O Auditório da Bioquímica ficou lotado com estudantes, docentes e técnico-administrativos que ouviram o professor Renato Dagnino (Unicamp) palestrar sobre a (in)viabilidade do Future-se e debateram com ele sobre o tema. A atividade ocorreu no dia 4 de setembro, no Auditório do Departamento de Bioquímica, como promoção conjunta do PPG Bioquímica/UFRGS, ANDES/UFRGS, APG/UFRGS, DCE/UFRGS e Assufrgs.
Docente e pesquisador do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, o palestrante tocou em vários assuntos, como a necessidade de repensar a atual “Política cognitiva” (Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação) e buscar uma “tecnociência solidária”. Mas a maior parte de sua fala foi dedicada a analisar criticamente o Future-se.
O objetivo fulcral do Future-se
O professor Dagnino iniciou expondo sinteticamente o objetivo fulcral do Future-se: fazer com que as Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) diminuam seu custo no orçamento governamental. Como? Através da “captação de recursos próprios”. De onde viriam? De uma “interação com o setor empresarial” (as empresas) que financiariam “atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação”
O Future-se e as Organizações Sociais
A maioria das análises sobre o Future-se centram no papel e na essência da intrusão das O.S. (Organizações Sociais) na vida das universidades: desempenham o papel de interventores em cada IFES, deslocando e tutelando os Reitores e demais dirigentes, estrangulando a Autonomia Universitária, sendo a ferramenta de implementação da privatização das Ifes.
O professor Dagnino não deixou de assinalar a “radical oessisação (OS) das universidades públicas”, lembrando que vem sendo há muito concebida e gestada. Com efeito, as O.S. nasceram no governo FHC, cresceram e engordaram nos governos Lula e Dilma, primeiro na área da Saúde, sendo a seguir aventada sua implantação na… Educação.
Mas o palestrante preferiu escolher um outro eixo de análise: avaliar a viabilidade ou inviabilidade da “interação” com as empresas, idealizada pelo Programa Future-se. Para tanto, iniciou desenhando…
O círculo virtuoso idealizado pelo Future-se
A ideia-mestre do Future-se é que, para conseguir a “captação de recursos próprios”, as IFES devem “trabalhar com maior foco em inovação e em parceria com empresas”. O que seria alcançado com um maior “estímulo à atividade de inovação com a instalação de centros de pesquisa e inovação e de parques tecnológicos”. O que permitiria estabelecer “parcerias” com as empresas proporcionando às Ifes “alavancagem de recursos privados para inovação por meio de projetos de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento)”.
Para analisar a viabilidade desse círculo virtuoso, o professor Dagnino começou investigando se as empresas, no mundo e no Brasil, estão interessadas em financiar “projetos de P&D” nas Ifes.
Qual a importância da pesquisa universitária para as empresas?
Os dados disponíveis dizem que essa importância é, em todo o mundo, muito pequena. Por exemplo, nos EUA, a parcela do dispêndio em P&D das empresas, que é alocada em projetos em parceria com universidades e institutos de pesquisa, é de apenas 1% (fonte: National Science Foundation).
Comenta o professor Dagnino: “A realidade brasileira é muito parecida com a dos Estados Unidos no que se refere ao escasso interesse de empresas em realizar parcerias para P&D com universidades. Segundo a PINTEC-IBGE, no período 2006 a 2008, […], apenas 7% das empresas inovadoras contataram universidades e institutos de pesquisa em busca de resultados de pesquisas. E, destas, 70% consideravam essa relação de baixa importância para sua estratégia de inovação”.
Qual a importância dos contratos de pesquisa com as universidades, nos Estados Unidos?
Informou o palestrante que, nos EUA, apenas 1% do que as universidades precisam para se manter é arrecadado com contratos de pesquisa com as empresas. Claro que há exceções: a mais notável é do MIT, onde o valor desses contratos alcança mais de 15% do seu custo.
Primeiras conclusões
Conclui o professor Dagnino: “O mostrado até aqui é suficiente para evidenciar empiricamente a escassa viabilidade daquele círculo virtuoso. Em primeiro lugar porque, ainda que as empresas brasileiras (nacionais, estatais e multinacionais) baseassem sua estratégia de inovação em P&D, seria muito pouco o recurso que alocariam para parcerias com as universidades. E, em segundo, mesmo que isso ocorresse, a redução do custo das Ifes para o Estado seria desprezível”.
Leia aqui entrevista concedida ao Sul21.
Leia artigo de Dagnino no Le Monde Diplomatique.