Em parecer técnico sobre a terceira versão do programa Future-se, lançada pelo governo federal em janeiro, a Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN (AJN) alerta que o texto mantém os propósitos e as armadilhas das versões anteriores. E introduz uma nova possibilidade de violação de disposições e princípios constitucionais, especificamente quanto à possibilidade de adoção de preferências em repasses orçamentários e no acesso a bolsas da Capes.
Quebra de isonomia entre as instituições
Dentre as mudanças no texto original, o Ministério da Educação (MEC) propõe que participantes do programa tenham preferência na concessão de bolsas. Recursos adicionais do orçamento federal concedidos à pasta também devem ser prioritariamente encaminhados às universidades participantes.
“Não é razoável que a simples adoção a um programa de caráter amplamente voluntário seja utilizado como critério de distinção para recebimento de recursos orçamentários ou bolsas que deveriam ser de acesso isonômico pela Universidade ou Instituto Federal ou pela sua comunidade acadêmica”, previnem os advogados Leandro Madureira Silva e Danilo Prudente Lima.
Fundos sem regras e sem receitas
O novo Projeto de Lei também promove atualizações no que diz respeito aos fundos patrimoniais previstos, promovendo uma regulamentação mais genérica do que anteriormente – sem sequer prever quais serão as fontes de receitas. “Há, nesse ponto, a necessidade de maiores disposições regulamentares, por se tratar de figuras novas instituídas no ordenamento, cujas fontes de receitas e regras – principalmente por cuidarem, potencialmente, de grande monta de recursos públicos – já devem vir minimamente esclarecidas na norma instituidora”, explica a nota técnica.
Os advogados destacam que não se pode vetar que, eventualmente, os contratos de resultado venham a prever, como um dos seus indicadores, a redução de gastos com pessoal, pois o novo texto apenas não traz este como um requisito de adesão ao Programa. “Há que se ter em mente, portanto, que a intenção inicial pode vir a ser mantida, nos contratos individualmente considerados”.
Mais do mesmo
Integrando a política de sucateamento e precarização da educação intensificada no governo Bolsonaro, o texto novo do Future-se traz a ameaça de que o Programa venha a ser utilizado como moeda de troca de recursos orçamentários e de bolsas de pesquisa, já que prevê a adoção de um controverso modelo de preferências para aquelas Universidades que optarem pelo Programa.
“O modelo do Future-se ainda se mantém como um Programa cuja finalidade é fazer das IFEs verdadeiras unidades empresariais, à disposição daqueles que tenham capital para financiamento. Permanece o interesse, eis que é este o ponto central do Programa, de que a lógica privada de investimentos seja atraída para próximo do setor público, com clara tentativa de utilização dos espaços públicos das universidades para especulação financeira ou para a consecução de interesses privados por meio de acesso aos recursos públicos”, avalia a Assessoria Jurídica, lembrando que o projeto se mantém, quanto ao conteúdo, confuso e complexo.
“As regras são pouco claras e não promovem uma segurança de que o financiamento pretendido pode conviver com a autonomia universitária ou com o intento público e gratuito da educação superior fornecida pelo Estado. Para finalizar, os fundos patrimoniais que se busca criar são apenas esparsamente regulamentados pela norma”, especificam os advogados.
Maioria das universidades rejeita o Future-se
Segundo o MEC, até o início de janeiro – seis meses após o lançamento da primeira versão do Future-se –, apenas 25 das 68 universidades federais do país (36,8%) manifestaram interesse em aderir ao programa de financiamento.
“As universidades não boicotam políticas públicas de nenhum governo, o que fazem é afirmar sua natureza e reagir a toda atitude de desmonte do patrimônio do nosso país. Reagir a tudo que significar descompromisso do governo com a educação. O que existe é uma atitude de reação. Não temos a intenção de fazer guerra com o governo”, justifica o presidente da Andifes, João Carlos Salles, citado pelo portal O Globo.
“A discussão quanto ao financiamento privado de pesquisas, desenvolvimento tecnológico, inovação, empreendedorismo e internacionalização deverá ser, ainda que sob linhas muito nebulosas, objeto de debates próximos. Há que se ter em mente, nesse quadro, que o projeto governamental até aqui apresentado se fundamenta no incentivo a esta modalidade sem maiores detalhamentos, o que representa, por si só, um grande sinal de alerta para o caminho das discussões”, finaliza a AJN.
A comunidade universitária da UFRGS disse não ao Future-se em sessão aberta do Conselho Universitário, em 16 de agosto de 2019. A moção aprovada foi ratificada pelo Consun em 23 de agosto. Desde novembro, há uma comissão e um GT constituídos pelo Consun para analisar e debater o assunto. O ANDES/UFRGS questiona a representatividade da Comissão e do GT e repudia qualquer tentativa de afronta à autonomia universitária e de privatização das instituições públicas de ensino e de seu patrimônio.