Em mais uma atitude autoritária, a Reitoria da UFRGS descumpriu o prazo de revogação das mudanças estruturais implementadas arbitrariamente em setembro de 2020, que se esgotava na segunda-feira (12). A anulação das alterações foi deliberada em sessão do Conselho Universitário (Consun) no dia 12 de março, após meses de discussões truncadas e manobras regimentais que dificultaram a manutenção da democracia na instituição.
Como recurso para protelar o cumprimento das determinações do Consun, a Reitoria acionou a representação da Procuradoria Geral Federal na Universidade, O parecer do procurador Álvaro Carrasco, consignado pelo Procurador-Chefe Alexandre Brentano na quinta-feira (8), é evasivo: “não é cabível, além disso, a decretação de invalidação do ato administrativo posto sob apreciação sem a indicação dos seus vícios à luz do ordenamento vigente, mostrando-se apropriada também, antes dessa medida extrema, uma avaliação acerca da possibilidade de convalidação”. Ao mesmo tempo em que reconhece a autoridade do Conselho Universitário, afirmando que é “necessário, por outro lado, manter a estrutura e a competência dos órgãos suplementares e dos órgãos especiais de apoio da Reitoria, nos termos da configuração outrora aprovada pelo Conselho Universitário”.
De acordo com Pedro Costa, presidente da Comissão Especial constituída para analisar o projeto da reforma, trata-se de um expediente já usado por outras gestões, que se valem dessa opção para dizer que, na verdade, não precisam se submeter ao Consun. “Como não existe um regimento interno para a Administração Central – algo previsto no estatuto desde 1996, mas nunca feito -, cria-se um ‘vazio jurídico’. Na prática, significa que não há penalidade para não cumprir, o que dá na mesma”, explica.
Para o professor, está claro que a gestão interventora não quer abrir mão da reforma, “e isso é muito grave”.
Arbitrariedades e descaso
As modificações estratégicas começaram já no primeiro dia do mandato interventor, sem qualquer diálogo com a comunidade acadêmica, e só passaram a ser tratadas pelo Conselho após a autoconvocação de uma sessão extraordinária, em 5 de outubro. “O Consun é o Legislativo da UFRGS e tem a atribuição e a responsabilidade de opinar sobre mudanças estruturais na Universidade”, destaca a professora Marcia Barbosa, representante docente no órgão.
A junção das Pró-Reitorias de Graduação e Pós-Graduação – que, conforme a docente, não existe em nenhuma outra universidade – está entre as alterações a serem desfeitas. “Não vemos evidências deste retorno, o que representa um profundo desrespeito ao Consun e ao voto da comunidade da UFRGS que elegeu seus representantes neste órgão legislativo. Este impasse tende a acirrar a relação já tão frágil entre legislativo e executivo da UFRGS”, avalia a conselheira, que acredita que a incapacidade de dialogar por parte da Reitoria possa levar a uma paralisia ainda maior da UFRGS, “que já se reflete no fato de hoje ainda não termos nem um calendário para o 2021-1 nem uma decisão sobre ingresso de novos estudantes”.
Outro ponto questionado é a criação da Pró-Reitoria de Inovação e Relações Institucionais da UFRGS, que ficou sob comando de Geraldo Pereira Jotz, coordenador não apenas da campanha eleitoral do gestor interventor, Carlos Bulhões, como da intermediação para sua nomeação pelo governo federal.
“Se transformou em um projeto pessoal, sem qualquer embasamento científico. Com isso, se perpetua uma desordem institucional, um descrédito das decisões do Conselho Universitário, um centralismo monocrático na figura do reitor e, especialmente nesse caso, de uma estrutura que não tem a menor justificativa”, critica o professor Pedro Costa.
Em defesa da autonomia
A Comissão Especial apontou uma série de problemas no documento elaborado pela Reitoria para justificar as reformas. Além da falta de diálogo e da apresentação prévia das medidas para o Consun, como previsto estatutariamente, foi destacada a “ausência de dados, justificativas e estudos científicos que apontassem para a possibilidade de efetivas melhorias a partir das mudanças”, relata Pedro Costa.
O parecer recebeu 56 votos favoráveis – inclusive da Vice-reitora interventora, Patricia Pranke –, dez contrários e uma abstenção, definindo pela recomposição da estrutura anterior.
“Ao que parece, os que hoje ocupam as cadeiras no mais alto escalão da Reitoria mimetizam as mesmas posturas de menosprezo pela democracia e a incapacidade administrativa de Jair Bolsonaro, que também se tornou Presidente da República em uma eleição questionável”, analisa Gabriel Focking, representante técnico-administrativo no Conselho.
“Uma universidade de excelência não se constrói e não se mantém baseada em arroubos autoritários, mas sim em um ambiente propício para o debate, com respeito às divergências, pela busca do melhor caminho para uma Universidade Pública que seja referência social, que atenda os anseios do povo brasileiro, que seja atuante no desenvolvimento do país, na erradicação das desigualdades e no combate às opressões”, pontua, conclamando que a comunidade se mantenha unida em defesa de uma Universidade Pública e democrática. “Não podemos deixar que tais agressões se perpetuem. Através de nossas entidades representativas e de nossos representantes no Consun, devemos seguir enfrentando, questionando e impedindo tais desvios desta Reitoria”.
Amanhã (14), ANDES/UFRGS, APG, Assufrgs e DCE se reúnem para discutir a intervenção na UFRGS e o desrespeito da reitoria interventora à decisão do Consun. A Adufrgs foi convidada a participar, mas até o fechamento desta edição do boletim InformANDES na UFRGS, não havia informado sua presença.