Homologação de parecer do CNE aumenta a pressão para adesão ao Ensino Remoto Emergencial (ERE) 

Enquanto governos experimentam medidas de flexibilização do isolamento social, criticadas pela Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), cresce a incerteza sobre a retomada das atividades presenciais nas Universidades e Institutos Federais. Nesse cenário, crescem as pressões para adesão ao chamado Ensino Remoto Emergencial (ERE), como alternativa para dar continuidade às aulas suspensas em razão da pandemia. Com a homologação parcial nesta segunda-feira (1), pelo MEC, das diretrizes do Conselho Nacional de Educação (CNE) para o ensino durante a pandemia da Covid-19, o ERE ganha ares de legalidade. O documento sugere que as instituições, desde a educação infantil até o ensino superior, busquem alternativas para minimizar a necessidade de reposição presencial das aulas, computando atividades digitais ou em material impresso para cumprimento de parte da carga horária. O restante seria recuperado em habituais períodos de férias e aos sábados.

Entretanto, para a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que agrega diversas entidades da área, o Parecer do CNE fere o direito à educação garantido na Constituição.

Nota Técnica da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN  (AJN) segue na mesma direção.

ERE não garante acesso ao ensino

Para a AJN, instaurar um novo modelo sem o preparo adequado é precipitado e prejudicial a todos os envolvidos. “A implementação de medidas de Educação a Distância certamente trará prejuízos à igualdade de condições como forma de assegurar o acesso ao direito fundamental básico à educação. Não há como garantir, em um país com desigualdades tão intensas, que o(a)s discentes e até mesmo o(a)s docentes tenham assegurados os mecanismos necessários (internet, computadores, tablets ou notebooks) que permitam um acesso efetivo ao ensino”, previne Nota Técnica da AJN.

O parecer aponta que várias instituições de ensino não dispõem de condições de trabalho adequadas, além de não terem garantido as qualificações necessárias do corpo docente para a formulação de cursos no novo formato. “Afinal, a modalidade de ensino a distância não se configura em uma simples gravação em vídeo ou conversão em texto daquilo que seria trabalhado presencialmente, de modo que, sem a capacitação específica do(a) docente, é possível que a simples determinação de conversão em ensino a distância seja danosa ao ambiente de aprendizado”, acrescentam.

Cerceamento à liberdade de ensinar

Outro problema levantado pela nota técnica está nas possibilidades de controle de conteúdo e cerceamento da liberdade docente de ensinar, mediante o uso indevido das vídeo-aulas. “Se em sala de aula o(a)s docentes já estão subordinados a um conjunto de ações do(a)s apoiadore(a)s dos projetos Escola sem Partido, imaginem o que pode ser feito com aulas gravadas e que vão cair no domínio público?”.

ERE agrava desigualdades

Conforme a AJN, instituições de ensino buscam formas de burlar as críticas à Educação a Distância (EAD) através da imposição dessa modalidade de forma absolutamente precarizada, recebendo denominações distintas como calendário complementar, período especial, estudo remoto emergencial (ERE), ACE, entre outros.

“Porém, em todos os casos, as disciplinas ministradas nessa modalidade vão contar como carga horária para o(a)s discentes que cursarem. Ou seja, mesmo não sendo obrigatório, agrava a desigualdades entre o(a)s discentes, uma vez que nem todo mundo poderá acessar os conteúdos e depois terão que passar, posteriormente, por outro tipo de avaliação, para assegurar a carga horária exigida nos cursos”.

Essa desigualdade é não apenas imediata, no que tange a acesso e qualidade do ensino, como também pode se expandir para momento posterior, uma vez que, para alguns/algumas estudantes, será possibilitado concluir o curso mediante o cumprimento da carga horária, enquanto, para outro(a)s, não.

“Certamente, o(a)s que mais precisam de qualificação profissional para se lançarem no mercado de trabalho e prover sua vida, e que, no momento da graduação, não dispõem de recursos para o ensino remoto, serão, mais uma vez, prejudicado(a)s, pois levarão mais tempo para se inserir no mercado de trabalho”, antecipam os assessores, ainda ressaltando o custo emocional e afetivo provocado pela pandemia (luto por perdas dos entes queridos, situações de ansiedade, morte de estudantes etc.).

Planejamento deve ser democrático

“Tudo parece ainda incerto, até que se encontre uma vacina, o que seria a resolução essencial para o combate à Covid-19. Por isso, é necessário, através de amplo debate com a comunidade acadêmica, passando pelas instâncias deliberativas das instituições de ensino, que sejam planejados, de forma coletiva, os passos que deveremos dar no próximo período no que tange ao ensino-pesquisa-extensão”, finalizam os advogados.

O ANDES Sindicato Nacional já se manifestou contrário à simples substituição do ensino presencial por EAD: “aulas on-line exigem internet e equipamentos de qualidade, o que não é realidade para milhares de estudantes de origem popular, que hoje cursam as instituições públicas de educação, [ao propor essa solução, o governo] desconsidera o caráter pedagógico da aulas presenciais e as especificidades de cada disciplina e curso, entre outros. Ao defender aulas on-line, o governo acaba incentivando mais uma vez uma forma de ensino que não deve ser a principal, mas apenas suporte para o(a) docentes.”

A UFRGS às voltas com uma proposta de ERE

Na UFRGS, as atividades presenciais seguem suspensas até 30 de junho, com possibilidade de nova prorrogação. Uma pequena parcela das disciplinas presenciais foram convertidas em disciplinas EAD, mas começam a circular notícias sobre propostas de Ensino Remoto Emergencial (ERE) em elaboração pelo Fórum das Comgrads (Forgrad) como alternativa de “retorno” às atividades de ensino de graduação. Até o momento, a discussão nesse âmbito não foi encerrada e as propostas não foram apresentadas à comunidade universitária. Em audiência com a Reitoria no dia 14 de maio, o ANDES/UFRGS foi informado de que um GT Retorno está incumbido de formular propostas para a retomada das atividades que estão suspensas e que essas também serão apresentadas à comunidade universitária.

No dia 25 de maio, o ANDES/UFRGS emitiu nota em que manifesta crítica ao ERE como “uma EAD precarizada”, que funcionaria em paralelo às normas estabelecidas. Leia aqui o documento na íntegra.

O Diretório Central dos Estudantes (DCE) também emitiu nota sobre a questão: “a PROGRAD utiliza a expressão ‘Ensino Remoto Emergencial’ para burlar a legislação e não cumprir requisitos obrigatórios para a implementação de ensino remoto. E por não haver condições de planejamento para migração acelerada para o ‘semestre híbrido’, a proposta do ‘ERE’ significa a implementação do EAD ainda mais precarizado, sem respaldo legal, fundamentação científica, epistemológica e pedagógica”.

A Seção Sindical tem acompanhado as reuniões do Conselho de Saúde e Ambiente de Trabalho (Conssat) da UFRGS, que prepara um documento a ser entregue à Administração Central e compartilhado com os segmentos da Universidade sobre os riscos que serão enfrentados e os cuidados necessários no retorno às atividades presenciais.