A decisão do governo federal de tirar do ar as informações sobre casos e mortes por Covid-19 teve ampla repercussão negativa durante o último final de semana (6 e 7/6). Entidades científicas de diversas áreas se juntaram ao coro de repúdio, lamentando os impactos da medida.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) emitiram nota frisando a importância dos dados epidemiológicos para a análise científica e o combate à pandemia. “É, portanto, indispensável e urgente que sejam restabelecidas a transparência e a clareza na divulgação dos dados, em tempo real, para a população e para o mundo”, afirma o texto, subscrito ainda pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
“A subtração e a manipulação de dados não mudam a realidade. E não aliviam o peso de milhares de mortes sobre aqueles que preferirem a ficção à ação, abdicando de seu dever de proteger a saúde da população”, acrescentam as entidades.
“A tentativa autoritária, insensível, desumana e antiética de dar invisibilidade aos mortos pela Covid-19, não prosperará”, repreendeu o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), que lançou no domingo (7) um portal paralelo para divulgar os dados, computados a partir dos boletins regionais habitualmente enviados ao Ministério da Saúde.
A Sociedade Brasileira de Infectologia também se posicionou publicamente contra a postura do governo Bolsonaro. “É fundamental que em uma pandemia de tamanha magnitude tenhamos os números reais. Somente com informações epidemiológicas confiáveis será possível a avaliação das medidas atuais e o planejamento de ações para combater a propagação do novo coronavírus, que vem causando danos avassaladores no mundo e especialmente no Brasil!”, frisa a nota.
“Não é uma estratégia adequada dificultar o acesso”, pondera o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina no Estado (Cremers), Eduardo Trindade, em reportagem de Gaúcha ZH.
Obstáculos e Inconstitucionalidade
Desde que o general Pazuello assumiu a pasta da Saúde – o terceiro ministro desde o início da crise sanitária –, a divulgação diária de novos casos de coronavírus começou a ser feita às 19h e não mais às 17h. A partir do dia 3, a liberação desses dados passou para depois das 22h, até a retirada completa do ar do canal que reunia as informações, na sexta-feira (5).
Um dia depois, o site oficial do governo federal foi reativado, mas não exibe mais o número acumulado de casos e mortes por Covid-19. Também foi eliminada a aba que exibia informações sobre as internações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG), que, na falta de testes para detectar a Covid-19, ajudam a entender o aumento de casos da doença.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) lembra que as medidas “contrariam a Constituição Federal, a Lei de Acesso à Informação, as boas práticas de transparência pública reconhecidas internacionalmente e evidenciam, mais uma vez, o espírito antidemocrático do governo de Jair Bolsonaro”.
Em nota, a Associação condena a “tentativa de impor obstáculos às atividades jornalísticas através da ocultação de informações de interesse público” e apela aos demais poderes da República para que fiscalizem e punam eventuais atos de improbidade administrativa.
“A manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários. Tenta-se ocultar os números da #Covid19 para reduzir o controle social das políticas de saúde. O truque não vai isentar a responsabilidade pelo eventual genocídio”, reclamou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, no Twitter.
Segundo informações divulgadas pela imprensa, a Defensoria Pública da União (DPU) ingressou com um pedido de liminar na Justiça Federal de São Paulo para que o Ministério volte a divulgar integralmente as informações sobre a pandemia. Além disso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou ter feito um “apelo” ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira. Já o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), afirmou que estuda propor um horário limite para que os Estados e o Governo federal divulguem os dados.
Segundo a universidade norte-americana Johns Hopkins, referência em acompanhamento sobre a doença no mundo que chegou a excluir o Brasil do balanço global no sábado (6), o país ocupa o segundo lugar no ranking internacional de casos e terceiro no de óbitos.
O site do Conass aponta que, até as 16h30 de domingo, o Brasil já registrava 680.456 casos confirmados e 36.148 óbitos pela Covid-19.