ERE na UFRGS: relatório da Comissão de Acompanhamento não reflete realidade enfrentada nas unidades

 

Na última quarta-feira (3), finalmente foi publicado o relatório final sobre o Ensino Remoto Emergencial (ERE) durante o primeiro semestre de 2020.  De acordo com a Resolução 25/2020 do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (CEPE), a avaliação deveria ter sido feita antes do final do semestre 2020/1 e servir de base para planejar o semestre atual.

O Relatório considera que “a avaliação geral foi positiva”

O Relatório produzido pela Comissão de Acompanhamento do ERE está embasado, principalmente, em dois instrumentos: um questionário lançado pela Reitoria em outubro de 2020, com o objetivo de colher indicadores sobre as condições pedagógicas e as circunstâncias pessoais de estudo e trabalho da comunidade; e um questionário enviado para as unidades acadêmicas em novembro. Mas os dados coletados e a avaliação construída a partir deles só foram liberados depois do início do novo período – e ainda descrevem um cenário diferente do que docentes, técnicos e estudantes manifestam ter experenciado.

De acordo com a Comissão de Acompanhamento, o relatório indica que “a avaliação geral foi positiva, a adaptação às atividades de ensino foi adequada e a participação discente possibilitou a conclusão das atividades”. Além disso, dá a entender que todas as dificuldades e incontáveis queixas feitas pela comunidade acadêmica seriam “casos isolados”.

A avaliação dos docentes é diferente

Desde o início da discussão sobre a implantação do ERE na Universidade, a Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS se posicionou contra a simples transferência do ensino presencial para o remoto, debateu o formato do ERE e realizou rodas de conversa (aqui e aqui) sobre o assunto. A partir da divulgação do relatório de avaliação, o ANDES/UFRGS conversou com docentes de diversas unidades, e começa hoje a apresentar comentários que vão na contramão do que foi apresentado no documento.

Música foi uma das áreas mais prejudicadas

Docente do Departamento de Música do Instituto de Artes, a professora Luciane Cuervo comenta que sua área é, provavelmente, uma das mais prejudicadas pela modalidade remota, pois o delay das plataformas e a falta de acesso a equipamentos e aplicativos adequados impedem a prática musical, ainda mais a coletiva síncrona. “Ou seja, a essência da área de conhecimento não é contemplada nesse contexto, e essa exclusão é gritante quando se pensa num kit básico de cultura digital envolvendo o fazer música”, explica a professora.

Sobre aulas e metodologias de ensino, a professora Luciane avalia que não houve apoio suficiente da Universidade nesse sentido, porque as demandas de produção audiovisual não foram contempladas.

“Quando a pesquisa diz que ‘o tempo utilizado para a realização das atividades foi percebido como igual ao presencial para 59% dos docentes’, realmente causa uma estranheza. Eu, como docente experiente em EAD com mais de dez anos de atuação, sei que as noções temporais são muito diferentes nessas modalidades (presencial e EAD), diferenças que se acentuaram ainda mais no ERE. Isso porque, somado à súbita mudança de ambiente e natureza das atividades, houve ainda abalo emocional e precarização de renda, entre outros problemas advindos da pandemia. A área cultural sofreu muito, sendo a primeira a parar e possivelmente última a retornar, contudo o apoio a esse corpo discente não se mostrou consistente, o que se reflete também na evasão, dificuldade de acesso e no prejuízo do desempenho acadêmico das turmas”, ressalta.

Restrições às atividades na Biociências

No Instituto de Biociências, a adaptação ao ERE foi um desafio muito grande, uma vez que grande parte das aulas envolve atividades práticas e laboratórios. A professora Laura Verrastro, do Departamento de Zoologia, conta que houve impacto na diversidade de atividades que podem ser ofertadas, bem como na experiência adquirida pelos alunos.  “Sem dúvidas, não é a mesma coisa para a formação a substituição de atividades práticas e de campo.”  Em pesquisa interna realizada na unidade, 56% dos respondentes contaram estar enfrentando dificuldades em relação à saúde mental, o que Laura considera preocupante. “Foi constatado por muitos professores a desistência de alunos nas disciplinas ao longo do semestre 2020/1. Alguns alunos não conseguiram realizar seu TCC já que previa atividades de campo e laboratório. Também muitos alunos não realizaram o estágio obrigatório.”

A íntegra dos relatórios da Comissão de Avaliação do Ensino Remoto Emergencial está disponível aqui.

Escola de Administração fez levantamento próprio

Enquanto a Reitoria não liberava os resultados gerais, a Escola de Administração da UFRGS realizou levantamento por conta própria. Voltado aos estudantes, os dados demonstram que um terço dos entrevistados considerou regular a experiência com o Ensino Remoto. Paulo Abdala, chefe do Departamento de Ciências Administrativas, relata que, para os docentes, também houve dificuldades. “Além do cansaço e do estresse, muitos relataram problemas para acessar o aluno, acompanhá-lo, e estabelecer um nível de cobrança – afinal, operamos sobre uma determinada régua, e ela foi aliviada.”

Em relação ao relatório da Comissão de Acompanhamento, o docente comenta que esperava mais análise de dados e menos pesquisa de opinião. “Enquanto o sistema bloqueia algumas informações para a gente, como cancelamentos de disciplinas, a Reitoria tem acesso a estes dados. Imagino que a opção de não usá-los se deu porque contariam uma história diferente.”

A Faced também realizou levantamento interno, conforme noticiado aqui, e ainda prepara um comparativo entre os resultados na unidade e os gerais.

Em outras edições, o boletim InformANDES na UFRGS trará novos dados sobre o assunto.