Em nota técnica, DIEESE desvenda extinção do Regime Jurídico Único contida na Reforma Administrativa

 

Na última sexta-feira (5), o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (DIEESE) publicou nota técnica acerca da extinção do Regime Jurídico Único e das novas formas de contratação no serviço público, contidas na proposta da PEC 32/2020 – a Reforma Administrativa. Para a entidade, o texto da PEC 32/2020 visa a precarização institucionalizada dos vínculos de trabalho na esfera pública.

As modalidades de contratação que substituem o RJU

A nota do DIEESE explica e avalia as cinco novas modalidades de contratação previstas na PEC 32/2020: vínculo de experiência, como etapa de concurso público; vínculo por prazo determinado; cargo com vínculo por prazo indeterminado; cargo típico de Estado; e cargo de liderança e assessoramento. De acordo com a análise, a PEC traz para a administração pública problemas que hoje são típicos do setor privado – notadamente a rotatividade. “E ainda pior: maximiza a possibilidade de que os interesses privados e de corporações se coloquem acima do interesse coletivo, ao ampliar a figura do contrato por prazo determinado e o leque de destinação dos cargos de liderança e assessoramento, em relação ao que hoje cabe aos cargos em comissão e funções de confiança”.

Entenda cada uma das modalidades previstas na PEC.

Vínculo de experiência

O vínculo de experiência previsto na Reforma Administrativa seria a etapa inicial  do vínculo do servidor concursado. Seria como um período de “teste”, durante o qual o servidor precisará apresentar “desempenho satisfatório” para não perder o cargo. Para os “cargos típicos de Estado” – que não estão definidos no texto -, essa etapa teria duração de dois anos e, para os concursados a “cargo com vínculo por prazo indeterminado”, de apenas um.

Para o DIEESE, além de desfigurar o instituto da estabilidade e fazer isso sem propor definição constitucional para os critérios segundo os quais poderá se dar a perda do cargo, este tipo de contratação traz incerteza quanto ao regime de previdência a que o servidor em período de experiência e que tenha sido contratado por prazo indeterminado estará filiado.

Vínculo com prazo indeterminado

Os servidores contratados com vínculo por prazo indeterminado não terão qualquer possibilidade de conquistar a estabilidade, ainda que a contratação se dê via concurso. Novamente, aparece a questão do “desempenho satisfatório” (cujos critérios serão estabelecidos em lei ordinária), além de incerteza quanto ao regime previdenciário. “Esse tipo de vínculo abre espaço para a queda de produtividade e piora da prestação dos serviços públicos para a sociedade. A ausência de estabilidade levará ao aumento da rotatividade no serviço público, o que pode levar à queda da produtividade, visto que quanto menos tempo um trabalhador permanece em uma função, menos consegue aprender sobre ela e com menor qualidade a executa”, afirma o documento, alertando que também se abre precedente para favorecimentos e perseguições de caráter político, retirando do servidor as condições para que exerça sua função independentemente do governo de ocasião.

Vínculo com prazo determinado

Neste caso, o processo de contratação se dará por seleção simplificada, termo que a PEC 32/2020 não define. Além disso, a proposta insere no texto constitucional situações muito amplas para a utilização desse tipo de contratação na administração pública. Como consequência, avalia o DIEESE, pode haver situações como “em uma possível greve, esse tipo de contratação pode ser utilizada para substituir os servidores públicos grevistas, colocando em xeque a eficácia do movimento reivindicatório”, além da “possibilidade da utilização de critérios de conveniência momentânea para as contratações de trabalhadores e não de interesse de longo prazo da sociedade”.

Cargo típico de Estado

Único vínculo dentro do novo regime jurídico de pessoal que terá a possibilidade de alcançar a estabilidade. Neste caso, as alterações mais significativas estão no que tange à perda do cargo. “A PEC 32/2020 abre a possibilidade para que a perda do cargo ocorra após decisão proferida por órgão judicial colegiado. Esse dispositivo pode causar grandes injustiças, pois pode impedir que instâncias superiores revejam decisões equivocadas”. A proposta ainda insere no texto constitucional “a solicitação de lei ordinária (que não exige quórum qualificado) para a definição dos critérios que serão levados em conta nos procedimentos de avaliação dos servidores. Isso significa a possiblidade de que seja mais facilmente aprovada ou modificada uma legislação que defina critérios subjetivos de avaliação dos servidores, fazendo com que a perda do cargo seja enormemente facilitada”. Como o texto não especifica quais são os cargos típicos de Estado, eles poderão ser muito restritos – por exemplo, à diplomacia e fiscalização – ou menos restritos, conforme a disposição do Congresso. De qualquer modo, a indicação é de que uma pequena fração dos servidores teria esse tipo de vínculo.

Cargo de liderança e assessoramento

Irão substituir os atuais cargos em comissão e as funções de confiança. As funções de confiança podem ser ocupadas apenas por servidores que ocupam cargos efetivos na administração pública e os cargos em comissão são preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei. No texto da PEC, não há restrição para que esses cargos sejam ocupados por quaisquer pessoas não concursadas. “Talvez ainda mais importante e perigoso seja o fato de que os cargos de liderança e assessoramento que serão criados, caso a PEC 32/2020 seja aprovada, poderão ser destinados às atribuições técnicas no âmbito da Administração Pública”, ressalta o DIEESE. “Como é do conhecimento geral, há no setor público centenas, talvez milhares de funções, de caráter técnico, cujos ocupantes desempenham trabalhos de grande relevância para o Estado brasileiro e para toda a sociedade. Caso a PEC seja aprovada, essas funções poderão ser ocupadas por indivíduos indicados politicamente, que não tenham qualquer compromisso coletivo, mas sim com as corporações ou grupos de interesse responsáveis por sua indicação”.

A íntegra da nota pode ser conferida aqui. Na última terça (9), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, encaminhou o texto da PEC para a Comissão de Constituição e Justiça da casa.

A importância do Regime Jurídico Único (RJU)

O Regime Jurídico Único, estabelecido pela Lei n. 8112/90, foi uma conquista da Constituição de 1988, no contexto da redemocratização do país. Até então, servidores que trabalhavam nos mesmos órgãos e com funções semelhantes poderiam ser admitidos por diferentes regimes. A contratação de celetistas para o serviço público era um mecanismo usado pelos governos para arrecadar e retribuir apoios, agraciar apadrinhados, subordinar o trabalho aos interesses privados dos gestores e coibir as mobilizações dos servidores, sujeitos aos desmandos das chefias e às demissões.

Nas universidades federais, os professores celetistas arcavam com a maior carga didática, eram impedidos de progredir e desincentivados a pesquisar. Com o RJU, todos os servidores foram integrados ao mesmo regime, e o ingresso passou a se dar unicamente por concurso público. Essa regra foi burlada, em diferentes governos, pelas terceirizações e contratações de estagiários ou trabalhadores temporários. Também houve um ensaio de desmonte do RJU pela Emenda 19/1998, que foi revertido pelo Supremo Tribunal Federal.

Mobilização para impedir a catástrofe da Reforma Administrativa

Sobre a Reforma Administrativa, leia aqui entrevista com o professor Pedro Almeida Costa.

Em 2020, o ANDES/UFRGS participou de várias mobilizações contra a Reforma Administrativa, junto com outras entidades. Acompanhe! Participe!