Após intensa mobilização de estudantes cotistas, do movimento negro, quilombolas e indígenas, o Conselho Universitário (Consun) aprovou, na sexta-feira dia 30 de setembro, mudanças no Programa de Ações Afirmativas da Universidade que vigorarão para o ingresso de estudantes em 2017. O Consun decidiu, também, pela criação de uma comissão conjunta Consun-Cepe que construirá uma nova proposta que regrará os ingressos de estudantes a partir de 2018.
Movimentos rejeitaram a proposta da Reitoria
A proposta aprovada pelo Consun foi uma Emenda à proposta originalmente encaminhada pela Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), em julho. Dessa proposta original, foram mantidos dois itens: o ingresso de cotistas no primeiro e no segundo semestre, em todos os cursos; a separação das listas por semestre, de modo que estudantes aprovados para o segundo não fossem remanejados para o primeiro durante o andamento do semestre.
A proposta da Prograd também introduzia um dispositivo antagônico à própria lógica das Ações Afirmativas: obrigava o estudante cotista a optar entre concorrer a uma vaga na sua respectiva faixa ou a uma das chamadas “vagas universais”, que correspondem a 50% do total de vagas. Na prática, induzia o estudante cotista a abrir mão de disputar uma das vagas universais, criando uma “reserva de vagas” para estudantes oriundos de escolas privadas. A mesma lógica era aplicada aos critérios de renda e étnico-raciais: o dispositivo limitava as vagas acessáveis pelos autodeclarados negros e indígenas a 25%, e as vagas acessáveis pelos autodeclarados negros e indígenas de baixa renda a 12,5%. O que deveriam ser percentuais mínimos de presença de cada um dos grupos, tenderiam a se converter em percentuais máximos.
Essa proposta de extinção da chamada “concorrência concomitante” foi recebida com surpresa e notas de repúdio por parte de vários setores da Comunidade Universitária, aí incluídos o Departamento de História e professores de várias unidades, a Representação Autônoma Docente, o Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, a Frente Gaúcha Escola sem Mordaça, o Diretório Central de Estudantes, a Assufrgs e a Seção Sindical ANDES/UFRGS.
A defesa da “concorrência concomitante” e a garantia da discussão democrática sobre as Ações Afirmativas foram os principais motivos para dois pedidos de vista ao processo, encaminhados por conselheiros técnico-administrativos e estudantes, e para a mobilização de cotistas, do movimento negro e indígena que ocuparam o saguão do prédio da Reitoria na véspera da Sessão do Conselho, convocada para o dia 23 de outubro.
Movimento e Reitoria construíram acordo
Com o prédio da Reitoria ocupado, a Sessão do dia 23 foi suspensa e reagendada para o dia 27, após a construção de acordo entre o movimento e a Administração. Entretanto, devido a um mandato impetrado por um conselheiro, a votação que deveria ocorrer no dia 27, terça-feira, foi suspensa.
A proposta acordada foi votada no dia 30, sob a vigilância do movimento que manteve a ocupação do saguão. Além dos conselheiros que representam o movimento, alguns estudantes, técnicos e professores foram indicados pelo movimento para acompanhar a sessão na sala do Conselho; os participantes da ocupação também acompanhavam a sessão por um telão instalado no saguão, e se faziam ouvir por aplausos e pela palavra de ordem: “Nenhum cotista a menos”!
A “concorrência concomitante” foi aprovada com apenas dois votos contrários. Foram retirados do texto todas as menções à Lei nº 12.711/2012 e à Portaria Normativa nº 18 de 11 de outubro de 2012, e os respectivos textos foram incorporados à Decisão do Conselho. Desse modo, a vigência da Decisão não ficará dependente das eventuais modificações na legislação nacional, das oscilações da conjuntura e das políticas do governo federal. Também foi retirado o adjetivo “brasileira” de todas as menções sobre as escolas públicas. Não houve consenso sobre a proposta de que estudantes estrangeiros possam se beneficiar do Programa, mas houve acordo de que, sem uma discussão prévia e ampla, a expressão, que tem caráter restritivo, não deve ser incluída no texto da Decisão.
O movimento também apresentou uma proposta de autodeclaração étnico-racial coletiva, como caminho para coibir as autodeclarações de candidatos que não sofrem o racismo mas aproveitam as brechas legais para ocupar vagas reservadas a negros e indígenas. Essa proposta já havia sido discutida anteriormente e já é implementada em algumas universidades; entretanto, como não havia sido acordada com a Administração, os representantes do movimento aceitaram adiar a decisão a respeito, e encaminharão a proposta à Comissão para que seja incluída nos regramentos futuros.
Movimento pelas cotas foi vitorioso
A polêmica sobre o regramento das cotas na UFRGS teve um saldo positivo muito importante: os e as cotistas, o movimento negro, quilombola e indígenas mostraram que estão atentos e que não estão dispostos a aceitar retrocessos na Política de Ações Afirmativas. A pressão do movimento e o debate no Conselho também mostraram que é preciso avançar na construção de políticas de assistência estudantil e de apoio à permanência de todos os estudantes, e de modo especial dos cotistas.
O movimento foi vitorioso, dando uma lição exemplar de unidade, de combatividade e de democracia, pois todas as resoluções foram discutidas e aprovadas em assembleias dos ocupantes. O movimento se mostrou também coeso e organizado: nas duas sessões do Consun realizadas durante a ocupação, não houve nenhum incidente e o debate transcorreu com toda a tranquilidade. Contribuiu para essa vitória a solidariedade de vários movimentos sociais e de setores da Comunidade Universitária, que se manifestaram politicamente e contribuíram para a ocupação com alimentos e outros materiais.
Nesse processo, dois grupos foram derrotados: aqueles que acreditam que o tema do ingresso pelas cotas pode ser tratado burocraticamente, como se se tratasse apenas de números e de listas, e não de pessoas; e os adversários da democracia e da pluralidade.