ERE: docentes correm contra o tempo para adaptar conteúdos e rotinas

 

A adaptação ao Ensino Remoto Emergencial (ERE) adotado pela UFRGS tem exigido esforço por parte das e dos docentes. Além do ajuste dos conteúdos às plataformas virtuais, professores e professoras precisam aprender a manipular softwares, rever rotinas em meio ao confinamento e à falta de estrutura e correr para cumprir os prazos impostos no cronograma definido pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE).

Conforme aprovado pelo Consun em 27 de julho, as atividades remotas de ensino iniciam-se nesta quarta-feira (19), menos de 20 dias depois da implementação do sistema emergencial. Para docentes, foram apenas dez dias corridos para adaptação dos planos de ensino a partir das recomendações da resolução 25/2020 do CEPE. “Recebemos a orientação de não alterar os conteúdos ministrados, o que, do ponto de vista prático, se torna impossível, porque não teremos o mesmo contato e vai ser muito difícil acompanhar o que os alunos estarão absorvendo e, de fato, compreendendo”, comenta a professora do Departamento de Filosofia Priscilla Spinelli.

A docente explica que ela e colegas da unidade optaram por não avançar com a mesma profundidade nos materiais. “Em conversas informais entre colegas de departamento, falamos em ter mais paciência com a gente mesmo, pois muitos não dominam a maioria dos equipamentos. Alguns estão bastante assustados, e nem estou falando dos alunos, entre os quais devem ter alguns desesperados sobre como tudo vai funcionar”, relata.

Na visão do professor Geraldo Luis Gonçalves Soares, chefe de Departamento de Botânica, as dificuldades de estrutura e a falta de experiência com as tecnologias fazem do ERE excludente, tanto para docentes quanto alunos. “O tempo para processo de adaptação não foi suficiente para a aquisição dessa experiência”, lamenta.

Na Escola de Administração, pesquisa apontou que aproximadamente 25% dos docentes não dispõem de espaço adequado em casa para a realização das atividades remotas. “Praticamente o mesmo número afirmou não saber gravar vídeos com boa qualidade por conta própria, e estamos falando de uma unidade com trajetória de atividades EAD”, analisa o professor Paulo Abdala, chefe do Departamento de Ciências Administrativas. Além disso, entre 20% e 25% dos alunos da unidade indicaram a possiblidade de trancar o semestre. “Estamos esperando uma evasão bem grande, infelizmente. E sabe-se lá como vai ser o aprendizado de quem ficar”.

A sobrecarga das chefias de Departamento é outro ponto mencionado por docentes da Universidade. “Eu tive muitas dificuldades com o SEI, que é um sistema pouquíssimo intuitivo. A atualização dos planos deveria ter sido feita direta no Portal da UFRGS, como de costume, apenas com a inserção de adendos aos planos existentes”, comenta o professor Geraldo Luis Gonçalves Soares.

Assim como ele, o professor Tiago Martinelli, chefe de Departamento de Serviço Social, critica o “atropelo” imposto pela Resolução do CEPE, que implicou a organização de Departamentos e Comissões de Graduação para atender e garantir com responsabilidade o ensino na Universidade. “O processo de implantação do ERE demonstra mais uma vez a importância e o comprometimento dos/as professores/as em adequar seus planos de ensino, ainda que em um prazo exíguo. Além disso, cabe destacar o empenho e a agilidade dos técnico-administrativos no suporte essencial para o andamento dos processos, bem como a importância destes servidores nas diferentes instâncias, para a comunidade acadêmica”.

Desigualdade potencializada

O professor Basilio Santiago, do Departamento de Astronomia, lembra que o sistema remoto, apesar preservar a saúde física da comunidade acadêmica, restringe ainda mais a possibilidade de estudo de alunos em condições socioeconômicas desfavoráveis. “Nunca houve isonomia entre os estudantes (ou mesmo entre docentes e técnicos), e o ambiente universitário reflete essa realidade social. Mas a pandemia transferiu o ambiente acadêmico, a sala de aula, a biblioteca, os laboratórios de ensino e informática, formalmente acessíveis a todos os estudantes na UFRGS em tempos normais, para a casa onde cada um vive, com toda a disparidade de condições que isso acarreta”, pontua.

Neste contexto, avalia o professor, a opção pelo ERE representa um agravamento. “Vejo que esse semestre-ano está sendo de muito trabalho e de sacrifício. Ainda mais porque vem somado a todas as outras mudanças impostas pela situação: mais tempo dentro de casa, mais tarefas domésticas, mais convívio forçado com menos pessoas, insegurança quanto ao futuro, tanto na vida pessoal quanto profissional”, alega o docente.

“Temos que ser capazes de nos orgulhar do que estamos fazendo em 2020/1, professores, estudantes e técnicos, tanto quanto de nos preocupar com os que foram ainda mais marginalizados no processo. Gravar aulas, redigir notas de aula num nível de detalhe muito maior do que necessário para aulas presenciais, investir tempo em ambientes virtuais de aprendizagem, disponibilizar todo o material nesses ambientes, organizar chats, fóruns, listas de problemas e atividades remotas, tudo isso se torna parte dessa nova rotina”, acrescenta.

O professor Antonio Dalmolin,do Departamento de Ensino e Currículo da Faculdade de Educaçã (Faced) e diretor do ANDES⁄UFRGS, conta como as desigualdades são ainda mais profundas no contexto dos estágios na licenciatura em educação do campo: “o principal desafio no contexto do estágio de docência na licenciatura foi planejar as atividades sem o completo desenho do cenário. As indefinições sobre a parte prática do estágio, nos espaços educativos escolares e não escolares, resultantes desse contexto pandêmico, produziram inúmeras dúvidas operacionais no âmbito do ERE na UFRGS, no contexto do  Ensino Remoto nas Escolas Públicas e suas possibilidades de articulação, bem como os necessários tempos de adaptação das comunidades escolares e universitárias à esta nova realidade”. Dentre algumas incertezas, Antonio menciona que “não sabemos como os estagiários poderão contribuir nesse momento, nem mesmo se terão acesso às plataformas das escolas. Além disso, vários alunos não têm internet onde moram”.

Uma das questões que, em geral, não é considerada, segundo Antonio, é ambiental: “muitos compartilham materiais e equipamentos com outras pessoas da casa, têm filhos, cuidam de idosos”, complementa.

Impactos na educação

O professor Tiago Martinelli frisa que as condições de trabalho não podem ser banalizadas no modo emergencial. “Não podemos deixar de mencionar as dificuldades de docentes, técnicos/as e discentes em conciliar o trabalho em casa com os cuidados familiares, domésticos e de saúde. A estrutura necessária para preparar e ministrar aulas não pode ser reduzida”, alerta.

“Além disso, as ações de extensão e projetos de pesquisa continuam em andamento, ainda que muitos com limitações para as saídas de campo, coletas de informações e implicações com os sujeitos participantes dos estudos. O momento de excepcionalidade requer estrutura para as diferentes atividades, e isso deve ser levado em conta quando se trata de educação”, acrescenta.

“Sobretudo para quem tem filhos ou algum familiar em grupo de risco, ajustar a rotina se torna um grande desafio, pois quando estamos o tempo todo em casa não temos como fugir das demandas pessoais”, lembra a professora Priscila, prevendo incluir seu filho, de dois anos, na nova dinâmica. “Não podemos buscar um ambiente esterilizado da situação familiar dentro de casa. Eventualmente vai aparecer bagunça, pets, crianças. Se vai funcionar ou não, só experimentando para saber.”

Organização em pouco tempo

“Estamos percebendo que os estudantes não vão aderir, e vamos ter que seguir um semestre precário que vai gerar um impacto astronômico no futuro – sendo q já não se tem estrutura para abarcar o que habitualmente se oferta”, antecipa Abdala.

Com 76 docentes e duas Comissões de Graduação (Comgrads), na Escola de Administração foram aprovados 69 planos de ensino em uma semana. Na visão do chefe de Departamento, o trabalho resultou de uma organização realizada por iniciativa própria. “Sentimos muita dificuldade, acho que como todos que se envolveram no processo, com a demora na Reitoria em dar diretrizes claras e informar sobre processos”, afirma o docente.

Apesar da correria envolvendo as disciplinas ofertadas a mais de 100 turmas, o docente aponta conquistas. “Foi um processo difícil em tempo exíguo, praticamente absurdo, e conseguimos, contando com a ajuda dos técnicos do setor acadêmico. Também vejo que a universidade está melhorando em questão de processos. Essa dor toda nos fez nos fez perceber que podemos ser muitos mais ágeis, sem perder a noção dos controles e preceitos burocráticos que devemos seguir e tornando a burocracia mais eficaz. O que vem a partir de agora, não sabemos.”

Geraldo Luis conclui que “o processo de adaptação ao ERE não deu tempo para a aquisição da experiência com as tecnologias necessárias”.

Nesta terça-feira (18), às 14 horas, o ANDES⁄UFRGS promove uma Roda de Conversa para tratar sobre o processo de adaptação ao ERE. A Assessoria Jurídica da Seção Sindical estará presente para abordar as dúvidas de docentes. A atividade acontecerá no MConf e estará acessível em mconf.ufrgs.br/webconf/andesufrgs.