Pesquisa aponta apagão educacional no RS durante pandemia

 

O Comitê Popular Estadual de Acompanhamento da Crise Educacional no RS apresentou, na sexta-feira (31), a primeira parte dos resultados de uma pesquisa produzida para mapear condições, necessidades e impactos da pandemia, e as condições de segurança para volta às aulas.

Os dados foram coletados entre os dias 23 e 28 de julho através de um questionário online. Entre os mais de 6 mil acessos, foram validadas 2.200 respostas. “Já nas primeiras análises, foi possível perceber que estamos em um momento de apagão educacional tanto nas redes públicas como na rede privada”, ressalta a socióloga Aline Kerber, uma das responsáveis técnicas pela iniciativa e presidente da Associação Mães e Pais Pela Democracia.

No caso de 53% das famílias participantes, a renda da casa diminuiu, e 27% estão em situação de desemprego. Outro dado preocupante é que 22%  das famílias dizem deixar os filhos sozinhos em casa, enquanto 13% mencionam que os  filhos ficam com familiares, amigos ou vizinhos maiores de 18 anos.

Além disso, 59% dos alunos das escolas estaduais e 47% das municipais dizem ter computador, enquanto na rede privada essa situação contempla 96% dos estudantes.

Coordenada por Associação Mães e Pais Pela Democracia (AMPD), Associações de Orientadores Educacionais do Rio Grande do Sul (Aoergs), Associações dos Supervisores Educacionais do Rio Grande do Sul (Assergs), Fórum Gaúcho de Educação Infantil -FGEI, Cpers Sindicato, Simpa, Sinpro e Sinasefe-IFSul, a pesquisa também é apoiada por dezenas de entidades, como ANDES/UFRGS, ANPG, UEE, UNE e Famurs. A intenção é contribuir para que as medidas que estão sendo tomadas pelo poder público estejam de acordo com a realidade das famílias e com a realidade educacional da capital.

Realidades devem ser consideradas

Daniel Momoli, doutor em Educação pela UFRGS e um dos articuladores do Comitê, vê com preocupação o cenário desigual apontado pelo levantamento: 80% das pessoas que responderam dizerem ter acesso a internet Wifi, porém, quando observado de forma segmentada, isso significa que apenas 14% dos estudantes das escolas municipais têm banda larga, e apenas 20% dos alunos da rede estadual.

Os dados divulgados apontam ainda que 22% das famílias dizem ter algum filho sem aula na rede municipal neste momento, enquanto na rede estadual este número cai para 13%. Já na rede privada, 93% afirmam que seus filhos têm aula durante a pandemia, evidenciando a desigualdade do acesso à educação – principalmente dos estudantes das redes públicas e privada em Porto Alegre.

“Os dados participais da pesquisa explicitam cientificamente uma realidade de grave desigualdade social intensificada pelo modelo de atividades escolares adotado pelos sistemas e redes de ensino de Porto Alegre. A desigualdade é intensificada na medida em que as famílias precisam arcar com custos elevados para manter esse sistema de ‘educação remota’ de seus filhos/as, sendo que nem todas elas possuem recursos para tanto. Essa realidade agudiza as injustas diferenças e as perpetuam na medida e que impacta na aprendizagem de crianças e jovens que, por sua vez, em breve disputarão vagas no mercado de trabalho”, analisa o professor Rafael Cortes, diretor que representa a Seção Sindical nas discussões do Comitê.

Nesta semana, será divulgada a segunda parte da pesquisa, e o Relatório Final estará disponível a partir do dia 31 de agosto. Os resultados serão oficiados a todos os órgãos públicos com pedidos para debater o estudo.

De acordo com as entidades que compõem o Comitê, entende-se que qualquer decisão sobre as condições de retorno às aulas presenciais deve ser deliberada com a participação de toda a comunidade escolar e acadêmica do Estado, em articulação intersetorial com as áreas de economia, saúde, cultura, lazer, segurança e assistência social e respeitando a pluralidade da sociedade gaúcha. Mesmo sem estabelecer um diálogo entre esses agentes e setores, o RS e mais 8 estados já se anteciparam e projetam o retorno às aulas presenciais em instituições privadas.

Sobre o Comitê

O Grupo Comitê Popular Estadual de Gestão da Crise Educacional foi criado em abril de 2020, a partir de reunião online entre diversas entidades educacionais, movimentos estudantis e organizações sociais, para um debate sobre a defesa da educação pública em tempos de novo coronavírus e isolamento social. O Comitê tem como finalidade acompanhar o agravamento silencioso da crise educacional durante este período de suspensão das atividades de ensino no âmbito da educação básica e do ensino superior.

“Entendemos que neste momento é preciso construir a unidade de todos os setores que defendem a educação pública e diante disso precisamos elaborar uma ação conjunta para garantia do acesso com qualidade à educação para todas e todos estudantes de nosso estado e país, conforme nos assegura a Constituição Federal em seus artigos 205 e 206 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/1996”, resume a descrição do coletivo, integrado também pela Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS.

“Sabe-se que as desigualdades sociais e econômicas em nosso país são graves, e que isso impacta direta e negativamente na garantia do direito à educação, mesmo em períodos considerados de normalidade cotidiana. Somam-se a isso as exigências sanitárias impostas pela pandemia e temos como resultado um cenário ainda mais preocupante para a educação, na medida em que o risco de aprofundamento daquelas desigualdades aumenta consideravelmente”, comenta o professor Rafael Cortes.