Contrariando demanda dos segmentos discentes e técnico-administrativos em educação, além de número crescente de docentes, o Conselho Universitário da UFRGS (Consun) deliberou, em sessão com mais de dez horas de duração realizada nesta terça-feira (16), por um assento eleitoral que atribui aos docentes 70% do peso na eleição para reitor, como ocorreu em 2012 e em 2016.
Na proposta alternativa, a consulta seria paritária, atribuindo o mesmo peso a docentes, estudantes e técnico-administrativos em educação. Para viabilizar a paridade, e considerando a legislação em vigor, a consulta seria informal, isto é, convocada pelas entidades representativas dos segmentos, seguindo regramento geral estabelecido pelo Consun.
A decisão foi tomada por estreita maioria. Dos 75 conselheiros presentes, 41 votaram pelo sistema dos 70-15-15, 32 votaram pela paridade, e 2 se abstiveram. A comunidade da UFRGS, entretanto, não sabe como votou cada conselheiro; o encaminhamento foi decidido em uma curiosa e insólita sequência de votações secretas.
Entenda as excepcionalidades regimentais
Usualmente, as votações no Consun são simbólicas, com mãos levantadas. Se um quinto dos conselheiros solicitar, o voto deverá ser nominal, com a chamada de cada conselheiro para declarar seu voto. O voto secreto é aplicado apenas em eleições de comissões.
Entretanto, em tempos de isolamento social, as reuniões são virtuais, no ambiente Mconf, e a maioria das votações são feitas pelo recurso “enquete” que é, na prática, um procedimento de voto secreto. Na sessão do dia 16, nos termos do Regimento do Consun, mais de 1/5 dos conselheiros solicitaram a votação nominal. Ao invés de encaminhar o pedido, o presidente do órgão, reitor Rui Vicente Oppermann, submeteu o encaminhamento a uma votação em enquete, ou seja, secreta. Na enquete, uma maioria de 40 conselheiros rejeitou o voto nominal; isto é, em voto secreto decidiram usar o voto secreto também para definir o sistema de eleição para reitor.
“O presidente articulou para que as votações fossem secretas em descumprimento ao regimento interno do Consun, uma vez que esse regime não havia sido solicitado por 1/5 dos presentes”, denuncia Charles Florczak Almeida, coordenador Geral da Assufrgs. “Com o voto secreto, os conselheiros puderam se esconder atrás da cortina sem receio de terem que responder por seu posicionamento antidemocrático para as comunidades que representam”, condena.
Na visão de Almeida, as deliberações deixaram claro que o debate sobre a paridade não se deve a entrave legal ou cautela para evitar uma intervenção do governo federal, como alegaram alguns membros do Conselho. “Estávamos discutindo e votando como a Universidade reconhece a sua própria comunidade, qual a importância que a instituição reconhece em seus técnicos, estudantes e docentes. Mais uma vez – e foi a terceira vitória consecutiva do conservadorismo! –, o Consun tomou o caminho de conservar o poder na mão de uma minoria”, lamenta o coordenador Geral da Assufrgs.
Em defesa da democracia
A Assufrgs, o ANDES/UFRGS, o DCE e a APG vêm realizando intensa mobilização em defesa da representação legítima como forma de combater medidas autoritárias. “Se há um risco de intervenção do governo federal, isso não pode ser respondido com fomento ao medo, e sim com a afirmação da autonomia universitária e com a unidade da comunidade em defesa de uma nomeação que respeite os processos internos de escolha. A democracia, sendo a paridade seu instrumento, é a forma de garantir a participação de toda a comunidade nas decisões e na defesa da Universidade” analisa Almeida.
Em 10 de junho, nota conjunta das entidades frisava que a “decisão do Consun tem que estar de acordo com os anseios do conjunto da comunidade universitária e não apenas da parcela cada vez menor de um segmento”.
Disparidade prejudica a representatividade
Agravando a disparidade da proposta apresentada pela comissão do assento eleitoral, o conselheiro Danilo Blank, professor da Faculdade de Medicina, propôs, em destaque, que fosse adotada fórmula que multiplica o peso de cada segmento pelo percentual de comparecimento na consulta. A fórmula, também aprovada em enquete, reduz o peso do voto dos estudantes, que chegam a mais de 30 mil votantes habilitados e têm mais dificuldades de participar do processo.
“Os discentes são maioria na universidade, recebem bolsas precárias, fazem com que o ensino, pesquisa e extensão da UFRGS sejam reconhecidos como os melhores do Brasil e, mesmo assim, os docentes deliberaram que o nosso voto vale bem menos”, critica Victória Maciel Farias, representante discente no Consun. “Os representantes precisam defender o que os seus representados querem, não interesses individuais”, acrescenta a estudante, repudiando manobra da Reitoria, que apresentou um parecer de advogado da União junto à Universidade que orientava à manutenção do sistema vigente. Isso foi feito sem envio prévio aos conselheiros, inclusão de pauta, nem deliberação no plenário.
“O reitor omitiu esse parecer na convocação da reunião e só deu conhecimento ao plenário durante a sessão, numa jogada maniqueísta”, continua Charles, lembrando que Opperman é pré–candidato à reeleição – e que não teria sido vencedor da consulta anterior se ela fosse paritária.
Um posicionamento que chamou a atenção de quem acompanhou a sessão foi do professor Jairo Bolter (CLN). Apesar de ser professor da UFRGS, Bolter participa de sessões do Consun como representante do Cpers Sindicato, que ocupa vaga da Comunidade (Entidades de Trabalhadores). Ele defendeu em plenário a manutenção da disparidade na consulta para eleição do reitor e a aplicação de redutor aos votos dos discentes, em atitude que contrasta com o histórico de lutas dos professores estaduais.
Universidade é construída por docentes, estudantes e técnico-administrativos
“Estamos há muito tempo discutindo a democracia interna na universidade, porém, quando se vai para votação, o poder docente se concentra como o definidor das linhas da universidade”, critica a professora Liliane Giordani, da Faculdade de Educação e representante docente no Consun. Ela lembra que todos, seja na graduação, na pesquisa, na extensão ou na gestão, compartilham uma rede de trabalho com os colegas servidores técnicos-administrativos, e que a carreira docente só existe na universidade pela presença dos alunos. “O próprio Consun não funcionaria se não fosse sua secretaria”, esclarece a conselheira, se dizendo envergonhada “pela postura e pelo discurso da mesa em nome de uma falsa legalidade”, que levaram a Universidade a perder “uma grande oportunidade de avançar”.
O calendário aprovado confirmou a Consulta à Comunidade Acadêmica para 13 de julho, primeira vez em que a UFRGS terá um processo de eleição totalmente virtual, em função da pandemia de Covid-19. Sobre isso, “cabe lembrar que diversos estudantes não possuem acesso à Internet para votar no próximo dirigente da UFRGS”, pontua Victoria.
Mobilização mantida
Apesar dos resultados antidemocráticos da sessão, conselheiros que defendem a paridade encaram com otimismo as consequências. Conforme a professora Liliane, houve afirmação de que, para uma universidade paritária, é necessária uma alteração estatutária do regimento do Conselho. “Firmado este compromisso, na próxima sessão já pautaremos uma mudança estatutária para que possamos avançar rumo a uma universidade plural, colorida e participativa”, antecipa a docente.
“Posso citar como algo de positivo da reunião a unidade que conseguimos entre estudantes, docentes e técnicos. Atuamos conjuntamente, defendemos a posição democrática, mostramos que é possível uma nova visão governar a Universidade”, comenta o conselheiro Charles, assegurando que a luta não vai terminar. “Seguiremos fortalecidos e com a convicção que estivemos ao lado da democracia e do futuro combatendo o atraso e o autoritarismo”.
De acordo com o cronograma aprovado pelo Consun, o prazo de inscrição de chapas começa já na quarta-feira (17), e segue até as 18 horas de sexta-feira (19). As campanhas serão permitidas entre 23 de junho e 12 de julho, véspera da consulta, e a reunião do Conselho Universitário para a eleição da lista tríplice a ser enviada ao Ministério da Educação está prevista para 17 de julho. Veja aqui o calendário completo.
O ANDES⁄UFRGS é defensor histórico da paridade, apoiado em debates sobre o tema em sua base e nas deliberações que constam no Caderno 2 do ANDES–SN, as quais apontam para a defesa de eleições e consultas paritárias ou universais nas instituições de ensino. É lamentável que a proporção 70–15–15 e o redutor de votos dos discentes tenham sido aprovados em voto secreto e em uma sessão marcada pelo desrespeito ao Regimento. As regras aprovadas no Consun fazem com que a eleição da UFRGS seja uma das mais retrógradas do país, pior até mesmo do que indica a legislação herdada da ditadura militar.