Ministro da Educação pode ser convocado pela Câmara a esclarecer intervenções

A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados poderá convocar o ministro da Educação, Abraham Weintraub, para explicar os atuais critérios de nomeação de reitores de universidades federais. O pedido deverá ser apresentado pela deputada Margarida Salomão (PT-MG) ainda nesta semana para que seja votado pelos integrantes do colegiado.

Margarida está entre os parlamentares que solicitaram audiência sobre o assunto, realizada na terça-feira (8) pela Comissão. Deputados, reitores, docentes e estudantes criticaram a forma como o presidente Jair Bolsonaro vem nomeando dirigentes de instituições federais, desconsiderando resultados das listas tríplices encaminhadas ao governo em pelo menos seis universidades (UFTM, UFVJM, UFRB, UFC, UFGD e UFFS) e no CEFET-RJ. Na Unirio, Bolsonaro endossou lista tríplice que desrespeitou a eleição realizada pela comunidade. A atitude autoritária quebra a prática democrática de nomear o mais votado pelas comunidades acadêmicas.

Para o presidente do ANDES-SN, professor Antônio Gonçalves, a escolha não pode estar submetida ao governo da vez. “O grande objetivo [do governo] é romper e atacar a autonomia das instituições de ensino superior. O que se quer é introduzir o pensamento único”, analisa.

UFFS
Entre as intervenções recentes, os participantes da reunião destacaram a nomeação, em agosto, de Marcelo Recktenvald, que sequer chegou ao segundo turno na votação interna, como reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). O conselho universitário da UFFS aprovou sua destituição em 30 de setembro, mas o professor permanece no cargo.

“Nos últimos 20 anos, não lembro de governo que tenha tido a capacidade de interferir em metade dos processos eleitorais, indicando os candidatos com menos votos –  em geral, os últimos da lista tríplice”, lamentou a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), acrescentando que o atual Executivo “sabe que, para implementar uma agenda autoritária, precisa atacar onde se produz conhecimento”.

Foi publicada nesta quarta-feira (9) no site da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) decisão contrária ao pedido de destituição do reitor, Marcelo Recktenvald, feita na reunião extraordinária do Conselho Universitário (Consuni) em 30 de setembro. A decisão alega que a proposta não foi aprovada pelo Consuni. Porém, conselheiros que têm outro entendimento do resultado da reunião devem entrar com recurso.

Andifes e parlamentares contestam as intervenções

Vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Edward Brasil argumentou que as universidades são muito complexas para serem comandadas por um “gerente” escolhido pelo presidente. “Essas instituições são responsáveis pela pesquisa no país, pela extensão, muitas vezes pela saúde”, detalhou, destacando que a autonomia universitária é um princípio constitucional que vem sendo ferido pela intervenção, já praticada em instituições de estados como Ceará, Bahia, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Já no Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (Cefet-RJ), Mauricio Aires Vieira, o nome selecionado pelo presidente, nem constava na lista.

“A universidade tem a estrutura de tomada de decisão mais embasada de todas as instituições. Ela tem, na sua organização, dirigentes eleitos com mandatos nas diferentes unidades acadêmicas, que compõem o colegiado máximo, juntamente com entidades de técnicos, docentes e, muitas vezes, com o controle social ali presente. Além disso, tem diversas câmaras setoriais para tratar de diferentes assuntos ligados a ela, então, não há que se falar em pessoas tomando decisões de forma isolada”, pondera o vice-presidente da Andifes.

Quanto a isso, Margarida Salomão, que é professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde também foi reitora, antecipou que deverá trabalhar no sentido de que as propostas sobre o assunto – particularmente o PL 4998/19, do deputado José Guimarães (PT-CE) – sejam analisadas. A proposta obriga o presidente da República a nomear o reitor escolhido pela comunidade acadêmica.

Perseguição

A intervenção do governo na gestão das universidades federais não termina na nomeação. Em maio, Bolsonaro assinou um decreto que tira dos reitores a autonomia para nomear dirigentes (como diretores e pró-reitores) de instituições federais, que terão que passar pelo crivo do ministro-chefe da Casa Civil. Os indicados a ocuparem cargos nessas instituições serão investigados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e pela Controladoria Geral da União.

Para a Assessoria Jurídica do ANDES-SN, trata-se de mais uma medida inconstitucional. Leia aqui o parecer da Assessoria Jurídica.

“O Decreto 9.794 é um sério ataque à autonomia universitária e não mediremos esforços jurídicos e políticos para revogá-lo, pois ameaça as poucas conquistas democráticas que ainda perduram nas universidades, IF e CEFET”, garante nota emitida pelo Andes-SN.

O presidente do ANDES-SN sublinha que as atitudes se somam a outras medidas, como o projeto de lei Escola sem Partido, que, apesar de engavetado no final do ano passado na Câmara dos Deputados, consta nos planos de aliados do governo para ser reapresentado em breve. A proposta é defendida por grupos mais conservadores, em especial da extrema direita.

“O que se quer, com tudo isso, é tutelar a produção de conhecimento dentro das instituições. Não há outra justificativa. E isso desestabiliza muito essa produção de conhecimento em um momento em que temos tantos desafios sociais no país. É das públicas que vêm, por exemplo, mais de 90% do conhecimento produzido no Brasil. Avançou muito o número de instituições privadas, mas são efetivamente as públicas que cumprem um papel fundamental na emancipação de cada homem e cada mulher no Brasil”, pontua Antonio Gonçalves.