O Programa Future-se, proposto pelo governo como um novo modelo de financiamento das instituições federais de ensino, voltou a receber críticas na segunda-feira (26), em audiência pública realizada na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Promovida pela Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e pelas frentes parlamentares em Defesa dos Institutos Federais e Pela Valorização das Universidades Federais, a sessão contou com a participação de deputados federais e estaduais, representantes de entidades sindicais e do movimento estudantil, procuradores do Ministério Público e integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que se manifestaram contrários ao projeto, enfatizando sua inconstitucionalidade e a ameaça que representa para a educação superior pública.
A deputada federal Margarida Salomão, coordenadora da Frente Parlamentar Mista pela Valorização das Universidades Federais, ex-reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e ex-presidente da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), destacou que as universidades precisam de investimento e autonomia. “O Future-se não resolve. É remédio desnecessário para um falso problema. Universidade no Brasil não é problema, é solução. Nelas são criadas patentes, vacinas, remédios, startups, tecnologia, mas é também onde se formam lideranças, professores, pessoas”, ponderou.
O professor do IFRS Mario San Segundo representou o ANDES-SN na sessão. “O Future-se vai fazer com que as Organizações Sociais definam o que é pesquisa, ensino e extensão, se devem ser financiados ou não. Isso coloca em risco, inclusive, a soberania nacional e a nossa capacidade de desenvolver novas fronteiras tecnológicas com vista ao atendimento da população”, ressaltou, prevendo que as lógicas mercantilistas passariam a valer mais do que as necessidades da população e do desenvolvimento regional.
“A posição do ANDES-SN é de rechaço total ao programa”, enfatizou o professor, lembrando que o governo federal tem sido autoritário e se posicionado como principal inimigo da educação nacional. “É impossível falar no Future-se sem o presente, e o quadro atual é de risco de fechamento de universidades e institutos nos próximos meses por falta de recursos”.
Autonomia em risco
O reitor da UFRGS, Rui Vicente Oppermann, lembrou que o Conselho Universitário (Consun) aprovou, em 23 de agosto, moção contrária à proposta apresentada pelo Ministério da Educação (MEC), considerada uma ameaça à autonomia universitária e uma forma de precarizar a carreira dos servidores da educação. “Ela coloca em risco o que entendemos que seja o conceito de universidade”.
“A elaboração do Future-se não contou com a participação dos reitores e são várias as dúvidas a respeito do projeto, como as referentes a fundos imobiliários, gestão de recursos, papel das organizações sociais, entre outras questões”, acrescentou a reitora em exercício da UFCSPA, Jenifer Saffi, que defendeu a realização de plebiscito nas instituições de ensino caso o projeto se mantenha. Ao encerrar seu pronunciamento, a docente reforçou a importância da “união em defesa da educação pública, gratuita, de qualidade e inclusiva”.
Mobilização unificada
Ex-reitores também participaram da audiência, ao lado de gestores das Universidades Federais de Santa Maria (UFSM), do Pampa (Unipampa), de Rio Grande (Furg) e de Pelotasl (UFPel). “Há um movimento que corrói as instituições, as universidades, a saúde, os espaços públicos e o direito à Cidade”, manifestou a professora Wrana Panizzi, ex-reitora da UFRGS. “O movimento tem que ser maior, porque as universidades são instituições para além de tempos e governos. Temos de ir outra vez para a rua. A sociedade não sabe o que é o Future-se e nossa tarefa é de mostrar”.
O procurador do Ministério Público Federal Paulo Leivas ressaltou que há muitas ações na Justiça sobre o corte de verbas e para garantir a livre manifestação dentro das instituições de ensino superior. “Uma das finalidades mais importantes da autonomia universitária é a defesa da liberdade acadêmica, da pesquisa e do ensino livres, e da universidade como um espaço de liberdade”, salientou o magistrado, reforçando que não pode haver qualquer tipo de ingerência no espaço universitário, seja por parte do Estado, seja por parte do mercado.
A partir do resultado da sessão, foi deliberada a redação de uma carta para encaminhar a todos os parlamentares. Além disso, foi solicitado que entidades e instituições que já tenham posição sobre o Future-se encaminhem as mesmas à Comissão organizadora da audiência.
Reitoria recebe a visita da deputada Margarida Salomão
Antes da audiência pública, a deputada Margarida Salomão foi recebida pelo reitor Rui Vicente Oppermann no Salão Nobre da Reitoria da UFRGS. A parlamentar fez um relato das conversações que a Frente Parlamentar tem realizado com o governo federal sobre o orçamento das universidades federais e sobre as articulações no Congresso em defesa da educação pública.
Margarida frisou que o momento exige prosseguir na luta pelo descontingenciamento dos recursos das universidades federais e discutir o orçamento para o próximo ano. “Estamos expostos a uma tempestade”, resumiu. O reitor entregou à deputada uma cópia da moção de rejeição do Future-se aprovada na última reunião do Consun e manifestou sua preocupação não só com a situação orçamentária atual, como também com o orçamento de 2020 – que deve ser igual ao de 2019, sem reposição da inflação. A professora Elisabete Búrigo participou da reunião, representando o ANDES/UFRGS.