Efeitos dos cortes já são sentidos em universidades e Institutos Federais

08 de maio de 2019

 

 

O corte de 30% do orçamento de universidades e institutos federais pelo governo Bolsonaro já está sendo sentido no setor, que sobrevivia com recursos insuficientes nos últimos anos. Agora, com a situação agravada, os efeitos atingem cada vez mais as comunidades acadêmicas.

Nas sete universidades que funcionam no Rio Grande do Sul, o bloqueio feito pelo MEC ultrapassa R$ 193 milhões, o que equivale a quase 32% dos R$ 606 milhões que estavam previstos para este ano. Nos institutos federais IFRS, IFSul e IFFar, a tesourada chega a mais de R$40 milhões.

Na UFRGS, o orçamento foi contingenciado em 31,4%, o que representa 65% dos recursos de capital (destinados a obras, aquisições de livros e equipamentos) e 30% dos de custeio (aplicados em manutenção, limpeza, serviços terceirizados; água; energia elétrica; redes de informática; atividades de ensino de graduação, como manutenção de salas de aula e laboratórios, viagens de campo; além de gastos em infraestrutura direta de pesquisa científica).

“Os investimentos na Universidade estão muito aquém das necessidades de renovação de equipamentos e de obras para acolher a expansão ocorrida no ensino de graduação, além das dificuldades crescentes de manter as condições básicas de funcionamento e manutenção da instituição. Nesse contexto, torna-se evidente a necessidade do aporte de recursos do MEC para que a UFRGS dê andamento a obras importantes, como a do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS) e as do Campus Litoral Norte”, diz nota assinada por Rui Vicente Oppermann e Jane Tutikian – reitor e vice-reitora da instituição, que, pelo sétimo ano consecutivo, foi considerada pelo MEC a melhor Universidade Federal do País, de acordo com o Índice Geral de Cursos, em que as públicas ocupam os primeiros postos. “Da mesma forma, nos sistemas de rankings nacionais e internacionais, a UFRGS está entre as primeiras no país, na América Latina e muito bem situada em nível internacional. Os ataques seguem agredindo a História ao proporem que áreas das Humanidades, como a Sociologia e a Filosofia, não devam receber recursos. Atitudes dessa natureza revelam posturas que agridem preceitos constitucionais, como é o caso da autonomia das universidades, e revelam uma injustificada perseguição – essa sim de cunho ideológico, inspirada por informações falsas e desinformação”, acrescenta a manifestação.

Na média, o governo vai contingenciar 25% dos recursos das entidades de ensino público superior federal – cerca de R$ 2,2 bilhões. O ataque, que atinge também Capes, FIES e Hospitais Universitários, não se resume apenas à educação superior: na educação básica, apontada como prioridade da Presidência, os cortes chegaram a 39,8% do total programado para 2019. Instituições afirmam que o recurso disponível para bancar as despesas básicas acaba em agosto ou setembro.

A reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Lucia Campos Pellanda, revela que na instituição os cortes foram de 32% em custeio (o montante de R$ 29,5 milhões foi reduzido para R$ 19,9 milhões) e de 35% no capital (R$ 1,5 milhão para R$ 975 mil). Segundo ela, os recursos previstos já estavam abaixo do que foi repassado em anos anteriores e a universidade já havia cortado onde era possível. “São cortes muitos pesados. Nossa preocupação são os terceirizados, porque não queremos gerar mais desemprego. Temos perspectiva de que devem faltar insumos para laboratórios, como reagentes e materiais de cirurgia. É algo que compromete muito, porque a formação do profissional de saúde é toda prática. Os cursos ficam muito prejudicados. Como é que vai fazer uma formação teórica de um médico?”, questiona.

O reitor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), Júlio Xandro Heck, disse que os recursos disponíveis no momento só permitem o pagamento de contratos em vigor de serviços de limpeza, segurança e manutenção básica da estrutura da instituição. Dos R$ 61 milhões previstos para o ano, foram sustados mais de R$18 milhões. Em reunião com os diretores dos 17 campi para avaliar os efeitos da medida, foi decidido o cancelamento de todos os eventos institucionais programados, com a manutenção apenas daqueles para os quais verbas já haviam sido alocadas.

A decisão afeta a capacitação de servidores e atividades como os jogos estudantis, que envolveriam mais de 600 alunos no mês de julho. “A gente tomou algumas decisões imediatas. Cancelamos novos empenhos que seriam feitos na semana que vem”, diz o reitor. Ficou acordado, também, que cada diretor de campus irá fazer uma avaliação de como os cortes deverão afetar cada unidade.

Na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), o reitor Pedro Hallal avalia que o corte inviabiliza o funcionamento da instituição. “Há muitos anos estamos escolhendo qual conta pagar. No fim do ano, conseguimos entrar em dia com todo mundo ou quase todo mundo.  Se essa redução se confirmar, não conseguiremos pagar.  Não temos margem para corte de custeio nenhum. Para mim, é lamentável, pois esse corte não é verdadeiro. É uma chantagem para aprovação da reforma da Previdência. É uma postura quase que infantil”, declara, em entrevista ao portal Gaúcha ZH.

Em nota, a Administração da UFPel denuncia o ataque às universidades e “manifesta sua confiança na força que a reação organizada das Universidades Federais e da sociedade brasileira haverá de ter para reverter a absurda decisão”.

O reitor da UFSM, Paulo Afonso Burmann, concedeu entrevista ao programa Editoria 107.9, da UniFM, nesta segunda-feira (6). Ao jornalista Gilson Piber, ele falou sobre os cortes orçamentários sofridos pela UFSM e pediu bom senso do governo no tratamento dado às Ifes.

Assistência estudantil

Os programas de assistência e permanência estudantil estão entre os elos mais fracos da educação federal. Voltados a garantir o acesso e a permanência nas instituições de ensino, muitos também já sentem os ataques. É o caso do auxílio-material pago pela UFRGS, no valor de R$180 semestrais,  a estudantes de baixa renda.

“Todos os estudantes cotistas, de baixa renda, ainda não receberam”, afirma Mateus Goulart, estudante de Ciências Econômicas, em reportagem do ANDES-SN. “O corte gera um desânimo para continuar estudando. Estou cursando uma disciplina de Matemática Financeira, na qual se utiliza a calculadora financeira. A usada custa R$ 160. Não recebendo esse valor, vou ser muito prejudicado nessa disciplina”, comenta o estudante.

“O corte de 30% no orçamento prejudica a continuidade nos estudos. Bolsonaro falou que não vai cortar na assistência estudantil, mas no momento em que bloqueia o orçamento de custeio, não adianta nada. Isso é um retrocesso”, conclui o aluno.

Bancas e eventos acadêmicos também são prejudicados

Outros efeitos do desmonte da educação pública são visíveis nas universidades e institutos federais. Há dificuldade para financiamentos voltados a promover e participar de eventos nacionais, assim como para a divulgação científica. “Sentimos na pós-graduação dificuldades de trazer docentes de outras instituições para participar de bancas”, lamenta Mirian Fábia Alves, professora do departamento de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG) e diretora da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped).

Mirian cita outros efeitos do estrangulamento orçamentário, como a redução de bolsas para a pós-graduação e para docentes que querem fazer pós-doutorado. “Os cortes impactam na graduação as políticas de assistência estudantil, no momento em que estamos tentando consolidar a inclusão na universidade. Com estudantes de escola pública, com cotas étnico-raciais. Esses jovens não continuam a estudar”, pontua.

“Estamos fazendo bancas por vídeo conferência. A gente tem dificuldades estruturais para garantir a qualidade dessa transmissão. Com as devidas condições, isso poderia ser uma opção, e não uma obrigação por conta de corte de verbas”, completa Mirian. Aqueles que participam presencialmente das bancas acabam, muitas vezes, pagando as diárias e o deslocamento com o próprio dinheiro.

“Todas as áreas de conhecimento estão nesse barco. Engenharias, Saúde, Tecnologia, Humanidades… Sem água, sem energia, sem segurança, sem limpeza é impossível produzir conhecimento”, critica Mirian Fábia.

Greve Nacional da Educação lutará contra os cortes de orçamento

Como resposta aos cortes orçamentários e aos demais ataques promovidos por Bolsonaro à educação brasileira, educadores de todo o país realizarão uma Greve Nacional da Educação em 15 de maio. A greve terá adesão de professores de norte a sul do Brasil, do ensino básico ao superior.

Já em 14 de junho, será a vez de todos os trabalhadores brasileiros cruzarem os braços na Greve Geral, recentemente convocada pelas centrais sindicais contra o desmonte da Previdência pública.