O conceito de greve sanitária, desconhecido para muita gente, envolve a paralisação de atividades presenciais com o objetivo de preservar a vida de trabalhadores e demais envolvidos. Até o início de fevereiro, docentes das Instituições Federais de Ensino estão realizando, em diversas regiões, rodadas de assembleias para deliberar sobre adesão a um movimento desse tipo, caso o governo federal insista em recomeçar as aulas presenciais antes da vacinação.
A deliberação foi feita em reunião virtual conjunta dos setores das Instituições Federais de Ensino (IFEs) e Instituições Estaduais e Municipais de Ensino (IEEs/IMEs), em dezembro, baseada em decisão do 9º Conad Extraordinário do ANDES-SN, ocorrido em setembro.
O MEC tem pressionado o retorno presencial por meio da Portaria nº 1.038 de 07.12.2020, que prevê recomeçar as aulas presenciais em 1º de março de 2021. “Não aceitaremos retornar sem as condições sanitárias, entre elas a vacinação em massa da população. Se for preciso construiremos uma greve sanitária em conjunto com outras entidades ligadas à Educação”, pondera Regina Moreira, secretária-geral do Sindicato Nacional.
Diferentemente de uma greve geral, a mobilização não suspenderia a realização do trabalho, que se manteria em formato remoto. O ANDES/UFRGS convocará Assembleia Geral nas próximas semanas para tratar da pauta.
Outras categorias em defesa da vida
Diante da pandemia, várias categorias têm optado pela greve sanitária, como servidores da Justiça Federal e de Judiciários estaduais, além dos funcionários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No Rio Grande do Sul, municipários(as) da Educação aderiram em outubro, quando a Prefeitura anunciou a retomada das aulas presenciais da rede municipal de ensino. Mesmo com o encerramento do movimento, a campanha #EscolasFechadasVidasPreservadas foi mantida.
Os técnico-administrativos da USP também já decidiram entrar em greve sanitária contra o retorno compulsório às atividades presenciais, postura que garantiu que a Reitoria voltasse atrás na decisão. Com isso, o Sintusp suspendeu a paralisação, mas decidiu manter o estado de greve, com indicação de que pode voltar a parar em caso de um retorno que o sindicato considere arriscado e precipitado.
Professores e professoras da rede pública de São Paulo também ameaçam aderir ao movimento para evitar o retorno presencial antes da vacinação, assim como docentes e demais trabalhadores da rede estadual de ensino de Mato Grosso, onde o governo anunciou que retornará às aulas e outras atividades presenciais em 8 de fevereiro.
Direito legítimo
A greve sanitária é um direito legítimo de todos os trabalhadores (inclusive em estágio probatório), que tem como base legal a convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 29 de setembro de 1994.
Ampara-se na ausência de condições adequadas para afastar riscos graves e iminentes de exposição no ambiente de trabalho e no deslocamento, destacados em orientações de órgãos e entidades de saúde.
Na UFRGS, atividades presenciais seguem suspensas
Na UFRGS, a suspensão das atividades presenciais foi prorrogada até 31 de janeiro de 2021, e o Comitê Covid da Universidade, do qual o ANDES/UFRGS faz parte, divulgou orientações para os casos excepcionais em que há necessidade de trabalho presencial. “Essas diretrizes foram pensadas para atividades restritas, como o caso de pós-graduandos que precisam entregar as dissertações até meados de 2021. Em nenhum momento contemplam o retorno geral das atividades presenciais”, explica Carlos Alberto Saraiva Gonçalves, professor do Instituto de Ciências Básicas da Saúde, diretor do ANDES/UFRGS e representante da entidade no Comitê.
Entre as medidas, estão o distanciamento mínimo obrigatório de 2 metros entre as pessoas, mesmo que utilizem máscara, e o combate a aglomerações. “Fica vedado o uso dos espaços de circulação, como corredores ou áreas externas, para manter conversas ou momentos de lazer entre os(as) trabalhadores(as) e alunos(as)”, diz o documento.
Conforme o Comitê, antes do retorno, deve ser realizada a testagem por RT-PCR de trabalhadores(as) e alunos(as), repetindo o procedimento “quando houver necessidade”. Além disso, é indicada a verificação diária da temperatura no acesso às unidades e o reforço da limpeza de objetos e superfícies tocados frequentemente com solução sanitizante. “Essa limpeza compreende a totalidade dos utensílios de uso coletivo, tais como mesas, bancadas, cadeiras, piso, maçanetas de porta, armários guarda volumes, entre outros”.
A Universidade deverá disponibilizar máscara, protetor tipo face shield (priorizando os servidores que atuarão no atendimento ao público), tapetes sanitizantes, água, sabão, detergente ou álcool em gel 70% e papel toalha para a higienização das mãos, assim como álcool líquido 70% para desinfecção das superfícies durante a pandemia. “Se já é difícil uma higienização mediana na rotina diária, imagina em plena pandemia e num contexto de cortes orçamentários graves. Isso retira qualquer possibilidade de retorno presencial, uma vez que não há como garantir reais condições de segurança”, analisa Gonçalves.
“De forma alguma está se pensando no retorno pleno ou parcial. E mais importante, de forma alguma esta possibilidade de atividade restrita pode servir para pressionar setores ou pessoas a voltar sem adequadas condições de segurança”, pondera o professor. “Agora, com a questão da vacina no horizonte, é possível que o Comitê volte a discutir o retorno, provavelmente em março, quando o tema vai estar mais claro. No entanto, é preciso lembrar que a Universidade organizou o novo semestre para ocorrer de forma remota, com todas as dificuldades que isso implica. Não vamos colocar a comunidade universitária em risco.”
Ouça o episódio do podcast Voz Docente desta semana. Nossos entrevistados abordam a greve sanitária. Ele está disponível no spotify e em nossa página!