A Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), juntamente com outras 11 entidades acadêmicas, científicas e tecnológicas de todo o Brasil, emitiram carta manifestando repúdio ao projeto de fusão de CNPq e Capes, enviado pelo Ministério da Educação (MEC) ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
A intenção do MEC é transformar as duas agências em uma fundação, que seria gerenciada pela pasta, através de Medida Provisória. “Seria uma medida equivocada sob todos aspectos já que as duas instituições, criadas e desenvolvidas ao longo de mais de seis décadas, têm missões bastante claras e complementares, que funcionam como pilares do sistema educacional e científico do País”, alertam as entidades, explicando que a coexistência da Capes e do CNPq é fundamental para o desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental. “Alterar essas estruturas é fragilizar um dos alicerces – talvez o mais importante deles – de sustentação do Brasil contemporâneo que mira um futuro promissor para todos os brasileiros”.
O documento reforça que a Capes e o CNPq são instituições com estruturas, finalidades e objetivos específicos. “Desde que foram criadas, em 1951, receberam missões distintas na construção do Brasil moderno. A missão inicial da Capes se referia exclusivamente à qualificação de profissionais de nível superior, o que resultou na criação e expansão de nosso eficiente e modelar sistema de pós-graduação. Assim, diante de sua eficiência na organização dos níveis mais sofisticados de ensino, a Capes recebeu, poucos anos atrás, duas novas missões: ajudar na qualificação dos professores da nossa educação básica e na solidificação do ensino a distância no Brasil. Em síntese, a missão da Capes é fomentar a qualificação de recursos humanos em praticamente todos os níveis do sistema educacional brasileiro”, resume a carta.
“Já a missão do CNPq, desde sua criação, é fomentar projetos de pesquisa científica, de modo a contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico do País. Mais recentemente, incluiu entre seus objetivos contribuir também para a promoção da inovação tecnológica e social, visando expandir as atividades de ciência e tecnologia para o ambiente empresarial e para a melhoria das políticas públicas”.
Críticas até no governo
A fusão também enfrenta oposição do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), ao qual está vinculado o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). O ministro Marcos Pontes publicou em rede social: “A posição do MCTIC é contrária à fusão, pois seria prejudicial ao desenvolvimento científico do país. Existe algum sombreamento de atividades e pontos de melhoria na gestão. Esses problemas já estão sendo trabalhados no CNPq.”
Para Roberto Muniz, presidente do Sindicato Nacional de Gestores em Ciência e Tecnologia e presidente da Associação de Servidores do CNPq, a crise orçamentária tem provocado o surgimento de ideias que não resolvem a questão. “O governo está com um movimento para redirecionar todo o sistema de ciência e tecnologia, reduzi-lo drasticamente, e mudar o foco só para pesquisa aplicada, que gere recursos e lucros”, analisa, frisando que se trata de um risco para a soberania nacional, “porque sem produzir conhecimento básico o país fica refém dos países que produzem esse conhecimento”.
O MEC informou que a decisão final de fusão das agências depende do presidente Bolsonaro. A Medida Provisória é um instrumento que acelera a tramitação no Congresso. Com força de lei, é adotado pelo presidente em casos de relevância e urgência. O atraso na apreciação pode trancar a pauta de votações.
Pesquisa sucateada
O plano de fusão do governo Jair Bolsonaro avança em meio a uma crise financeira que ameaça o pagamento de bolsas e a continuidade de grandes projetos científicos. Por causa de bloqueio de recursos, a Capes já cortou 7.590 bolsas de pesquisa – o equivalente a 8% do que havia no início do ano. Mesmo após descontingenciamento, o órgão ainda enfrenta um congelamento de R$ 549 milhões no orçamento de 2019.
O órgão ainda perde metade do orçamento em 2020, segundo proposta encaminhada ao Congresso pelo governo: sai de R$ 4,25 bilhões, segundo o valor autorizado para 2019, para R$ 2,20 bilhões no ano que vem (o MEC afirma que já garantiu mais R$ 600 milhões , e a Capes tem tentando convencer deputados a construir uma emenda parlamentar de mais R$ 300 milhões).
Com relação ao CNPq, o orçamento de 2019 já foi aprovado com a previsão de recursos insuficientes. As contas vencidas no mês passado e neste mês foram pagas com recursos garantidos de última hora, e a entidade ainda precisa de R$ 250 milhões para garantir o pagamento das bolsas no início de novembro e de dezembro.
Para pagar bolsistas neste mês, o CNPq remanejou recursos da área de fomento à pesquisa, que financia empreendimentos como o Sirius – máquina mais cara e sofisticada da ciência brasileira. Trata-se de um acelerador de partículas, localizado em Campinas (SP), que possibilitará a visualização em altíssima resolução de estruturas de vírus e proteínas (em busca de novas vacinas), de solo (com a ideia de aprimorar fertilizantes) e de rochas e de novos materiais (para melhorar a exploração de gás e petróleo), entre outras aplicações. Quando estiver pronto, colocará o país na vanguarda das pesquisas com esse método.
De acordo com o Ministério, o desbloqueio de recursos é necessário para o início da operação de seus três aceleradores e para o funcionamento completo das 13 linhas de luz do Sirius em 2020.