NOTA TÉCNICA: A GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO DIANTE DO JULGAMENTO DO STF (CPSM Advogados Associados)

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No dia 27 de outubro de 2016 – um dia antes do Dia do Servidor Público –, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário 693456, dando aos servidores públicos um amargo presente.

Como já amplamente divulgado, o referido julgado determinou que os dias parados por greve dos servidores públicos devem ser descontados do seu pagamento mensal, exceto se houver acordo de compensação. A tese do STF foi fixada nos seguintes termos: “A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público“.

Ao decidir nesses termos, o Supremo Tribunal Federal inverteu a lógica antes vigente: embora já houvesse entendimento similar do STJ, até o julgamento do Recurso Extraordinário 693.456, a regra era de que a paralisação dos servidores públicos não implicava em corte de remuneração, salvo se houvesse decisão judicial declarando a greve ilegal. A partir do julgamento do Supremo, estabelece-se um entendimento de um dever do administrador para que seja feito o corte da remuneração, salvo se houver decisão judicial que, analisando a greve individualmente, decida pela impossibilidade de corte de salários pela Administração.

A interpretação emprestada pelo STF decorre das disposições legais constantes na lei que regulamentou a greve no setor privado (Lei nº 7.783/89). O art. 7º da referida lei estabelece que a participação em greve suspende o contrato de trabalho. A suspensão do contrato de trabalho do setor privado implica na ausência de labor pelo empregado e na ausência de pagamento por parte do empregador. Ou seja, o trabalhador não exerce suas funções laborais e o empregador não efetua o pagamento do seu salário.

Mas importa observar que em acordo firmado para por fim ao movimento, ou no curso da greve, poderá ser ajustado o pagamento dos dias parados, o parcelamento dos descontos, ou a reposição do trabalho não prestado, o que ocorre na grande maioria das greves no setor privado.

A aplicação da referida lei (própria do setor privado) para os servidores públicos decorreu da ausência de regulamentação da greve no setor público. Com efeito, o direito de greve do servidor público civil é assegurado pelo art. 37, VII, da Constituição Federal. Ocorre que este dispositivo constitucional estabelece que a greve dos servidores será exercida “nos termos e nos limites definidos em lei específica”. Passados mais de vinte anos da promulgação da Constituição Federal, contudo, o Congresso Nacional ainda não editou lei que trate do tema. Diante desse contexto, em 2007, o Supremo Tribunal Federal decidiu que deveria ser aplicada ao setor público, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado.

A bem da verdade, ao determinar o corte imediato dos salários dos servidores públicos paralisados, o STF parece ignorar as especificidades da relação entre servidores e Administração Pública, acabando por determinar a aplicação de artigos da Lei de Greve que não guardam compatibilidade com o vínculo estatutário próprio dos servidores públicos.

Dito isto – e ressalvado nosso entendimento sobre a questão –, cumpre fazer alguns esclarecimentos do que será a partir de agora enfrentado pelos servidores grevistas.

Inicialmente, é importante mencionar que a decisão do STF ainda não foi publicada e tampouco transitou em julgado. Disso decorre que ainda cabe às partes que litigam no Recurso Extraordinário onde a tese foi fixada a interposição de algum recurso, visando esclarecimento de obscuridades, eliminar contradições, suprir omissões e corrigir erros materiais eventualmente constantes na decisão. Na ocasião do julgamento desses embargos o Supremo poderá se pronunciar sobre o momento a partir do qual deverá ser aplicado o novo entendimento, com a chamada modulação dos efeitos da decisão.

Neste ponto, vale mencionar que, o julgamento do STF se deu em regime de Repercussão Geral, que vincula os julgamentos dos tribunais de todo o Brasil que eventualmente tenham julgado em sentido contrário. Ou seja, caso algum processo individual ou coletivo discuta a possibilidade de desconto ou supressão da remuneração nos dias de paralisação em razão da greve, deverá observar este entendimento, sob pena de determinação de retração por parte do órgão.

Não há, portanto, uma vinculação imediata da Administração ao cumprimento deste entendimento, como se lei fosse. Contudo, vendo essa manifestação do STF, como será que os administradores agirão? Assim, tratando-se aqui de tema delicado como o corte de remuneração, entendemos ser prudente adotar uma posição de precaução que leve em conta a possibilidade de aplicação imediata da nova decisão do STF.

Paralelamente, é primordial destacar alguns pontos da decisão do STF que devem ser observados pela Administração e pelos servidores públicos.

O Supremo destacou expressamente em seu julgamento que o desconto de salários não deverá ser efetuado nos casos em que a greve for provocada por conduta ilegal do poder público, como, por exemplo, quando há atraso no pagamento dos salários ou resistência em negociar com a categoria de servidores.

É evidente que o termo “conduta ilícita do próprio poder público” – constante na tese firmada pelo Supremo – é demasiadamente subjetivo, podendo abarcar diversas situações presentes na relação entre servidores e Administração. Isso denota uma vez mais a fragilidade da decisão do Supremo, que acaba por transferir ao Poder Judiciário o ônus de decidir se a paralisação decorre de conduta ilícita da Administração (caso em que não deve haver corte de salários) ou não.

Ainda assim, cumpre salientar que é vedado à Administração efetuar o corte nos vencimentos dos servidores que realizarem greve: 1º) por estarem com salários atrasados, ou, 2º) por não conseguirem negociar pela resistência da própria Administração ao processo negocial.

Por fim, entendemos que o mais importante destaque que deve ser feito à recente decisão do Supremo diz respeito à possibilidade de negociação entre servidores e Administração acerca do pagamento – mediante compensação – dos dias e horas em que houve paralisação. A menção expressa a essa possibilidade pelo Supremo Tribunal Federal reforça a eficácia da Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho (internalizada no ordenamento brasileiro através do Decreto nº 7.944/13) e afasta por completo a ideia, por vezes utilizada pela Administração, de que o administrador não tem poder para decidir sobre o pagamento dos servidores administrados.

Vale, aqui, transcrever trecho do voto do Ministro Dias Tóffoli, cujo entendimento foi seguido pela maioria dos integrantes do Supremo Tribunal Federal e que serviu para fixar a tese de repercussão geral: Entretanto, reitero que a compensação dos dias e horas paradas ou mesmo o parcelamento dos descontos poderão ser objeto de negociação, uma vez que se encontram dentro das opções discricionárias do administrador[1].

Tal juízo abre espaço para que o pagamento dos dias paralisados seja acordado administrativamente entre os servidores e a Administração Pública, a exemplo do que ocorre no setor privado entre empregados e empregadores.

Reitera-se, pois, que ficou aberta outra possibilidade de afastamento dos descontos dos dias parados. Ela consiste em provar que a Administração vinha resistindo á negociação proposta pela categoria. Esta prova deve ser constituída antes e durante a paralisação.

Assim, devem ser observados desde o início do processo negocial o registro e documentação: 1º) os itens destacados na pauta reivindicatória do edital de convocação das assembleias; 2º) as atas com o registro das tentativas de negociação e a resistência da Administração; 3º) as demandas dirigidas à Administração e a resistência desta.

Ademais, é necessário formalizar e registrar todas as tentativas de negociação com a Administração, as reuniões realizadas, para que se possa, eventualmente, comprovar a resistência aos procedimentos negociais.

De tal modo, deve-se estar atento para a formação de uma cultura negocial entre as partes envolvidas na greve no serviço público, de modo a possibilitar que, através de um acordo que ponha fim à paralisação realizada, evitar que os servidores públicos qualquer tipo d

[1] voto (publicação não oficial) disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE693456.pdf