Os problemas de infraestrutura são antigos na UFRGS, e ficaram ainda mais graves com a aprovação da Emenda Constitucional 95/16 (PEC do Teto) e os sucessivos cortes de verbas praticados em 2019 pelo governo Bolsonaro.
Condições de trabalho precárias
No Campus Litoral Norte, por exemplo, tudo começa pela falta de espaço físico. “A cada semestre, a organização da oferta de disciplinas tem de ser dimensionada em função da pouca quantidade de salas de aula”, relata o professor Dilermando Silveira. “Ao mesmo tempo, sentimos falta de mais salas para reuniões, orientações e outras atividades, mas principalmente de um auditório, que deveria ter sido o primeiro espaço a ser planejado.”
A biblioteca também fica aquém das demandas: dispõe de espaço pequeno para dividir acervo, mesas e computadores para estudantes, que passam dificuldade quando precisam estudar ou fazer trabalhos em grupos. “Um laboratório de informática para uso livre de alunos/as poderia suprir esta carência, pois só se pode usar o laboratório de informática ou a ‘sala mista’ com a autorização de um/a docente, e mesmo assim se não houver outras aulas nestas salas no período”.
O docente acrescenta ainda a carência por laboratórios didáticos das diversas áreas de conhecimento. “Há três pavilhões em construção, mas as obras estão paradas e não há previsão de término. Por este motivo, o curso de Geografia – Licenciatura, que passou pela visita de Avaliação do INEP/MEC há alguns dias, tirou nota mínima no quesito ‘laboratórios didáticos de uso específico’, pois ainda não há um Laboratório de Práticas Docentes, necessário para qualquer Licenciatura”, aponta Silveira, lembrando que as consequências vão além de pontuações, afetando a qualidade das atividades acadêmicas.
O Instituto de Artes (IA), em Porto Alegre também enfrenta as dificuldades da falta de espaço físico: além de faltarem salas, as que existem estão em condições inferiores ao necessário para um ensino de qualidade. “Estão meio destruídas, com equipamentos sem manutenção e elétrica totalmente comprometida, o que demanda uma reforma completa”, lamenta Felipe Adami, professor do Departamento de Música.
Parte do acervo da biblioteca, por exemplo, precisou ser depositado em uma sala distante, dificultando o acesso e a logística, e duas salas cedidas pela Reitoria em função da falta de espaço também estão muito sucateadas. “Temos uma parte do IA em cada lugar”, resume o docente.
Os prejuízos vão literalmente do piso ao teto. “Tivemos um problema muito sério no telhado no ano passado, em função de fortes chuvas”, relata Adami. Na ocasião, houve muito vazamento de água dentro da unidade, o que demandou uma grande reforma de estrutura. Além disso, em dias de muita chuva, o esgoto pluvial que passa por baixo do prédio encharca o piso.
Falta de clareza agrava a situação
A professora Beatriz Gil, vice-diretora do Instituto de Letras (IL), pontua que o principal entrave na gestão de infraestrutura está na falta de clareza a respeito das informações de ordem financeira. “Não se consegue fazer uma previsão em relação aos gastos para a manutenção da infraestrutura. É preciso que a gente saiba quais são os recursos disponíveis, e dentro disso o que estaria disponível para as direções. Essa informação deveria estar disponível para toda a comunidade acadêmica, em particular para as direções e o Consun, para, de posse disso, podermos interferir naquilo que deveria ser prioridade na universidade”, analisa.
De acordo com Beatriz, o IL tem feito um esforço constante para reduzir os danos da falta de investimento na unidade, que conta com pontos muito degradados nos dois prédios (administrativo e de aulas). “Praticamente tudo que tem sido feito no sentido de manutenção vem de recursos próprios, e não do Tesouro”, afirma a professora. No entanto, existe uma carência em relação ao planejamento de aplicação do dinheiro. “Quando não se tem previsão de quando um recurso virá ou até quando se poderá contar com ele, é muito difícil fazer um planejamento de forma democrática e participativa dos recursos da unidade, com consultas internas e um trabalho sistemático juto à comunidade em relação às prioridades. Muitas vezes temos um dinheiro e, de repente, somos informados de que ele deve ser usado até uma data específica, o que coloca por terra qualquer desejo de se fazer um trabalho conjunto de verificação de prioridades e necessidades”, exemplifica.
Na visão da docente, o que está em jogo é uma política de planejamento e utilização dos recursos na universidade como um todo. “A gestão das unidades precisa ser vista e trabalhada num conjunto maior, que é o da Administração Geral, para que as coisas possam ser mais articuladas, entendidas e que, nos momentos de maior dificuldade, como cortes e contingenciamentos, a gente consiga entender onde isso vai ocorrer, por que e se de fato um ou outro setor deve ser mais penalizado”, antecipa. “Não temos clareza nem em relação aos recursos nem ao destino dos mesmos para, dentro das unidades, estabelecermos nossas prioridades com um certo grau de planejamento e previsão. Estamos sempre trabalhando numa situação incerta”.
Avaliação de Infraestrutura deve ser democrática e participativa, ponderam docentes
Em questionário disponibilizado pela Secretaria de Avaliação Institucional da UFRGS (SAI) para preenchimento entre 02 e 31 de dezembro, a Administração anuncia que pretende verificar o nível de satisfação em relação à infraestrutura da Universidade, com objetivo de proporcionar melhorias. Em mensagem enviada na sexta-feira (20) a docentes e estudantes, a SAI informa que a avaliação da Infraestrutura é um quesito solicitado pela Lei Federal n. 10861/2004 que instituiu o SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior).
No entanto, além de longo e quantitativo, o formato da consulta, restrita a docentes e estudantes, não deixa claro os procedimentos para interpretação dos dados.
“’Avaliar’ pressupõe uma complexidade própria do campo educacional, que não prescinde de um debate teórico e político”, alerta o professor Dilermando, enfatizando que a universidade não deveria ter os mesmos processos de uma empresa, “muito menos do ramo dos ‘negócios’, em que a ideia de ‘pesquisa de satisfação’ parece dar conta da relação a se estabelecer com os ‘clientes’ (sic), buscando ‘melhorias’ a partir dos resultados da ‘avaliação’”.
Na visão do docente, reduzir a complexidade do método avaliativo a estratégias e ações do mundo empresarial, sobretudo no campo educacional, significa não compreender os riscos associados à ideia da universidade como uma organização qualquer. “Os instrumentos deveriam ir além dos questionários, sobretudo eletrônicos”, pondera. “Embora sejam ferramentas importantes, muita gente compreende que os questionários eletrônicos de avaliação são um fim em si mesmo, em que se pode dar ‘de 1 a 5 estrelinhas’, de acordo com o grau de satisfação, tal e qual se faz com motoristas de aplicativo ou com estabelecimentos comerciais no Google. É necessário sempre aprofundarmos o debate”.
O problema, reflete o professor Dilermando, também está na concepção do sistema, que, conforme a própria SAI, foi definido pela Comissão Própria de Avaliação (CPA) – grupo eleito pelos núcleos de avaliação de cada unidade. “Avaliar não é apenas ‘perguntar’ sobre a ‘satisfação’, e sim promover um amplo debate político sobre as diversas escalas e conjunturas que reverberam em nossas ações cotidianas. Para isso, não apenas o formato pode ser melhorado para irmos além de perguntas-respostas em um ambiente totalmente virtual, sem contato presencial. É necessário dar voz e ouvidos aos órgãos colegiados (desde plenárias departamentais até conselhos de unidade, passando pelas Comissões de Graduação e Pós-Graduação), que precisam ser fortalecidos, posto que são a base da gestão democrática institucional”, defende o professor, acrescentando a necessidade de diálogo com os sindicatos de servidores/as e com o movimento estudantil. “Eis um bom começo para uma avaliação de infraestrutura mais politizada e menos ‘fria’”.
A diretoria do ANDES/UFRGS também avalia que o modelo de “pesquisa de satisfação” é inadequado para tratar dos problemas de infraestrutura. “Além do desestímulo à participação, há um problema no tratamento dos dados e divulgação dos resultados, cujos procedimentos não estão claros. Uma campanha de consulta nas unidades, com conversas presenciais e consolidação das percepções de TAEs, docentes e estudantes poderia ser mais efetiva, considerando as particularidades de cada unidade e a idiossincrasia das diferentes expertises.”, avalia Guilherme Camara, 1º vice-presidente da Seção Sindical.
Segundo a Secretaria, um relatório específico para os técnicos-administrativos está em elaboração. “O formulário em andamento é direcionado ao Ensino. O dos técnicos, que possuem outros interesses, será enviado posteriormente”, informa Ana Braga, vice-secretária de Avaliação, lembrando que a SAI não possui total autonomia na avaliação na medida em que o processo foi definido pela CAP.