Em audiência pública, MPF ouve reitores, procuradores e docentes sobre corte de verbas

13 de junho de 2019

 

O Ministério Público Federal (MPF) realizou, na última sexta-feira (07), audiência pública para discutir o bloqueio de verbas nas instituições de ensino superior da região Sul, compreendendo as universidades e os institutos federais. O ANDES/UFRGS esteve presente, juntamente com representantes de diversas instituições de ensino, associações de reitores, docentes, discentes e outras organizações da sociedade civil. Convidados, os ministérios da Educação e da Economia, bem como do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), não enviaram representantes.

“É tempo de defender as palavras da Constituição Federal de 1988, mas é tempo também de defender o legado, o patrimônio, aquilo que se construiu concretamente ao longo desses anos. Se não nos articularmos agora na defesa da universidade pública e da autonomia universitária – que é a liberdade de pensar, de pesquisar, de ensinar, de ter atividades de extensão junto à comunidade – é provável que daqui a um ano não tenhamos mais luta para travar”, alertou o procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto, Domingos Sávio Dresch da Silveira, professor da Faculdade de Direito da UFRGS.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) entende que a luta contra o corte de recursos para o sistema federal de ensino é também pela defesa da autonomia universitária. Para o docente, mesmo que já tenham ocorrido outros contingenciamentos “de gestão”, hoje a expressão é usada para cortar recursos públicos com o “objetivo claro de destruir a universidade pública e colocar seus reitores e gestores de joelhos, para que não tenhamos a liberdade do conhecimento e do saber”.

Ameaça iminente

Representando a Andifes, o reitor da Universidade Federal do Paraná, Ricardo Marcelo Fonseca, enfatizou que a tesourada deste ano implica a inviabilização do funcionamento das IFEs a partir do segundo semestre, e pediu ajuda rápida do Ministério Público Federal para barrar as medidas do Executivo. “O atual bloqueio significa que a própria possibilidade orçamentária, e não apenas os recursos, não está ao nosso alcance. Não podemos empenhar, fazer licitação nem transferência de rubricas. Estamos de mãos atadas”, alerta.

O dirigente destacou que, a partir de pactos firmados justamente com o governo federal, desde 2014 as universidades têm novos campi, o que repercute em novos cargos de limpeza, vigilância e terceirizados em geral, por exemplo. “A universidade está em crescimento, e o orçamento está decrescendo e diminuindo”, comparou, lembrando que despesas de serviços, por exemplo, sofrem reajustes anuais, no mínimo, pela inflação. “As universidades púbicas têm dado um exemplo de sobrevivência na medida em que carregam nas costas a produção científica nacional com seu orçamento sendo apertado a todo o momento.”

Nenhum direito a menos

O professor Carlos Alberto da Fonseca Pires, professor da Universidade Federal de Santa Maria e primeiro vice-presidente da Regional Rio Grande do Sul do ANDES-SN, falou da necessidade de ampla unidade para reverter os ataques à educação pública e enfatizou que o bloqueio, visando censurar as universidades, viola o princípio da autonomia universitária. Mencionando os estudos promovidos pelo ANDES-SN, arrematou: “Temos demonstrado que o pagamento da dívida pública, sem auditar essa dívida, é uma negligência que fere a Constituição Federal de 1988 e consome quase a metade dos recursos da União, em detrimento de investimentos em políticas sociais, direito fundamental da sociedade brasileira. Portanto, a velha desculpa de que não há dinheiro é um engodo e um ataque aos direitos da população.”

“Acesso ao ensino superior é condição para a democratização do país”, enfatizou Elisabete Búrigo, presidente da seção sindical do ANDES-SN na UFRGS. A docente acrescentou denúncia contra o decreto nº 9.739/19, assinado por Bolsonaro em março, que trata de novas regras de concursos públicos. Na visão da professora, trata-se de um dos efeitos mais perversos dos ataques proferidos contra as universidades. “Quando o Ministério da Economia propõe a Lei Orçamentária para 2020, prevê zero gasto com concursos. Isso significa que teremos menos professores e técnicos, já que temos pessoal se aposentando.”

Elisabete lembrou, também, que o sucateamento das instituições públicas abre caminho para um ramo que tem crescido significativamente, e que é altamente lucrativo: o Ensino à Distância – oferecido em condições precárias pelas empresas de capital aberto do ensino superior  –, que muitas vezes sequer dispõe de mestres ou doutores para ministrar as disciplinas, aplicadas por tutores, configurando um mecanismo de exploração perversa da população.

 

Ataque à sociedade

“Quando se ataca a universidade pública, cortando verbas, FGs, concursos públicos e tantas outras medidas, se ataca uma referência de qualidade do ensino superior”, pontuou Elisabete Búrigo, destacando que, para cumprir as metas do Plano Nacional da Educação, é preciso retomar o orçamento a partir das referências de 2013. “Precisamos garantir que essa rede seja expandida, e, por que não, ensino superior público acessível a toda a população. Essa é a proposta do ANDES-SN.”

O reitor da UFPEL, Pedro Curi Hallal, chamou as medidas governamentais de Censura orçamentária. “Quando a pauta principal do Ministério da Educação é econômica, e não educacional, a gente não pode aceitar”, insistiu.

“A afronta que temos vivido tem tirado a autoestima do servidor público da área da educação. Tem tirado a vontade dos professores de dar aula, de gerar conhecimento, tecnologia”, avaliou Luciano Schuch, vice-reitor da UFSM. “Não fazemos balbúrdia. Lutamos por um país mais igual, que consiga dar qualidade de vida para seu cidadão. Educação não é gasto. É o maior investimento que uma nação pode fazer.”

Também se manifestaram na audiência a vice-reitora da UFRGS, Jane Fraga Tutikian; o reitor do IFRS, Júlio Xandro Heck; a reitora da UFCSPA, Lúcia Campos Pellanda; a reitora do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Maira Clara Kaschny Schneider; o representante da Associação de Mães e Pais pela Democracia, Renato Nakahara; a representante da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Maria Beatriz Luce; o representante do Coletivo Professores pela Democracia (PPD), Felipe Comunello; o presidente do Sindoif-Seção Sindical do ANDES-SN no IF/RS, André Martins; o representante da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do RS, Erick Kayser Vargas da Silva; a reitora do Instituto Federal Farroupilha (IFFar), Carla Comerlato Jardim; o reitor da Unipampa, Marco Antonio Fontoura Hansen; o reitor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Gustavo Oliveira Vieira; a secretária da Associação Nacional de História – Seção RS, Clarice Gontarski Speranza; e a representante da União Estadual de Estudantes/RS (UEE), Gabriela Silveira.

 

A íntegra da audiência pode ser acessada aqui.