Em mais um ataque à autonomia universitária, o governo Bolsonaro anunciou na sexta-feira (03) a terceira versão do programa Future-se, lançado em julho do ano passado e ainda sem aprovação. O objetivo da medida é fortalecer o financiamento privado nas instituições federais de ensino superior e as parcerias com organizações sociais e fundações de apoio.
Cada vez que é reapresentado, o Future-se traz como novidade alguma ferramenta para propor negociações espúrias à comunidade acadêmica, de maneira a abrir mão de preceitos constitucionais de liberdade de ensino e autonomia. Neste novo texto, a concessão de bolsas da Capes é concedida prioritariamente a participantes do programa.
A nova minuta também menciona a concessão de “benefícios por resultados” às universidades, sendo os indicadores estabelecidos pelo próprio Ministério da Educação (MEC) para avaliar a liberação de recursos orçamentários adicionais. “Os benefícios por resultado compreendem o recebimento de recursos provenientes do Fundo de Investimento do Conhecimento; a possibilidade de aporte patrimonial das instituições participantes a esse Fundo e de recursos orçamentários adicionais consignados ao Ministério da Educação; e a concessão preferencial de bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) aos participantes do Programa Future-se”, diz o projeto, disponível para consulta pública até 24 de janeiro. Depois disso, o MEC deve finalizar o documento e encaminhá-lo ao Congresso Nacional para apreciação.
O programa prevê, ainda, indicadores de metas e governança, para reforçar o que já é feito em parceria com a iniciativa privada. A meta é que essa fonte de recursos, que rendeu R$ 1 bilhão para as federais no ano passado, supere R$ 100 bilhões – praticamente o dobro do orçamento anual de todas as 63 instituições federais de ensino em 2019 (R$ 49,6 bilhões).
Chantagem à comunidade acadêmica
Para Carlos Alberto Saraiva Gonçalves, professor do Instituto de Ciências Básicas da Saúde, o projeto chantageia a comunidade ao apontar “recursos preferenciais” a quem aderir. “É um ataque frontal à autonomia universitária fixada na Constituição. É um ataque à educação, à ciência e à cultura brasileiras”, acredita o docente, lamentando que o governo sequer tenha consultado os atuais gestores ou os dados sobre o setor.
“O Future-se parte de três premissas erradas: de que a universidade publica é cara, ineficiente e sem transparência”, avalia o professor, que é diretor do ANDES/UFRGS, destacando que a proposta foi rejeitada amplamente pela comunidade acadêmica e por sociedades científica e culturais, e mesmo assim encaminhada ao congresso como Projeto de Lei. “Isso não somente revela uma cegueira administrativa, mas uma obstinação em destruir a universidade pública do País”, lamenta, lembrando que o ensino superior brasileiro é pouco oneroso e altamente eficiente na comparação com outros países, com benefícios para toda sociedade.
“O governo mantém suas convicções: e são tão fortes que ele não recua mesmo em pontos já fortemente questionados, nem sequer após a rejeição das versões anteriores por nossas universidades”, acrescenta o presidente da Andifes, João Carlos Salles, em artigo publicado pelo O Globo. “Sendo unilateral a proposta e estando focada em uma concepção de inovação e empreendedorismo estreita, não está à altura da riqueza e da diversidade de nossas instituições”.
Rejeição majoritária
Até agora, os Conselhos Universitários de 30 Instituições Federais de Ensino Superior já rejeitaram o Future-se. Instâncias máximas de deliberação das instituições, eles pontuam, entre os motivos da não adesão, a destruição da autonomia universitária, a desobrigação do financiamento público para a educação e o ataque a princípios como a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Todas as universidades federais do Rio Grande do Sul se posicionaram contrárias ao projeto: UFRGS, UFSM, UFPel, Furg, UFCSPA e Unipampa. A rejeição ao Future-se foi aprovada por unanimidade em sessão do Conselho Universitário da UFRGS em 23 de agosto, ratificando decisão de sessão aberta realizada no dia 16, que contou com cerca de 2.000 participantes.
Leia a íntegra do novo texto aqui.
Ouça aqui o comentário do professor Carlos Alberto Saraiva Gonçalves, diretor do ANDES/UFRGS e professor do ICBS, sobre a nova proposta do Future-se.