Encerrando o semestre, conceito NI desperta preocupação e dúvidas entre docentes

 

No encerramento do primeiro semestre letivo de Ensino Remoto Emergencial (ERE), algumas dúvidas sobre esse regime didático ressurgem. Uma delas é o impacto da atribuição do registro NI (Não Informado) quando da apropriação dos conceitos, cujo prazo era quarta-feira (2).

Até então usado em casos excepcionais, o NI ganhou uma nova especificidade com a Resolução nº 25 de 2020 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe). A Resolução suspende a reprovação por falta (FF) enquanto durar o ensino remoto e prevê que “para os estudantes matriculados até o final do período e que deixaram de participar da Atividade de Ensino, deverá ser atribuído o registro NI (Não Informado) no campo de conceito do sistema acadêmico”. É importante destacar, como aponta a Resolução, que o NI não é um conceito, mas um registro de que o estudante terá seu conceito atribuído após o fim do semestre letivo corrente, quando cumprir as atividades avaliativas que ficaram pendentes.

O problema, apontam docentes, é que não está claro como será o tratamento desse recurso, pois usualmente cabe ao professor proporcionar acompanhamento aos estudantes que estiverem com NI. Mas a Resolução nº 25 de 2020 é vaga quanto a isso, e não há orientações a respeito por parte da Administração Central.

Impacto para docentes e estudantes

“Para docentes, o impacto será enorme, inclusive em relação a sua carga de trabalho, já que, na prática, quando atribui conceito NI, o semestre ‘não acaba’, mesmo que o período seguinte já tenha iniciado”, analisa o professor Dilermando Cattaneo da Silveira, coordenador da Comgrad de Licenciatura em Geografia do Campus Litoral Norte (CLN).

Ele considera que a suspensão do FF foi uma demanda legítima e importante do movimento estudantil e das representações discentes no Cepe, já imaginando que haveria um grande número de desistências e muitas dificuldades em acompanhar as aulas. Mas o mesmo vale para a possibilidade de excluir a matrícula a qualquer momento durante o semestre – inclusive uma semana após o final das aulas, o que pode ser um caminho mais organizado para todos os envolvidos. No entanto, há algumas considerações sobre o NI.

“O NI pode ser, por vezes, ‘prejudicial’ ao estudante, já que ele não pode se matricular novamente na disciplina (afinal, continua matriculado), e seu semestre ‘não termina’. Para formandos, isso significa que não irá se formar (o sistema continua aberto)”, acrescenta.

No caso de alto índice de NI, não fica claro como “encaixar” aqueles que ficaram pra trás.  “Em uma turma, por exemplo, vi que já havia 18 registros de NI. Esse professor vai ter as disciplinas do semestre seguinte e uma carga horária represada com alunos anteriores, sendo que vários nem fizeram nada no semestre. É muito complicado”, avalia Paulo Abdala, chefe do Departamento de Ciências Administrativas, da Escola de Administração.

Na Unidade, houve um esforço entre docentes para conscientizar os alunos sobre as consequências desse sistema, incentivando que cancelassem a matrícula para retornar quando fosse possível ou do interesse, em vez de deixar pendente. “Tentamos minimizar o problema, mas acredito que vamos chegar a centenas de NI, com essa dificuldade para resolver no futuro”, prevê.

Para dar ideia do volume de discentes nesta situação, na Licenciatura em Educação do Campo – Ciências da Natureza, da Faculdade de Educação (Faced), o impacto de NI está em torno de 10% dos matriculados em 2020/1. Conforme Antonio Marcos Teixeira Dalmolin, coordenador da Comgrad deste curso e diretor do ANDES/UFRGS, será proposto no Departamento um cronograma para realização das atividades pendentes em 2020/2.

Outra incerteza está na carga horária, visto que o trabalho docente será multiplicado com o acompanhamento dos alunos em NI. “Muitos professores têm me questionado se a Universidade vai compensar isso, o que acho difícil”, comenta Abdala.

Decisão imprecisa

Saber discernir entre quando deve ser aplicado o NI ou o D é um desafio para quem ministra aulas à distância, especialmente porque professores e professoras também estão sofrendo os efeitos da pandemia e do isolamento social.

“Os professores estão com os nervos à flor da pele, sobrecarregados, ainda mais com a chegada da segunda onda da Covid-19. Entendo que os alunos tenham problemas de acesso, mas os professores também têm”, pondera Geraldo Luís Soares, Chefe de Departamento de Botânica.

A questão é saber se de fato o estudante cursou a disciplina até o final, não obtendo as notas mínimas para ser aprovado – o que justificaria o conceito D – , ou se não pôde ou não quis mais acompanhar a disciplina – o que seria a condição para o registro NI. “Ou seja, é uma situação muito complexa, que envolve várias dimensões, que implica sobrecarga de trabalho docente, e que, na minha avaliação pessoal, é um dos ‘furos’ da resolução que institui o ERE”, comenta o professor do Instituto de Biociências.

“Não tem métrica clara para definir esse critério – apenas o feeling do professor”, lamenta Soares, lembrando que recebeu muitas dúvidas por parte dos professores, que acabam se decidindo pelo D. “O NI onera o docente, as Comgrads e os departamentos, sem exibir um benefício óbvio para o aluno”.

“Parece razoável considerar a reprovação no caso em que o estudante não realizou quaisquer atividades ou um mínimo razoável que justifique a aprovação”, acrescenta Marcus Basso, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática da UFRGS (PPG-EMAT).

Desigualdades

A liberação do NI aconteceu mediante reivindicação das representações discentes no Cepe, amparadas nas desigualdades socioeconômicas observadas entre os estudantes – potencializadas na pandemia. “É uma garantia para o estudante que porventura não teve condições objetivas, materiais ou subjetivas de acompanhar o Ensino Remoto Emergencial de agosto a dezembro de 2020. Certamente vai nos apontar os desafios desta modalidade de ensino, pelas condições desiguais de acesso ao ensino e de estudo, que resultam das desigualdades estruturais da sociedade”, afirma Mailiz Garibotti Lusa, coordenadora do Curso de Serviço Social.

A preocupação com atribuição de NI já havia sido registrada por docentes em Roda de Conversa organizada pelo ANDES/UFRGS. Não há informações sobre o número de alunos deixaram de participar do semestre em ERE ou que tiveram registro NI.