A bancada do PSOL protocolou na terça-feira passada (01) um projeto de decreto legislativo (PDL 643/2020) para derrubar o decreto de Jair Bolsonaro que institui o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Decreto nº 10.004/2019). A proposição justifica que a ordem presidencial configura ato administrativo de natureza ilegal.
“É exemplo evidente de improbidade administrativa, por atentar contra os princípios da administração pública”, explica a bancada legislativa, argumentando que o artigo 37 da Constituição Federal prevê que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público. “É flagrante desvio de função destinar a policiais, bombeiros e militares das Forças Armadas atribuições legalmente destinadas aos profissionais da Educação”.
O projeto do PSOL também alega que os dois principais problemas das escolas brasileiras atualmente – violência e precariedade – não podem ser resolvidos com a militarização, mas com políticas públicas efetivas e duradouras, baseadas em diagnósticos precisos.
Conforme estatísticas da bancada, de 2013 a 2018, o número de escolas estaduais geridas pelas polícias militares cresceu 212% sem que se conheçam evidências do impacto da militarização na qualidade do ensino.
Reações à militarização de escolas
Em Rondônia, o Ministério Público impetrou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, apontando pelo menos seis grandes irregularidades nas leis e decretos que regulamentaram o sistema: incompatibilidade de atribuições, retirada de autonomia das escolas, possibilidade de implementação de privilégios em relação à reserva de vagas para dependentes de militares, entre outras.
Na ação, o MP destaca que a criação das unidades foi realizada sem qualquer participação popular, violando a gestão democrática e participativa no ensino, prevista na Constituição do Estado. Outro ponto questionado é que o ensino irá seguir normas do Exército, impondo lógica de gestão militarizada, “comprometendo o processo formativo plural, sem espaço para discussões”.
Na Bahia, o Ministério Público Federal determinou que as escolas públicas municipais que tenham gestão compartilhada com a Polícia Federal parem de interferir na liberdade de expressão e na vida privada dos estudantes. Isso significa que não podem exigir padrões estéticos como cortes de cabelo, unhas, forma de vestir ou obrigatoriedade de uso de bonés ou boinas, por exemplo. Também fica vedado o controle de publicações levadas pelos estudantes para a escola ou feitas em redes sociais, assim como proibir a participação deles em manifestações.
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão alerta que, diferentemente dos colégios militares – que possuem público específico, com a maior parte das vagas reservadas a filhos de militares com finalidade de formar futuros militares –, as demais escolas públicas são voltados para a comunidade em geral, composta por pessoas de diferentes personalidades e vocações, devendo formar com base no pluralismo e na tolerância, com respeito e incentivo às individualidades e diferenças socioculturais.
No início do ano, diversas entidades da Educação lançaram nota conjunta repudiando a propagação do modelo de escolas cívico-militares nos ensino municipais, estaduais e distrital, frisando que o sistema apresenta um enorme potencial de prejuízo para a formação dos adolescentes e jovens quando valoriza excessivamente a disciplina e a obediência. Leia aqui a íntegra do documento.
Modelo sem evidências de resultado
Além de não apresentarem desempenho superior a escolas com administração civil, as escolas com gestão militar podem custar ainda mais para os cofres públicos. “O governo federal está assumindo um caminho que não tem a menor evidência de resultado”, avalia Priscila Cruz, presidente-executiva do movimento Todos Pela Educação, apontando que se trata de um erro de diagnóstico e de priorização.
Conforme a educadora, o investimento por aluno no modelo proposto pelo governo é três vezes maior do que na escola regular de turno parcial, além de acabar atendendo a uma parcela com nível socioeconômico mais alto.
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), 14 estados e o Distrito Federal já aderiram ao programa das escolas cívico-militares.