O Ministério da Educação (MEC) lançou oficialmente, nesta terça-feira (16), o Future-se, um programa de reestruturação do financiamento do ensino superior público. O projeto foi apresentado pelo secretário de Ensino Superior da Pasta, Arnaldo Lima, e por Ariosto Antunes, secretário de Educação Tecnológica do Ministério.
Em linhas gerais, o plano – que será divulgado por consulta pública via internet – pretende reduzir os repasses federais de custeio das universidades e pressionar para a captação de recursos externos. Dentre os novos mecanismos de captação, estariam a realização de parcerias público-privadas (PPPs), cessão de prédios, criação de fundos com doações e até venda de nomes de campi e edifícios, como em estádios.
O projeto agride vários dispositivos constitucionais, notadamente os que estabelecem o dever do Estado com a educação e a autonomia das universidades. É apresentado como alternativa de sobrevivência, em meio ao bloqueio de 30% dos recursos das instituições de ensino superior, que ameaça, inclusive, a continuidade das atividades de muitas universidades e institutos federais.
Para Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em vez de Future-se, o programa deveria se chamar “Vire-se” ou “Privatize-se”, pois, ao incorporar mecanismos financeiros de mercado, a iniciativa pode tolher a autonomia universitária no futuro. O professor Luiz Araújo, da Faculdade de Educação da UnB, complementa: “O atual ministro e sua equipe de economistas, muitos com origem no mercado financeiro, enxergaram na crise das universidades (induzida pelo corte de recursos pelo governo que representam) uma oportunidade de negócios, para eles, para parceiros selecionados e para alguns docentes. Ao invés de chamar de Future-se, o programa bem que poderia ser Fature-se”.
Fundo de gestão privado e multimercado
Para sustentar o novo “modelo”, o governo propõe a constituição de um fundo soberano, de caráter privado. Os recursos iniciais viriam de alienação ou concessão de patrimônio da União, que somariam R$ 50 bilhões. Royalties, patentes e parques tecnológicos também aportariam dinheiro a esse fundo, multimercado, além da comercialização de bens e produtos com a marca das instituições apoiadas e o valor cobrado de matrículas e mensalidades de pós-graduação lato sensu nas universidades federais. Segundo reportagem da Exame, haveria ainda a previsão de R$ 33 bilhões de fundos constitucionais, R$ 17,7 bilhões de leis de incentivos fiscais e depósitos à vista, R$ 1,2 bilhão de recursos da Cultura, como a Lei Rouanet, e R$ 700 milhões da utilização do espaço público.
A rentabilidade ficaria disponível para o financiamento, e as universidades submeteriam projetos para concorrer aos recursos por meio de três eixos: gestão, governança e empreendedorismo; pesquisa e inovação e internacionalização. “A educação brasileira pode ser um produto de exportação”, afirmou o secretário de Educação Superior do MEC, citado em reportagem do G1.
Representantes do MEC também querem implantar o modelo de Organizações Sociais (OS) para cuidar de serviços como limpeza e segurança – neste caso, as verbas não contariam para efeito do teto constitucional de gastos públicos. Conforme apuração da Adufrj, o governo pretende editar um ato normativo sobre o tema até fim de agosto.
Manobra para privatização
No Manifesto de Alerta em Defesa do Ensino Superior Público e Gratuito, aprovado pelos docentes que participaram do 64º Conad e assinado por várias entidades, o ANDES-SN aponta que o projeto é um profundo ataque à universidade pública, ferindo sua autonomia e impondo categoricamente a privatização. A entidade conclama todos a aderirem à Greve Nacional da Educação, que está sendo organizada em parceria com a CNTE e com as centrais sindicais para o dia 13 de agosto.
O presidente da entidade, professor Antonio Gonçalves, que participou de protesto em frente ao MEC antes da reunião de apresentação do Future-se, destacou a importância das instituições se posicionarem contra o modelo, que é extremamente prejudicial à educação. “É um pacote que dá a opção para as instituições de ensino superior mudarem o caráter jurídico de autarquia para que possam ser administradas por organizações sociais. Ou seja, significa o rompimento com o caráter público dessas instituições, passando para a iniciativa privada a gestão e a forma de contratação. É a ampliação da privatização e da precarização da educação e do nosso trabalho”, avalia.
Docentes e estudantes agredidos
Docentes do ANDES-SN e estudantes, juntamente com o presidente do Sindicato Nacional, promoveram panfletagem em frente ao Mistério para entregar o Manifesto em Defesa da Educação Pública e Gratuita aos reitores que participariam da reunião do MEC. A manifestação, pacífica e democrática, foi atacada com truculência pela Polícia Militar, que cercou a entrada do Ministério e dispersou os manifestantes com spray de pimenta e agressões. Um estudante foi levado pela polícia.
Reitores pretendem construir avaliação unificada sobre o projeto
Após a apresentação no MEC, reitores foram até a sede da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior (Andifes) para avaliar o projeto. Eles destacaram que é inédita, ao menos na história recente, a apresentação de mudanças na gestão e no financiamento das universidades sem discussão prévia com as direções das universidades. A ideia é, através de grupos de trabalho, avaliar, debater e tomar uma posição unificada.
O presidente da Andifes, Reinaldo Centoducatte, enfatizou que a autonomia universitária é garantida pela Constituição e precisa ser defendida, bem como os valores do ensino público, gratuito e de qualidade. Ressalvou, ainda, que para que as universidades possam discutir a questão adequadamente, seria necessário que estivessem funcionando “dentro de um mínimo de tranquilidade”, e que o governo deveria apresentar um indicativo de solução para o bloqueio de verbas de custeio.
“O contingenciamento leva a uma dificuldade de enfrentar os nossos compromissos enquanto não temos ainda uma sinalização de como vai afetar as universidades. Se tiver o contingenciamento como estabelecido, várias universidades vão ter dificuldade para dar prosseguimento ao ano letivo a partir de agosto”, ponderou Centoducatte, que é reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). “Discutir o futuro é importante, mas temos um presente que ameaça o funcionamento regular”, complementou o 1º vice-presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), João Carlos Salles Pires da Silva.
Leia aqui a íntegra do projeto Future-se.