Os sucessivos cortes orçamentários e a falta de políticas públicas para a Ciência & Tecnologia no Brasil foram pauta de live na última quinta-feira (9), com Pedro Costa e Camila Furlan, professores da Escola de Administração que desenvolvem pesquisas sobre o tema. A apresentação, promovida pelo ANDES/UFRGS, integrou a Semana Nacional de Luta em Defesa da Educação e Contra os Cortes Orçamentários.
Neoliberalismo acadêmico
Os docentes analisaram a execução orçamentária das agências de fomento e fundos federais de apoio à pesquisa, essenciais para a manutenção e o desenvolvimento da C&T, em um contexto classificado de neoliberalismo acadêmico, quando a chamada “Pesquisa & Desenvolvimento” ganha destaque, em detrimento da pesquisa básica.
“Em um recorte temporal de 2003 a 2020, vemos que há um fluxo de fundos voltados para pesquisa que direciona recursos diretamente para empresas, inclusive recursos não reembolsáveis, no desenvolvimento de projetos de inovação. Ou seja, há uma disputa dos fundos públicos, que tradicionalmente alimentavam os programas de pós-graduação e os centros de pesquisa no sistema universitário”, explica Costa.
Além disso, desde 2014, observa-se a redução dos recursos alocados para a pesquisa em todas as agências de fomento; e nem mesmo os minguados montantes previstos acabam executados.
Formação de pesquisadores fragilizada
Na CAPES, por exemplo, os cortes representaram aproximadamente R$ 24,3 bilhões de 2016 a 2020, que, em relação à capacidade de execução orçamentária, deixaram de ser investidos em formação de pesquisadores. “A CAPES praticamente não está mais financiando a iniciação científica, que é o futuro do desenvolvimento de pesquisadores a partir da graduação”, aponta Camila.
A ampliação dos programas de pós-graduação, especialmente das universidades públicas federais, não foi acompanhada um aumento proporcional de orçamento para C&T, que alimenta tais programas. O valor médio repassado aos programas pela CAPES caiu de 28 mil reais em 2003 para 11 mil reais em 2019.
“O empenho de 2020 significou um retrocesso de 10 anos no financiamento da pós-graduação brasileira”, denunciam os pesquisadores.
Inovação tecnológica não foi alavancada
O chamado Marco Legal de Ciência & Tecnologia, criticado pelo ANDES-SN devido ao seu teor privatista, anunciava um deslocamento dos investimentos na direção da inovação tecnológica associada ao engajamento das empresas. Os dados apontados por Pedro Costa e Camila Furlan mostram que nem mesmo essa política se efetivou.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) foi o mais afetado pelo contingenciamento: em 2020, apenas 17,8% do previsto na dotação orçamentária foi executado.
Um dos efeitos do desfinanciamento é a perda de pesquisadores, formados no país, para agências e empresas que desenvolvem programas de pesquisa no exterior, enquanto nacionalmente seguimos importando e adaptando tecnologias.
“Além da própria pauta/agenda de pesquisa, mesmo patentes registradas localmente nesses processos limitados de inovação, são de posse das empresas transnacionais”, frisam os pesquisadores da UFRGS.
Construção de C & T é lenta, desmonte é rápido
“Temos um sistema jovem, de políticas altamente voláteis. Não há uma garantia orçamentária anual prevista por lei ou por algum outro tipo de dispositivo legal, fazendo com que o orçamento e as próprias estruturações estejam ao sabor da alternância de políticas e de governo”, comenta Pedro Costa.
A redução global do orçamento das IES, ameaçadas inclusive de seguir funcionando em 2022, tem agravado o cenário. Em um contexto de escassez de recursos, docentes são incentivados a desenvolverem prestação de serviços às demandas de empresas privadas em detrimento das pautas de interesse de toda a sociedade.
“A construção de C&T leva gerações para ser feita, mas pode ser desmontada muito rapidamente”, finaliza.