A Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN (AJN) emitiu, na sexta-feira (11), nota técnica sobre a mais recente redação do Future-se, enviado como Projeto de Lei (PL) em junho ao Congresso. Na visão dos advogados, trata-se de um texto “repleto de inconsistências jurídicas e tendente a vulnerabilizar a educação gratuita, a autonomia didático-pedagógica, administrativa e financeira”.
Para os especialistas, apesar de mais contido que a versão original, o PL 3076/2020 pode implicar uma “refuncionalização das universidades e instituições de ensino públicas, tornando-as vetores de negócio e membros de uma lógica típica do mercado”. Além disso, as parcerias entre setor privado e universidades federais, usadas como pretexto para a aprovação do projeto, já existem e podem, inclusive, ser ampliadas pelo marco legal existente. “O que não se admite é que a transferência de recursos públicos seja condicionada à adesão ao programa”, previne a AJN.
O Future-se altera a lógica do trabalho docente: sai o professor pesquisador e entra o empresário do ensino. “Não se refuta a importância do empreendedorismo, da inovação, do avanço tecnológico e nem se contraria o desenvolvimento da nação sob esse manto, o que, de fato, já é feito pelas universidades e institutos federais de ensino, de forma pública e gratuita. Mas travestir práticas de mercado com o nome de futuro não faz com que ele, de fato, aconteça”, diz a nota técnica.
Mudanças no texto
A proposta original, formulada pela Secretaria de Educação Superior (SESu) do Ministério da Educação, pretendia promover uma alteração histórica de vários pontos legais, que foram objeto de luta e resistência da classe trabalhadora ao longo dos últimos anos – inclusive quanto à não permissão de contratação de pessoal na Educação sem concurso público, e à cessão não-onerosa de estrutura de bens públicos e de servidores públicos para a iniciativa privada.
O texto remetido ao Congresso, apesar de insistir em algumas dessas pautas, não promove alteração de dispositivos legais, utilizando instrumentos jurídicos já existentes, como os previstos nas leis nº 8.958, de 1994, nº 10.973, de 2004, e nº 13.800, de 2019.
No PL atual, abandonou-se a figura das Organizações Sociais (OS), que, segundo o projeto original, apoiariam a execução de planos de ensino, pesquisa e extensão, geririam os recursos do Programa e auxiliariam na gestão patrimonial dos imóveis das IFEs.
Também foram alterados os três eixos do Programa, que passam a ser Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação; Empreendedorismo; e Internacionalização. “Nota-se que o Future-se pretende fazer das IFEs verdadeiras unidades empresariais. Implementação de programas de gestão patrimonial, por meio de cessão de uso, concessão, comodato, fundos de investimentos imobiliários, utilização de naming rights para bens públicos e a promoção de inovações que estimulem a criação de start-ups traduzem a real intenção do programa: privatizar as universidades, institutos e espaços públicos”, alerta a AJN.
Como contrapartida, serão concedidos às Ifes participantes os chamados benefícios por resultado, que compreendem o recebimento de recursos orçamentários adicionais, consignados pelo MEC, além da concessão preferencial de bolsas pela Capes.
Inconstitucionalidade
Sob o pretexto de promover a internacionalização das Instituições de Ensino Superior, a proposta também autoriza as fundações de apoio a contratarem, por tempo determinado, pesquisadores e profissionais estrangeiros para atuar em projetos e programas de ensino, pesquisa e extensão internacionais sob o regime da CLT.
“Tal disposição parece violar o art. 37, inciso II, segundo o qual a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público, já que as atividades relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão são típicas das Carreiras do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal, segundo art. 2º, da Lei 12.772/2012”, avalia a nota técnica.
O projeto é encarado como “absoluta afronta” ao artigo 207 da Constituição Federal, na medida em que a autonomia universitária será substituída por processos que objetivam o financiamento privado da educação pública e da pesquisa brasileira. “Ora, que autonomia (didático-científica, administrativa e de gestão) será garantida às IFEs se as receitas do Fundo da Autonomia Financeira são oriundas da sua comercialização e atuação junto ao mercado?”, questionam os advogados do Sindicato Nacional.
Para eles, o mais preocupante é aquilo que não é dito. “A despeito da voluntariedade de adesão, a destinação de recursos adicionais pelo MEC e a preferência na concessão de bolsas da Capes como contrapartida ao atingimento das metas de desempenho pode causar um constrangimento para que as IFEs se submetam ao programa, especialmente devido ao histórico de cortes no orçamento das universidades e instintos federais desde 2015”, explicam, acrescentando que “até lá, não se pode inferir se a destinação direta de recursos públicos será mantida, nem se apresenta uma solução para os graves problemas que o estrangulamento do orçamento apresenta nos dias de hoje”.
Leia aqui o parecer da AJN na íntegra.