Profissionais que cumprem o primeiro ano de residência na área da saúde estão sem receber a bolsa-salário, que deveria ter sido repassada pelo Ministério da Saúde no último dia 7 de abril. Uma lista assinada por 700 residentes denuncia o atraso, que, segundo o Fórum Nacional de Residentes em Saúde (FNRS), é uma prática usual no setor.
Em carta aberta do Fórum a Ministério da Saúde e COREMUs/COREMEs, os profissionais destacam a importância da categoria no combate à pandemia, e classificam como gravíssima a situação, com centenas de residentes em processo de endividamento, sofrimento mental e, em alguns casos, abandono do Programa pela impossibilidade de prover o sustento básico.
“O recebimento da bolsa-salário se faz absolutamente indispensável para sobrevivência material dos residentes, já alocados nos seus respectivos campos de serviço e disponíveis para atividades diversas em todos os níveis de atenção”, frisa o FNRS, que cogita uma paralisação nacional nesta sexta-feira (24) caso o repasse não aconteça até a quinta-feira (23).
“Os residentes em saúde não recebem insalubridade, vale-transporte e nem vale-alimentação. Os que não receberam estão há quase dois meses trabalhando tendo que arcar com todos estes custos, para além de outras contas e de todo o contexto de dificuldade financeira na pandemia”, contextualiza Átila Tresohlavy, fisioterapeuta residente no programa multiprofissional de Atenção Básica da Unisinos, que representa o Fórum.
Conforme a lista, no Rio Grande do Sul, existem atrasos de pagamento a residentes vinculados à Unisinos, à Unijuí, à Ulbra, ao IPA, e ao HPS.
Heróis de carne e osso
Em depoimento postado nas redes sociais, o fisioterapeuta destaca que os profissionais da saúde têm lidado com precárias condições de trabalho, racionamento de EPIs e irresponsabilidade dos governos frente à pandemia e à gestão dos sistemas de saúde. “Os heróis não podem reclamar. Os heróis não podem parar, mesmo sem receber. Heróis ficam com pratos vazios, contas a pagar e se endividam na quietude do seu heroísmo. Mais do que heroísmo, nos cobram martírio. E se não nos encaixamos nesse papel, logo somos os vilões”, lamenta, lembrando que são todos trabalhadores “de carne e osso, do mundo real, que passam por necessidades reais”.
Em depoimento à revista Veja, Tresohlavy afirma que a paralisação em meio à Covid-19 seria uma “lástima”, mas que não há outra solução para o impasse. “A falta de investimentos em respiradores mecânicos e a flexibilização de políticas de distanciamento social já afetam a situação da saúde nessa pandemia. Os nossos direitos estão sendo violados. Estamos avisando previamente o ministério, que já atrasa nossas bolsas há duas semanas, que paralisaremos se as obrigações não forem cumpridas”.
A publicação ainda cita casos de residentes que reclamam das condições de trabalho durante a crise do Coronavírus. Uma residente em Psicologia de São Paulo, que pediu para não ser identificada, disse que trabalha 60 horas semanais sem receber adicional de insalubridade. Ela também está sem o pagamento da bolsa-salário. “Estamos na linha de frente da pandemia. É uma enorme desvalorização”, afirmou.