Uma portaria publicada na última quarta-feira (18) pela Capes alterou os critérios de distribuição de bolsas para programas de pós-graduação. A Portaria 34, datada de 09 de março de 2020, amplia os cortes já realizados anteriormente em função de novas regras a respeito da concessão de bolsas, e terá forte impacto nas universidades de todo o país.
A Capes informou seguir orientação do Ministério da Educação (MEC) para redefinir pisos e tetos das bolsas, afetando todos os cursos com notas 3, 4 e 5. As bolsas de conceito 6 e 7 não serão afetadas, pois são administradas diretamente pelos programas de excelência.
Entidades de pós-graduandos exigem revogação e coletam assinaturas
Diversas entidades representativas criticaram a medida e exigem revogação imediata, visto que o processo de distribuição de bolsas já havia sido discutido com a comunidade acadêmica. A Associação de Pós-Graduandos da UFRGS (APG-UFRGS) emitiu nota em que “se manifesta contrária a alteração no modelo de fomento, por entender que a medida não resolve os problemas reais dos pós-graduandos e pós-graduandas, como a falta de reajuste desde 2013 e a redução incessante de bolsas e de verbas para a ciência desde o governo Dilma.” A manifestação da APG-UFRGS ainda salienta que “ao premiar cegamente a taxa de titulações, a CAPES concentra ainda mais as verbas em programas maiores e mais consolidados, e caminha em direção contrária à descentralização da pós-graduação, mesmo com o fator que considera o IDH, inócuo tal como está”.
A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) também se posicionou pela imediata revogação da Portaria 34. Em nota publicada na última sexta-feira (20), pede ainda a liberação do sistema para indicação dos novos bolsistas e renovação das já vigentes, e a recomposição de todas as bolsas perdidas em 2019 e o seu reajuste em valor integral.
“A entidade representativa dos pós-graduandos externa sua preocupação com um alerta que a medida prolongará o clima de pânico e desesperança que já existe entre os pós-graduandos e todos que integram o sistema nacional de pós-graduação brasileiro”, afirma a ANPG, prevendo que a norma “aprofundará as desigualdades já existentes entre programas de pós-graduação, áreas de conhecimentos e regiões brasileiras” e ressaltando que vai agravar o cenário de defasagem no orçamento da Capes, que já soma quase 8 mil bolsas perdidas em consequência dos cortes.
A ANPG está coletando assinaturas pela imediata revogação da Portaria 34 da CAPES. Leia e assine aqui o abaixo-assinado.
Universidades denunciam revogação unilateral das portarias anteriores
A norma publicada anteriormente, que estabelecia um teto máximo de corte, foi revogada – e o teto aumentado significativamente.
“Conforme amplamente divulgado pela própria agência, os critérios constantes das portarias 19, 20 e 21 da Capes foram construídos a partir de um profícuo e extenso debate, partindo da compreensão recíproca sobre a necessidade de ajustes diante da escassez de recursos orçamentários e da continuidade da expansão do sistema nacional de pós-graduação”, afirma o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop) em nota.
A entidade critica a revogação “unilateral” das portarias anteriores, sem que o Fórum tenha sido ouvido ou consultado. “Representa uma grave quebra de confiança entre a Capes e toda a comunidade acadêmica da pós-graduação no país”.
“A Capes edita uma portaria com uma sistemática de distribuição de bolsas, minimamente discutida com a comunidade, e, logo depois, sem conversar com esta mesma comunidade, revoga tudo em menos de um mês”, ressalta o pró-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação da Ufpel (PRPPGI), Flávio Fernando Demarco.
Contramão da necessidade de investimentos em pesquisa
A Frente Parlamentar pela Valorização das Universidades Federais também manifestou preocupação com a possibilidade iminente de perda de bolsas nos programas de pós-graduação e defendeu que o contexto atual necessita ainda mais investimento na ciência. “No momento em que o país enfrenta a pandemia da covid-19, a atitude arbitrária da Capes é gravíssima e contrária aos interesses da sociedade, tendo em vista que os pesquisadores têm papel relevante no enfrentamento dessa crise de saúde pública.”
O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeo Moreira, acrescenta que as mudanças podem levar o sistema de pós-graduação brasileiro ao colapso no momento em que mais se precisa da produção científica.
Em ofício ao presidente da Capes, Benedito Aguiar Neto, Moreira alertou para o contrassenso da medida do governo Bolsonaro. “É paradoxal que, num momento em que o Brasil vive situação de extrema dificuldade causada pela pandemia da Covid-19, cujo enfrentamento requer exatamente o fortalecimento de nossa capacidade de produzir conhecimento científico em todas as áreas, sejam feitos cortes nas cotas de bolsas de pós-graduação”.
No documento, o dirigente lembra que, em recente reunião realizada entre Capes e representantes de sociedades científicas, foi discutido o estabelecimento de um canal de diálogo para tratar dos desafios atuais e futuros da pós-graduação brasileira. “Foi criado um Grupo de Trabalho que congrega a SBPC e dirigentes de Sociedades para acompanhar e sugerir diretrizes e políticas. Fomos todos surpreendidos por esta Portaria que não foi discutida com representantes da comunidade científica, com atores institucionais como a Andifes e o Foprop, nem mesmo no Conselho Superior da própria Capes”, lamenta, enfatizando que a “excelência da produção científica depende criticamente da qualidade da gestão elaborada pelos órgãos responsáveis”.