O Ministério da Educação e o Ministério Público Federal estão tentando censurar docentes em todo o país. A tentativa fica clara com a emissão do Ofício-Circular nº 4/21 , de acordo com nota técnica da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN (AJN) divulgada na terça-feira (2).
O comunicado, que orienta a prevenção e punição de “atos político-partidários” nas instituições públicas federais de ensino, foi considerado ilegal e inconstitucional pela ANJ, especialmente por restringir o direito de livre manifestação nas IFEs. Conforme o Ofício, emitido em 7 de fevereiro, “os recursos financeiros sob gestão destas instituições não podem custear nem patrocinar a participação de qualquer pessoa física ou jurídica, ou, ainda, agrupamentos de qualquer espécie, em atos político-partidários”.
Essa e outras ações de vigilância e perseguição ideológica sobre a comunidade acadêmica constam de uma Recomendação do Ministério Público Federal (MPF) nº 133 (SEI-MEC 2483911), de 5 de junho de 2019, elaborada pelo procurador-chefe da República em Goiás, Ailton Benedito de Souza. O documento foi anexado ao ofício enviado pelo MEC. Para a AJN, trata-se de uma verdadeira orientação jurídica aos dirigentes, estabelecida indevidamente pelo governo sob a alegação de querer cumprir uma recomendação do MPF.
“O MPF não é órgão consultivo do Poder Executivo, não estando o MEC obrigado a seguir aquilo o que foi recomendado pela Procuradoria da República em Goiás. Certamente, qualquer orientação nesse sentido deveria estar baseada em manifestação oficial da Consultoria Jurídica do MEC, da Economia e da Advocacia Geral da União”, avaliam os advogados do Sindicato Nacional.
Outra questão importante apontada pela nota trata da incompetência da Diretoria de Desenvolvimento da Rede de Instituições Federais de Ensino Superior (Difes/MEC) ao estabelecer normativa de utilização do espaço e bens públicos das IFEs. “Essa competência, nos termos do artigo 138 do Decreto nº 9.745, de 8.4.19, é da Secretária de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, que a exerce de forma normativa e orientadora em matéria de pessoal civil no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional”, explica o texto.
Autonomia e democracia
Para a Presidenta do ANDES-SN, Rivânia Moura, a atitude do MEC reforça o cenário de perseguição à comunidade acadêmica e intervenção na autonomia das instituições, que foi bastante aprofundando com a posse do presidente Jair Bolsonaro em 2019. Representa, também, um ataque frontal a uma das principais funções da Educação – fomentar o debate de ideias e de pensamento crítico. “Consideramos um grande prejuízo para a Educação Pública e um grande prejuízo para o que significa de fato educação, no sentido do debate das ideias, da construção política, da pluralidade, no sentido de que as universidades, institutos e cefets são os espaços propícios para que a gente faça o bom debate, para que a gente tenha posicionamentos diferentes, para que a gente possa ter um espaço também da crítica”, afirma a professora.
A questão fica ainda mais grave após recente decisão do Plenário do STF sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 548, que assegurou livre manifestação do pensamento e das ideias em universidades. “No julgamento, foi destacado que a autonomia universitária está entre os princípios constitucionais que garantem toda a forma de liberdade”, frisam os advogados do Sindicato Nacional, recomendando que sejam tomadas medidas administrativas e jurídicas para compelir o MEC a desfazer o ato em questão.
“Outrossim, o STF já havia se manifestado no mesmo sentido no julgamento de uma lei de Alagoas (ADIs nºs 5537, 5580 e 6038), que institui o programa escola sem partido”, acrescenta a nota técnica, lembrando que, na ocasião, o Ministro Roberto Barroso, relator, entendeu que “a liberdade de ensinar e o pluralismo de ideias são princípios e diretrizes do sistema educacional brasileiro. Por isso, a norma afronta o direito à educação com o alcance pleno e emancipatório”.
Para Leandro Madureira, da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN, a conduta do Procurador da República Ailton Benedito é evidentemente persecutória e contrária aos ditames constitucionais. “Felizmente, a posição do procurador de Goiás é minoritária e não encontra eco nessa importante instituição de nosso país. A opinião do Procurador não vincula a administração pública federal e o Ministério da Educação, em articulação política contrária à moralidade, à legalidade e ao interesse público, deseja recomendar como as pessoas devem pensar em nosso país. A quem interessa calar as vozes que se opõem ao governo, senão a ele próprio?”, analisa.
Na Ufpel, punição a quem criticou Bolsonaro
Em mais um capítulo na escalada de ataques do governo Bolsonaro às universidades públicas, o ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, e o professor Eraldo dos Santos Pinheiro, pró-reitor de Extensão e Cultura, tiveram que assinar um termo de ajustamento de conduta (TAC) em função de críticas feitas a Bolsonaro. O TAC é considerado um acordo para casos de infração disciplinar de menor potencial ofensivo, que cessa a continuidade do processo administrativo.
O extrato do termo de ajustamento de conduta afirma que Pedro Hallal proferiu “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao Presidente da República, quando se pronunciava como Reitor da Universidade Federal de Pelotas – UFPel, durante transmissão ao vivo de Live nos canais oficiais do Youtube e do Facebook da Instituição, no dia 07/01/2021, que se configura como ‘local de trabalho’ por ser um meio digital de comunicação online disponibilizado pela Universidade”. O processo foi motivado por uma denúncia feita pelo deputado federal Bibo Nunes, que entrou com uma representação da Controladoria-Geral da União (CGU).
O ANDES-SN avalia que a Administração Pública utiliza um instrumento administrativo para promover perseguição ideológica aos docentes. O Sindicato Nacional defende a democracia, a autonomia universitária, a liberdade de pensamento e de expressão e demonstra solidariedade aos professores da UFPel. “É fundamental a denúncia e mobilização de nossas bases contra mais essa arbitrariedade”, afirma a entidade.