No mesmo dia da publicação no Diário Oficial da União, o Ministério da Educação (MEC) anunciou que revogaria a portaria que determinava que as instituições que fazem parte do sistema federal de ensino superior retornassem às aulas presenciais no dia 4 de janeiro de 2021. No entanto, nesta quinta-feira (3), o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou à CNN que vai ouvir representantes do ensino superior antes de seguir com os planos de suspender a norma, de 1º de dezembro de 2020.
Conforme a Assessoria Jurídica Nacional do Sindicato Nacional (AJN), a Portaria, que gerou protesto de inúmeras entidades representativas da Educação – inclusive do ANDES-SN e suas seções sindicais, já nasceu com a aplicabilidade praticamente nula, com relevantes violações constitucionais, legais e até mesmo administrativas. O texto, negacionista, fere o princípio constitucional da autonomia universitária.
“Descabe ao Ministro da Educação, diante do teor do texto constitucional, a decisão acerca da gestão administrativa das universidades, especialmente num momento de grave crise sanitária, com altos índices de contágio ainda observados pelo coronavírus”, previne a AJN, acrescentando que a Portaria nº. 1.030 demonstra, ainda, “uma completa falta de conexão do Ministério da Educação com a realidade ora enfrentada em todo o país em razão da pandemia”.
A Nota Técnica destaca que a medida conflita até com as normas administrativas mais recentes relacionadas aos servidores públicos federais, como Instrução Normativa nº. 109, de 29 de outubro de 2020, que prevê um “retorno gradual e seguro ao trabalho em modo presencial”, desde que constatadas as condições sanitárias e de atendimento de saúde pública necessárias, e limitando em 50% a capacidade física presencial em cada ambiente de trabalho.
“A norma demonstra, ainda, uma surpreendente incompreensão do quadro de saúde pública e da complexidade do sistema de ensino federal por parte do Ministério da Educação, o que acende um alerta relevante para todos os agentes de educação no país”, analisam os advogados.
Pauta política
Apesar da inconstitucionalidade e do vai e vem de decisões, a Portaria reforça a pauta ideológica do governo Bolsonaro – que inclui minimizar a pandemia e intervir na autonomia universitária.
“A diretoria do ANDES-SN considera que a portaria reafirma a postura negacionista do governo federal, que durante todo o ano de 2020 trabalhou em favor do vírus e contra a saúde de todo(a)s o(a)s brasileiro(a)s. Um governo que nega a ciência e desarma todos os esforços para mitigar a disseminação do vírus em nossa sociedade”, diz nota do Sindicato Nacional, frisando que retomar as aulas presenciais neste momento seria “não só uma temeridade sanitária, como um ato criminoso”.
Em vídeo divulgado na quarta-feira (2), a presidente do ANDES-SN, Rivânia Moura, alerta que, se o governo insistir em decretar o retorno presencial nas universidades, as entidades da educação irão protagonizar uma greve em defesa da vida. “Precisamos permanecer em luta e em mobilização”, enfatiza a docente.
Manifestações de entidades
Logo após a publicação da Portaria nº 1.030, diversas universidades e entidades representativas manifestaram repúdio. “A medida é insana e criminosa, dado o atual estágio da pandemia, e o potencial de contaminação em atividades universitárias e escolares”, pontuou o ANDES/UFRGS em nota.
“A retomada de atividades presenciais nas IES significaria uma verdadeira migração de milhões de estudantes, que em grande parte se encontram em regiões e/ou municípios distantes de seu local de estudo. Somado à circulação cotidiana em ambientes fechados nos campi e prédios das universidades, os riscos de contaminação e proliferação do vírus são altíssimos”, diz posicionamento coletivo da União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG).
O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) criticou a ausência de diálogo com as Instituições Federais de ensino, especialmente em meio a um novo crescimento dos casos da doença no Brasil, e classificou a medida de arbitrária. “A retomada das aulas presenciais deve ser realizada de forma planejada, diante de um cenário sanitário seguro, certificando a todas as unidades da Rede Federal as mesmas condições de biossegurança, que somente poderão ser fornecidas com investimento do governo para tal”, reitera comunicado da entidade.
“A prioridade, no momento, é frear o contágio pelo vírus e, assim, salvar vidas. A volta de atividades presenciais, quando assim for possível, será feita mediante a análise das evidências científicas, com muito preparo e responsabilidade”, especificou a UnB. “A Unifesp entende ser intocável a questão da preservação da vida de seus estudantes e profissionais, especialmente os profissionais de saúde, além da vida dos brasileiros, e reitera que não colocará em risco a saúde de sua comunidade”, garantiu a Instituição.
Em nota, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) reafirmou sua autonomia e assegurou que seguirá a decisão do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), “construída com ampla participação da comunidade acadêmica”. Já o site da UFRGS publicou que “as instâncias internas da Instituição” estavam “analisando os reflexos” da medida.