação da pós-graduação seja construída em constante diálogo e participação de todos os comitês de área e com o CTC-ES, respeitando os princípios democráticos e de natureza acadêmica da construção do conhecimento científico, tecnológico e de inovação”.
Insegurança
“A partir dessa mudança, existe o risco das decisões tomadas anteriormente pelo conselho serem revistas, sofrerem insegurança jurídica e serem passíveis de contestação”, alerta a coordenadora da área Interdisciplinar da Capes, Adelaide Faljone-Alario. Há, ainda possibilidade de questionamentos por parte de faculdades que estavam com nota baixa e impedidas de ter novos alunos, que podem pedir revisão. O Qualis, sistema de avaliação de periódicos que relaciona e classifica os veículos utilizados para a divulgação de produção intelectual dos programas de pós-graduação, também poderá ser prejudicado com essa mudança.
No dia 14, os membros titulares do CTC também enviaram carta aberta à direção da Capes para expressar “forte preocupação” com a condução que vinha sendo dada pela direção a questões de alto interesse da comunidade acadêmica, no momento em que se consolidava a Avaliação Quadrienal 2021.
Dentre os assuntos sobre os quais a presidente da Capes, professora Claudia Queda de Toledo, foi convidada a se manifestar e dialogar, na reunião ordinária entre 3 e 5 de agosto, estavam a inexistência de um Regulamento da Avaliação Quadrienal e de um calendário para viabilizar o conjunto de atividades da Avaliação Quadrienal em curso, observando, inclusive, a necessidade da extensão dos mandatos dos Coordenadores de Área, assim como a necessidade do CTC-ES votar e eleger seu representante junto ao Conselho Superior da Capes, cujo mandato se encerrou em maio de 2021.
De acordo com a carta, a presidente da Capes expressou que sua preocupação maior era a suposta ilegalidade da Portaria que nomeou os membros do atual CTC-ES, em 2018, e que, portanto, colocava todas as decisões do conselho em um patamar de insegurança jurídica e passíveis de contestação.
“O CTC-ES entende a preocupação da Procuradoria Federal com o princípio de legalidade, no sentido de o CTC-ES não atender pelo número de membros estabelecido pelo Estatuto da CAPES. No entanto, também entende que a decisão de ampliação do número de representantes dos Colégios no CTC foi tomada em gestão anterior, de boa-fé, para atender a outros princípios básicos de processos da Administração Pública como os de finalidade, proporcionalidade, interesse público e eficiência, todos amparados no artigo 2º. da Lei n.9784 de 29 de janeiro de 1999. Devemos observar a existência de riscos reais em modificar, neste momento, o número de representantes. A saber, mesmo com a convalidação dos atos do CTC-ES atual pelo CTC-ES em número estatutário, poderá ensejar grande número de recursos e processos, acarretando volumoso retrabalho por parte desta agência e de seus Conselhos, já sobrecarregados”.
O documento também expressa preocupação com a gestão da atual presidência em relação a ausência de diálogo com o conselho, “amplamente desconsiderado na atual gestão”.
Desmanche
No dia 6 de agosto, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, manifestou preocupação a respeito de outra mudança e do que chamou de “desmanche da estrutura de uma agência à qual o Brasil deve tanto, no tocante à pesquisa e à formação de recursos humanos altamente qualificados”.
“Ontem, a Diretora de Relações Internacionais (DRI) da agência foi exonerada e substituída pela Sra. Lívia Pelli Palumbo, uma estudante de doutorado da atual presidente. Não obstante o fato da Sra. Lívia Pelli Palumbo atender aos requisitos exigidos pela CAPES para a ocupação do cargo, assim como, atender ao artigo 2º do Decreto 9.727/19, é válido pontuar que ainda não concluiu sua formação acadêmica, como também não possui qualquer experiência em coordenação de redes de colaboração internacional ou outra distinção que a credenciem para o cargo”, critica, em nota.
“Isto é particularmente preocupante para o período que passamos, que demanda para a DRI um perfil de liderança com grande experiência acadêmica para rearticular as redes e os projetos institucionais de internacionalização da pesquisa científica do Brasil. Os alicerces do sistema responsável pela formação de recursos humanos de alto nível e pela tão propalada inserção internacional de nossos pesquisadores estão, claramente, abalados”.
Recomposição
Segundo notícias que circularam desde ontem, as duas áreas que tinham indicado um membro a mais chegaram a um consenso e refizeram suas indicações com apenas 6 membros, já pertencentes ao grupo anterior. A recomposição do CTC respeitando as indicações das áreas pode ser celebrada como vitória das diversas instâncias da comunidade acadêmica que se posicionaram contra a destituição do Conselho.
Justiça suspende avaliação em andamento dos programas de pós-graduação pela Capes
Em ação civil pública movida pelo Ministério Púbico Federal (MPF), a Justiça Federal concedeu liminar nesta quarta-feira (22) para determinar à Capes que suspenda imediatamente a avaliação dos programas de pós-graduação em andamento. O MPF pede que a instituição apresente, em 30 dias, relação completa dos “critérios de avaliação”, “tipos de produção/estratos” e as “notas de corte” que estão sendo utilizados para avaliação, dividindo-os por área do conhecimento, indicando quais parâmetros de avaliação criaram critérios novos, retroagindo para incidir sobre avaliações do quadriênio já em curso, e a data em que fixados os novos parâmetros para cada área.
Além de confirmar os efeitos da tutela provisória, no mérito, o MPF requer que nas futuras avaliações, a Capes se abstenha de aplicar retroativamente critérios de avaliação novo, só podendo aplicar os critérios novos para períodos avaliativos futuros (próximo quadriênio).
“Inexiste, por parte da Capes, preocupação com a segurança jurídica, seja na definição desses parâmetros, sua revelação, publicidade e transparência, seja em operar sua alteração, protegendo a expectativa dos administrados e assegurando que estes não sejam surpreendidos pela aplicação retroativa de parâmetros inesperados”, alertam os procuradores.