Mesmo após a confirmação de mais de 205 mil mortes em decorrência da Covid-19 no Brasil, o governo federal se nega a adiar a realização do Enem 2020, previsto para acontecer de forma presencial nos dias 17 e 24 de janeiro. Entidades de Saúde e Educação, além de docentes, estudantes e pais e secretários de governo, têm insistido no pedido de transferência de data como medida de segurança sanitária, enquanto o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ironiza a situação.
Na terça-feira (12), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) emitiu nota manifestando preocupação com a manutenção das provas, enquanto o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) pediu ao Ministério da Educação (MEC) o adiamento – que já havia sido negado pela Justiça Federal em ação da Defensoria Pública da União (DPU).
“Apesar de os jovens terem menor risco de desenvolver formas graves e tampouco estar prevista a vacinação da população com menos de 18 anos, o aumento da circulação do vírus nesta população pode ocasionar um aumento da transmissão nos grupos mais vulneráveis”, diz ofício do Conselho endereçado ao MEC.
Sociedades científicas denunciam agravamento das desigualdades
Dias antes, 50 entidades científicas divulgaram nota conjunta em que apontam a “necessidade urgente” de que as provas sejam feitas em outro momento, com índices de transmissão e capacidade de resposta dos serviços de saúde dentro de níveis aceitáveis.
“É urgente que secretarias estaduais de Educação coordenem planejamentos para garantir as condições pedagógicas e sanitárias para que todos os estudantes participem do Enem. Esse exame existe para incidir na redução das desigualdades do acesso ao ensino superior e não pode servir para ampliar desigualdades ou, o que é inaceitável, se tornar espaço vetor de uma pandemia”, diz a nota, assinada, entre outras organizações, por Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Milhões de estudantes expostos
Mais de 5,7 milhões de candidatos estão inscritos na prova, que ocorrerá em 14 mil locais, divididos em 205 mil salas, em meio ao aumento impactante de novos casos confirmados da doença em todo o território nacional. Ao mesmo tempo em que o governo anunciava manter a data do Exame, a média móvel de casos do novo coronavírus voltava a bater recorde no Brasil: entre os dias 12 e 13 de janeiro, foram 64.025 novos casos da doença, chegando a quase 8,2 milhões de pessoas contaminadas.
“O número de infectados pela covid-19 está em alta desde o início de janeiro. Especialistas em saúde apontam que realizar a prova pode agravar a pandemia no Brasil”, alerta o ANDES-SN.
“Uma sala sem ventilação adequada, ainda que com menos pessoas, pode representar um risco muito maior”, explica a DPU, que já entrou com recurso contra a decisão da Justiça, alegando que a juíza Marisa Cucio, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, se baseou “na recente realização de vestibulares regionais para justificar a viabilidade da realização do Enem, de caráter nacional”. Conforme a Defensoria, “os argumentos levantados pela decisão recorrida são incompletos e equivocados”.
UNE, UBES e ANDES-SN em campanha nas redes
A União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) anunciaram que entrarão com ação judicial no Ministério Público Federal (MPF) e pedem que os estudantes realizem denúncias individuais no site do MPF. Ambas também reforçaram a campanha #AdiaEnem nas redes sociais, cujo abaixo-assinado já soma mais de 365 mil nomes – quase 99% da meta. O ANDES-SN se uniu à ação, e convoca toda a categoria a participar da iniciativa acessando aqui.
Em maio, a pressão de movimentos estudantis, sindicais, sociais e sociedade em geral conseguiu fazer com que o Inep postergasse o Exame.
Prefeitura de Manaus não libera escolas para realização das provas
Em função do aumento significativos de casos, a prefeitura de Manaus, que já havia decretado estado de emergência, decidiu não liberar as escolas municipais para a realização do Exame.
A Secretaria Municipal de Educação (Semed) enviou ao Ministério Público Federal (MPF-AM) um ofício com os motivos da não liberação e pedindo nova data para o Enem. Já o Ministério Público Federal pediu à Justiça, em caráter liminar, o adiamento da aplicação das provas em todo o Amazonas, solicitando que somente sejam aplicadas quando houver “estrutura suficiente e necessária” na rede de saúde, pública e privada.
“Além de representar maior circulação do vírus pela cidade, a exposição dos estudantes ao risco de infecção e a insistência na aplicação das provas em janeiro são medidas ilícitas, pois colocam os estudantes e suas famílias em risco aumentado e contribuem para a sobrecarga e o colapso do já insuficiente sistema de saúde local”, afirmam os procuradores da República na ação.