A partir desta quinta-feira (15), o Currículo Lattes, plataforma do CNPq de inclusão de atividades acadêmicas, publicações e pesquisa no Brasil, permitirá o registro dos períodos de licença-maternidade de pesquisadoras. A nova seção, que terá preenchimento opcional, era uma das lutas do Movimento Parent in Science, coordenado pela pesquisadora Fernanda Staniscuaski, da UFRGS.
“Mulheres que se tornaram mães acabam com lacunas em seus currículos, tendo sua competitividade prejudicada por um período longo, impactando sua ascensão na carreira e até mesmo provocando sua evasão da ciência”, diz nota do coletivo, que desde 2017, vem trabalhando a questão da parentalidade na academia.
A informação já era considerada em avaliações realizadas com base no currículo por agências de fomento estaduais – como Fapergs e Faperj – e em e instituições de ensino e pesquisa como a UFRGS, UFPel, Furg, UFF, Unipampa, dentre outras. Contudo, a falta de um sistema padronizado afetava a pontuação em diversos critérios acadêmicos, punindo e desmotivando mães a seguirem suas carreiras.
Chamada “Licenças”, a nova seção do Lattes, de preenchimento opcional, foi apresentada ao CNPq em 2019, com apoio de 34 sociedades científicas –, entre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC).
No entanto, a conquista só aconteceu depois de muita insistência por parte do Parent in Science, de pesquisadoras autônomas e comissões. “Desde março de 2019, quando entregamos em mãos uma carta com a demanda, a resposta é que o setor de TI precisava implementar o campo. Foram dois anos para essa implementação”, relata a professora Adriana Neumann, do Instituto de Matemática e Estatística, que integra o movimento.
“Concordo que esta inclusão traz a sensação de que as coisas estão melhorando, mas é muito importante a gente considerar que isso está acontecendo à base de muita luta, com uma rede de muitas pessoas trabalhando”, pontua a docente, mãe da Anna Carolina.
Maternidade no Lattes
Enquanto não se transformava em campo institucional, a introdução da licença no Lattes foi mote da campanha #maternidadenolattes, lançada em maio de 2018, como ferramenta de contextualização da produtividade.
A professora da Escola de Administração Julice Salvagni, mãe do Ian e diretora do ANDES/UFRGS, atualizou a descrição no Lattes assim que seu filho nasceu. “É a oficialização de uma conquista que antes vinha sendo feita de maneira informal, mas que poderia parecer até estranho para quem não está inserido neste debate”, analisa.
Julice lembra que, apesar da forte presença e atuação femininas no meio acadêmico, mulheres em cargos de gestão ou que acumulam bolsa de produtividade, ainda são minoria. “O que começamos a ver foi uma série de mulheres que acabaram deixando de lado o plano da maternidade ou se viram muito prejudicadas no momento em que ganharam filhos ou anos subsequentes, porque a conciliação da maternidade com manutenção da produtividade de artigos começou a ser muito complicada”, relata.
Adriana explica que existe um motivo técnico para a inclusão do campo: em avaliações de grande escala, fica inviável analisar as inscrições individualmente, sendo importante que se tenha um algoritmo capaz de considerar o critério de forma automática. “Mas isso é apenas um começo. Se os editais não incluírem a maternidade como critério e outras mudanças não forem introduzidas, não vai alterar muito o contexto”.
Na Capes, por exemplo, a plataforma Sucupira ainda não prevê esse critério para pontuação ou, no caso de alunas, prorrogação de prazo. Com produtividade em queda, docentes podem até ser desligadas dos programas de Pós-Graduação. “Será que cientistas que tiveram bolsa de iniciação cientifica, de mestrado, doutorado, pós-doutorado, com todo um investimento do Estado, ficaram menos capazes por causa da maternidade?”, questiona a professora da Matemática.
Ciência de qualidade
Conforme o Parent in Science, a menor representatividade em bolsas de pesquisa e chefia de grupos coincide com a idade fértil da mulher. “Vivemos ainda uma cultura produtivista na academia, focada em números. Enquanto lutamos pela mudança desta cultura, é necessário garantir as condições necessárias para que não percamos cientistas ao longo do caminho da construção de uma nova ciência, verdadeiramente diversa”, reforça o movimento.
“A gente não pode achar que o ato de ter filhos é uma tarefa menos importante. A ciência não pode ter essa arrogância”, acrescenta a professora Adriana, pontuando que a inclusão deste campo representa um grande passo para começar o debate sobre diversidade, e que com a pandemia essa necessidade se torna ainda mais urgente.
“Infelizmente, sabemos que as mães não são as únicas excluídas. A Ciência é muito elitista, mas precisa ampliar seus horizontes e conseguir batalhar por um mundo melhor, em diálogo com a sociedade. Afinal, para que a gente faz a Ciência? Para termos um mundo melhor depois.”