A Assessoria Jurídica Nacional (AJN) do ANDES-SN emitiu, na semana passada, parecer sobre o novo texto do Future-se, divulgado pelo Ministério da Educação aos reitores das universidades federais em 16 de outubro. Conforme a análise da AJN, o projeto é repleto de inconsistências jurídicas, e pretende fazer das Instituições Federais de Ensino Superior (IFEs) verdadeiras unidades empresariais.
“Implementação de programas de gestão de risco corporativo, códigos de autorregulação do mercado, destinação de patrimônio aos fundos de investimento imobiliários, utilização de naming rights para bens públicos e a criação de Sociedades de Propósito Específicos – SPE traduzem a real intenção do programa: privatizar as universidades, institutos e espaços públicos”, alerta o documento, lembrando que o modelo proposto se assemelha fortemente ao dos Fundos de Pensão: “trata-se de uma relação tripartite, em que os recursos que deveriam ser destinados para o beneficiamento do principal interessado seja gerido por um terceiro, responsável pela sua concentração, com larga utilização de recursos públicos, inclusive na hipótese de insucesso na captação de recurso, por meio de entes privados, submetidos a um rigor diminuído na relação com os recursos e exigências da Administração Pública”.
Inconstitucionalidades
Na interpretação da AJN, mesmo após as alterações em relação à minuta original, o projeto continua sendo uma afronta ao artigo 207 da Constituição Federal, na medida em que a autonomia universitária será substituída por processos que objetivam o financiamento privado da educação pública e da pesquisa brasileira. Além disso, o governo não apresentou um estudo econômico que detalhasse o impacto dos incentivos fiscais, da transferência patrimonial e do compartilhamento dos fundos constitucionais, que representam quase R$ 100 bilhões.
“A almejada sustentabilidade financeira é baseada na constituição de um fundo privado, para a realização de uma política de investimento que hoje já não apresenta resultados alvissareiros”, denuncia o advogado Leandro Madureira Silva. “Que autonomia (didáticocientífica, administrativa e de gestão) será garantida às IFEs se as receitas do Fundo da Autonomia Financeira são oriundas da sua comercialização e atuação junto ao mercado?”, acrescenta.
A “pensionalização” de recursos e bens públicos como parte de um fundo privado também é evidente, aponta a AJN, lembrando que, com isso, se modifica o destinatário do orçamento público.
Ameaça à educação gratuita e aos concursos públicos
Se não bastassem as incoerências legais, a AJN alerta: o mais preocupante no texto é aquilo que não é dito, pois se trata de um material confuso, que pode implicar numa refuncionalização das universidades e instituições de ensino públicas, tornando-as vetores de negócio e membros de uma lógica típica do mercado. “Mas além de tudo isso, o Future-se altera a lógica do trabalho docente: sai o professor pesquisador e entra o empresário do ensino”.
O advogado destaca que não se refuta a importância do empreendedorismo, da inovação, do avanço tecnológico e nem se contraria o desenvolvimento da nação sob esse manto, o que, de fato, já é feito por universidades e institutos federais de ensino, de forma pública e gratuita. “Mas travestir práticas de mercado com o nome de futuro não faz com que ele, de fato, aconteça”, previne, prevendo que a mudança proposta pelo governo federal vulnerabilize a educação gratuita e a autonomia didático-pedagógica, administrativa e de gestão financeira, além de ser tendente a “extinguir a extensão e tornar o concurso público forma excepcional de ingresso nas IFEs”.
Leia aqui a íntegra do parecer.
Resistência
Até agora, os Conselhos Universitários de 30 Instituições Federais de Ensino Superior já rejeitaram o Future-se. Instâncias máximas de deliberação das instituições, eles pontuam, entre os motivos da não adesão, a destruição da autonomia universitária, a desobrigação do financiamento público para a educação e o ataque a princípios como a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Na UFRGS, o projeto Future-se foi rejeitado em sessão pública do Consun no dia 16 de agosto, que aprovou uma manifestação ratificada pelo Conselho Universitário em 23 de agosto de 2019. Logo após a divulgação da nova versão, o Reitor incluiu o tema na Sessão Ordinária do órgão da sexta-feira (25). Sob vigília da comunidade acadêmica e protestos de vários conselheiros, que reivindicam amplo debate na comunidade universitária, o Conselho Universitário adiou encaminhamentos sobre o novo texto. O tema consta da pauta da continuação da sessão, convocada para sexta-feira (1º de novembro).