Universidades e Institutos Federais gaúchos já expõem problemas de infraestrutura gerados pela falta de orçamento
Recentemente, as universidades e institutos federais têm sido forçadas a se acostumar com orçamentos menores a cada ano. São cortes e contingenciamentos sucessivos nas verbas destinadas ao Ministério da Educação (MEC) e posteriormente repassadas às instituições de ensino, assim como nas verbas do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), principal responsável pelo financiamento da pesquisa científica no Brasil.
Por trás da crescente diminuição do orçamento da educação federal está a Emenda Constitucional (EC) 95/2016. Conhecida como Teto de Gastos, a medida enfrentou grande resistência dos movimentos sindicais e populares durante sua tramitação, ainda no governo de Michel Temer, mas acabou aprovada no Congresso Nacional.
A EC 95 limita os gastos públicos nas áreas sociais à inflação pelos próximos 20 anos e destina o valor economizado ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública. A educação e a saúde foram “poupadas” do Teto de Gastos no primeiro ano, mas, a partir de 2018, tiveram seus investimentos drasticamente reduzidos.
Malabarismos de gestão são necessários para manter as atividades mínimas em funcionamento e, ainda assim, em cada campus de cada instituição federal, os problemas começam a saltar aos olhos da comunidade acadêmica.
Na UFSM, restaurante diminui oferta de refeições
Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a reitoria tem se preparado para uma crise financeira ainda maior que a de 2019. Conforme os dados divulgados, a Lei Orçamentária Anual (LOA) indica um corte de 30% na verba para custeio da máquina (limpeza, diárias, energia elétrica, etc.) e quase 50% para capital (investimento em obras, por exemplo). Segundo a Pró-Reitoria de Planejamento (Proplan), a redução prevista no orçamento de custeio é de quase R$ 40 milhões, e no de investimentos é de R$ 6 milhões.
O Diretório Central de Estudantes (DCE) da UFSM destaca que, dentre os cortes, a verba para o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) sofrerá uma tesourada de 11%. Isso agravará um quadro que já não é ideal, pois a gestão da UFSM já complementa os recursos da assistência estudantil através de seus recursos próprios.
Mateus Lazaretti, da diretoria do DCE, comenta que uma das ações tomadas pela reitoria para tentar reduzir gastos com assistência estudantil é a terceirização dos restaurantes universitários (RUs). Ele ressalta que, por exemplo, agora no período de férias, estudantes já estão sem o RU no sábado. Nesse mesmo período, o café da manhã não está sendo servido aos estudantes. Eles recebem um kit correspondente ao café da manhã.
Na UFPel, laboratórios vazios e computadores do século passado
No Centro de Letras e Comunicação (CLC) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), o que chama a atenção são os laboratórios vazios. O curso de jornalismo, criado pelo Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), ainda não consegue concretizar as mínimas condições para seus estudantes. É o que afirma Vanessa Damasceno, diretora do CLC.
Charge de Rafael Balbueno para o ANDES-SN
“A cada ano vem diminuindo o dinheiro das universidades e, consequentemente, o dinheiro que a gestão central envia para as unidades acadêmicas. Há 3 anos estou na direção do CLC e essa EC nos afeta de maneira bem concreta, principalmente o nosso curso de jornalismo, que é um curso que precisa de laboratórios. A gente tem o espaço físico dos laboratórios de televisão, de rádio e de web, mas não há equipamentos”, comenta a docente.
O curso de letras também apresenta problemas de infraestrutura. Os laboratórios de línguas, por exemplo, têm computadores adquiridos há mais de 20 anos, bastante sucateados e que impedem o melhor uso para o aprendizado dos estudantes.
O CLC conseguiu, no final de 2019, uma emenda parlamentar de R$ 100 mil para melhorar um pouco a condição de seus laboratórios de jornalismo, mas Vanessa ressalta que, ainda assim, a situação orçamentária é bastante difícil. “Para ter autonomia administrativa, temos que ter autonomia financeira”, afirma.
Na UFRGS, vazamentos de água e piso encharcado pelo esgoto
Os problemas de infraestrutura são antigos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e ficaram ainda mais graves com a aprovação da EC 95 e com os sucessivos cortes de verbas praticados em 2019 pelo governo Bolsonaro.
No Campus Litoral Norte, por exemplo, tudo começa pela falta de espaço físico. “A cada semestre, a organização da oferta de disciplinas tem de ser dimensionada em função da pouca quantidade de salas de aula”, relata o professor Dilermando Silveira.
“Ao mesmo tempo, sentimos falta de mais salas para reuniões, orientações e outras atividades, mas principalmente de um auditório, que deveria ter sido o primeiro espaço a ser planejado”, completa. A biblioteca também fica aquém das demandas: dispõe de espaço pequeno para dividir acervo, mesas e computadores para estudantes, que passam dificuldade quando precisam estudar ou fazer trabalhos em grupos.
O Instituto de Artes (IA), em Porto Alegre, também enfrenta as dificuldades da falta de espaço físico: além de faltarem salas, as que existem estão em condições inferiores ao necessário para um ensino de qualidade. “Estão meio destruídas, com equipamentos sem manutenção e elétrica totalmente comprometida, o que demanda uma reforma completa”, lamenta Felipe Adami, professor do Departamento de Música.
Parte do acervo da biblioteca, por exemplo, precisou ser depositado em uma sala distante, dificultando o acesso e a logística, e duas salas cedidas pela Reitoria em função da falta de espaço também estão muito sucateadas. “Temos uma parte do IA em cada lugar”, resume o docente.
Os prejuízos vão, literalmente, do piso ao teto. “Tivemos um problema muito sério no telhado no ano passado, em função de fortes chuvas”, relata Adami. Na ocasião, houve muito vazamento de água dentro da unidade, o que demandou uma grande reforma de estrutura. Além disso, em dias de muita chuva, o esgoto pluvial que passa por baixo do prédio encharca o piso.
No IFRS, faltam blocos de aula e laboratórios
O Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) tem tidos perdas consideráveis de orçamento desde 2016, segundo seu reitor, Júlio Xandro Heck. “Isso é um problema muito sério para uma instituição nova como a nossa porque a gente ainda precisa fazer obras, comprar mobiliários, comprar equipamentos”, afirma.
A previsão é que o orçamento de 2020 seja semelhante ao de 2019, mas o IFRS terá um número maior de estudantes. “Isso vai fazer com que uma série de ações sejam limitadas. Que a gente deixe de expandir projetos de pesquisa e de extensão. Nos impede de fazer novas obras e de adquirir equipamentos e também nos limita na assistência estudantil, porque nós temos um aumento no número de estudantes”, diz Júlio.
O IFRS tem, ainda, campi da última fase de criação que carecem de estruturas físicas para poder aumentar o número de estudantes. O problema é bastante sério, porque faltam blocos de aulas e laboratórios.
O reitor do IFRS disse, também, que em 2020 haverá um fato novo na lei orçamentária federal, com a definição de uma conta complementar que estará vinculada a capacidade de arrecadação da União. No caso do IFRS, segundo Júlio, “o valor aprovado na LOA corresponde a 60% do orçamento da instituição e o restante estará na conta complementar, que terá que ser votada no Congresso ao longo do ano. Caso não seja integralizado o valor do orçamento ficará inviável manter as atividades da instituição com recursos 40% abaixo do executado em 2019. Por isso precisamos do apoio dos sindicatos e do movimento estudantil para pressionar o Congresso para a aprovação da conta complementar”, concluiu.
A solução buscada para driblar o Teto de Gastos e os cortes de orçamento tem sido por meio de emendas parlamentares. A bancada gaúcha destinou, para 2020, R$ 12 milhões para os Institutos Federais (4 milhões para cada), que servirão para aquisição de mobiliários e equipamentos. Em 2019, outra emenda possibilitou ao IFRS fazer quadras poliesportivas cobertas e adquirir fontes geradoras de energia fotovoltaica.
Na Unipampa, falta gasolina para os carros
Na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), a falta de recursos é considerada pelo movimento docente uma “bomba relógio”. Em 2018, foram recebidos R$ 29 milhões a menos do que o solicitado, o que aponta para o não funcionamento efetivo da universidade que, a cada início de ano, conta com mais discentes, mais demandas e tem as atividades de pesquisa, extensão e ensino.
Em 2019, eram necessários R$ 340 milhões para a Unipampa continuar funcionando de forma mínima, sem fechar as portas, mas, novamente, foram recebidos menos R$ 19 milhões que o previsto. Para 2020, a dinâmica tende a se repetir.
O resultado dos cortes é a demissão de terceirizados, a falta de combustível e motoristas, a falta de transporte para participar de eventos, a falta de material de infraestrutura, o racionamento de energia elétrica, entre outros problemas.
Depois do Teto de Gastos, governo quer acabar com o piso para saúde e educação
Depois da EC 95, o Congresso Nacional pode atender a um desejo do ministro da Economia e acabar com o piso de investimento para educação e saúde. Após reunião com Paulo Guedes, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 188/19, do Pacto Federativo, afirmou à imprensa que vai inserir essa mudança no texto da PEC. A intenção de Bittar é acabar com a regra que obriga Estados e municípios a destinar, respectivamente, 12% e 15% de seu orçamento à saúde, além de 25% para a educação.
Estado de Greve
É por essas razões, além de muitas outras, que o ANDES-SN indicou aos docentes a aprovação do Estado de Greve para 2020. As Seções Sindicais começam o ano em Estado de Greve para lutar pelo devido repasse orçamentário à educação e contra todo e qualquer projeto que busque privatizar as instituições públicas.
Essa matéria foi elaborada pela ADUFPel, com a colaboração da SEDUFSM, da SESUNIPAMPA, do SINDOIF e da Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS.
Esse texto é parte do trabalho coletivo realizado semanalmente pelas Seções Sindicais do ANDES-SN no Rio Grande do Sul para divulgar as razões que levaram os docentes a aprovar o Estado de Greve para o ano de 2020.