A Secretaria de Educação de Porto Alegre (Smed) anunciou, na sexta-feira (26), a suposta manutenção da Filosofia no currículo do Ensino Fundamental da rede pública da Capital. Contudo, a proposta prevê que a retomada da disciplina seja integrada ao ensino religioso, reduzindo a frequência para um período por semana.
O assunto foi tratado em reunião entre a Prefeitura, representantes do Fórum dos Diretores das Escolas Municipais de Porto Alegre e a deputada Sofia Cavedon. No entanto, o professor de Filosofia André Pares, que também é jornalista e mestre em Comunicação, esclarece que apenas três representantes da comunidade escolar participaram da conversa. “Essa reunião não passou por nenhuma instância coletiva das e dos trabalhadores da educação”, critica.
Segundo o docente, desde o início da divulgação de mudança pedagógica, entidades sindicais e grupos ligados à Educação começaram a trabalhar de forma coletiva através de reuniões, assembleias, publicações, abaixo-assinados e documentos entregues e protocolados na Smed, além de tentativas frustradas de reuniões com o Executivo. “Depois de tudo isso e da publicação da proposta como final, surge essa reunião somente com três pessoas, fazendo dessa proposta ilegítima e sem representatividade”, lamenta.
Em outubro, um documento com mais de 50 assinaturas de Conselhos Escolares pedia esclarecimentos à Smed e apontava que a proposta não deveria ser formulada neste momento – material que, segundo Pares, foi excluído do sistema da Smed sem qualquer justificativa. “Além de serem a instância de maior poder dentro das escolas, esse número representa quase a totalidade das escolas de ensino fundamental de Porto Alegre”, aponta Pares.
“A Filosofia quer, ou deve estar, subsumida à Religião como disciplina, tal o resultado anunciado como vitória dessa reunião? E as demais demandas de tantas representações de demais coletivos que vêm lutando há meses contra essa reforma, como a necessidade de um congresso, foram levadas a essa reunião? Teve ata?”, questiona carta aberta assinada por ele e outros professoras/es, coordenadoras/es pedagógicos e vice-diretora/es da Rede Municipal de Educação de Porto Alegre.
Perdas para a comunidade
O docente avalia que as mudanças representam uma perda. “Não digo isso apenas do meu lugar de professor, e sim do que ouvi da comunidade em locais oportunos, que são as assembleias e reuniões do conselho escolar”, esclarece. “Com exceção de Português e Matemática, nos últimos anos do ensino Fundamental todas as disciplinas têm a mesma carga horária, que é de dois períodos por semana. Assim, crianças e adolescentes da rede municipal aprendem naturalmente o equilíbrio dos campos de conhecimento. Para eles, todas as disciplinas têm o mesmo valor, porque a organização curricular é assim desde os anos 90”, explica Pares, lembrando que cargas horárias de História e Geografia também foram diminuídas na grade.
“Não há o que comemorar. Não há vitória alguma. Permanece a imposição monocrática. Permanece o autoritarismo da reorganização, exclusão e diminuição da carga horária de componentes curriculares, como História, Geografia, Espanhol, Francês. Permanece a obsessão por avaliações externas, a cegueira da necropolítica que teima em ignorar o contexto pandêmico. Permanece a falta de diálogo e o desrespeito às organizações autônomas e representativas das/dos trabalhadores em educação”, acrescenta a carta aberta.
BNCC
A nova proposta curricular para o Ensino Fundamental de Porto Alegre, que deverá valer a partir de 2022, foi elaborada em adaptação à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que determinou o Ensino Religioso como uma das áreas do conhecimento. Mas a rede municipal de ensino é regida, também, por várias outras regulamentações nacionais, estaduais e municipais, que inclusive tratam as aulas de Religião como adesão facultativa.
A Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), que já fez denúncia formal à Promotoria Regional da Educação contra as mudanças definidas pelo governo, também assina, juntamente com o Simpa (Sindicato dos Municipários de Porto Alegre) e outros 11 grupos ligados a professores, orientadores, supervisores e pais, um manifesto público denunciando inconsistências legais na proposta.
O coletivo destaca que “não foi apresentado nenhum documento formal que explicite o marco conceitual, referências legais, fundamentos teóricos, diagnóstico situacional, explicitação da metodologia e transparência sobre processo decisório”, denunciando “uma flagrante e incontestável negação do conceito e do princípio da Gestão Democrática”.
O ANDES/UFRGS, presente nas mobilizações e articulações em defesa do ensino de Filosofia na rede, reitera sua solidariedade às e aos educadores municipais, contra as arbitrariedades da SMED e em defesa da construção democrática dos currículos.