Nos últimos 10 anos, diminuiu em 73% a verba repassada para universidades e institutos federais investirem em infraestrutura. Com cada vez menos dinheiro para fazer investimentos, as universidades têm obras inacabadas, laboratórios defasados e dificuldades para ampliar a oferta de vagas. As pesquisas científicas também sentem o baque, faltando condições para conduzir estudos de relevância para o país.
Um levantamento do portal G1 aponta que o montante que poderia ser destinado para investimentos de infraestrutura em 2010 era de R$ 2,78 bilhões, caindo para praticamente um terço em 2019 (R$ 760 milhões). Os valores foram corrigidos pela inflação.
Prejuízos escancarados na pandemia
A importância dos investimentos em IFEs ficou mais evidente durante a pandemia do novo coronavírus: a urgência em desenvolver novos medicamentos e criar uma vacina mostra como o incentivo à ciência é essencial.
“No setor de Ciências Biológicas, precisamos de novos equipamentos; no departamento de Bioquímica, necessitamos de instalações para ressonância magnética. Nossos laboratórios ficaram um bom tempo sem conclusão”, analisa o pró-reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fernando Marinho Mezzadri.
Denise Imbroisi, decana de Planejamento, Orçamento e Avaliação Institucional da Universidade de Brasília (UnB), reforça a importância das instituições federais na pandemia. “Elas tiveram uma atuação exemplar, mas as respostas só são possíveis quando há investimento no ensino e na pesquisa”, afirma.
A urgência em ter uma verba maior também é destacada por Edward Madureira, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). “Precisamos trocar lupas, computadores, microscópios. Nós acompanhamos agora, na pandemia, a demanda pelos estudos nas universidades. Mas, com esse orçamento, a atividade fica inviável”.
Fuga de cérebros
“Há um envelhecimento da universidade e um aumento do desafio de manter a qualidade de ensino. Temos a maior biblioteca pública do Distrito Federal, aberta a toda a população. As bases de dados, novos livros e até a reforma do prédio trazem retornos para toda a comunidade”, diz Imbroisi. Para Madureira, da Andifes, o grande perigo é a “fuga de cérebros”: “Jovens que estão se formando não conseguem dar prosseguimento à pesquisa. Acabam optando por buscar oportunidades no exterior”.
Na Universidade Federal Fluminense (UFF), por exemplo, os prédios dos cursos de Química e Farmácia não foram concluídos. “São áreas que não só formariam profissionais, como também produziriam medicamentos inovadores”, lamenta Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, reitor da instituição.
Em Oriximiná, no Pará, a UFF gerencia uma maternidade-escola, mas não consegue recursos para ampliar o atendimento. E em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, a clínica de fonoaudiologia da universidade funciona em uma casa alugada, fora do campus. “Precisaríamos construir um novo espaço para atendimento, que ajudasse a população local. A falta de investimento traz um impacto direto na qualidade de vida dos moradores”, denuncia Nóbrega.
O impacto também é sentido na Universidade Federal de Goiás (UFG). Nelson Amaral, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação na instituição, conta que a expansão da universidade para o interior do Estado exige investimentos: “Temos quatro campi que precisam de laboratório e de sala de aula”.
Queda significativa
Em 2010, o orçamento das instituições federais era de R$ 40,58 bilhões. Desse total, 2,78 bilhões (6,8%) eram para infraestrutura. No dois anos seguintes, a verba para investimentos se manteve num patamar ainda maior, por volta de R$ 3,8 bilhões.
Naquela época, estava em vigor o chamado Reuni – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. O objetivo era ampliar a oferta de vagas e a estrutura física das instituições de ensino superior até 2012.
Em 2014, a verba dedicada a investimentos caiu para R$ 2,7 bilhões –, seguindo uma trajetória decadente até despencar para R$ 0,76 bilhão em 2019.
Nesse intervalo, foi aprovada a Emenda Constitucional 95/2016, chamada de “teto de gastos”, que coloca um limite nas despesas públicas do governo como um todo. Fica a cargo do Executivo definir quais áreas serão priorizadas, entre Educação, Saúde, Defesa, etc. A soma de todas as áreas não pode ultrapassar o teto.
Mais cortes em vista
Para 2021, o governo prevê uma redução de 18,2% nos gastos não obrigatórios das universidades federais. Cada instituição vai ser informada de quanto terá para gastar em investimentos e em despesas correntes no ano que vem. A proposta ainda vai ser votada, e diversas Reitorias já apontaram o risco de pararem as atividades com mais essa tesourada.
O ANDES-SN e suas seções sindicais iniciaram, na última semana, mobilização contra a proposta de novo corte nas despesas nomeadas como discricionárias, mas indispensáveis para o funcionamento das universidades – como o pagamento de contas de água, luz e serviços de limpeza.
Nóbrega, reitor da UFF, diz que há um desequilíbrio fiscal. “Mas precisamos eleger o que terá mais investimento, nas atuais condições. O que parece é que a ciência e a educação não são vistas como soluções para o país voltar a crescer”.
Em 2020, até 12 de agosto, o valor já reservado para investimentos era de R$ 66 milhões – como ainda há quatro meses e meio até o fim do ano, o número não entrou na comparação desta reportagem.
Os dados de orçamento foram obtidos pelo G1 com o auxílio da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados e do professor Nelson Amaral, da UFG.
O caminho da verba
Cada instituição federal tem três grandes esferas de gastos:
1- Gastos obrigatórios: Salários dos servidores e aposentadorias. Devido à pouca verba, esses gastos acabam tomando a maior parte dos recursos destinados à universidade – em geral, cerca de 80%.
2- Gastos não obrigatórios, sujeitos a cortes:
a) Investimentos: Aqui, entram todos os gastos mencionados nesta reportagem – obras, compra de equipamentos, renovação de laboratórios, manutenção de bibliotecas, redes de wi-fi, etc.
b) Despesas correntes: Contas de luz, de água e de telefone; bolsas acadêmicas; insumos para pesquisa; pagamento de funcionários terceirizados.
Esportes, acessibilidade, wi-fi…
As universidades ouvidas pelo G1 mencionam ainda outros impactos da queda de investimentos:
- Informática: a verba de investimento é usada também para manutenção e compra de computadores e para melhorias nas redes de wi-fi.Quando as aulas presenciais começarem a ser retomadas, é possível que se adote um sistema híbrido, com atividades virtuais. Uma estrutura de informática sucateada pode atrapalhar o aproveitamento dos alunos.
- Acessibilidade: universidades com prédios muito antigos podem não ter as adaptações necessárias para as pessoas com deficiência.”Isso é uma lei – seja para construir uma rampa que permita a circulação de um cadeirante, como eu, ou para comprar lentes especiais de estudo para pessoas com baixa visão. A falta de investimento na universidade empobrece a sociedade ao não incluir essas pessoas”, diz Nóbrega, da UFF.
- Complexos esportivos: a construção de quadras e de uma estrutura para atividades físicas também depende de investimentos.