Ditadura nunca mais: a luta para que não se repita

 

Neste aniversário de 56 anos do golpe empresarial-militar de 1964, ocorrido em 31 de março, é fundamental lembrar deste período sombrio e sangrento da história do Brasil para que jamais se repita.

Além da deposição do presidente João Goulart, a ditadura cassou direitos, perseguiu, torturou e matou opositores. Oficialmente, o regime assassinou 434 não indígenas e 8.350 indígenas, mas há razões para pensar que esse número seja bem maior.

Dos 434 mortos e desaparecidos, 106 eram estudantes universitários, 12 docentes e 1 técnico-administrativo, conforme o levantamento do professor de História Política Milton Pinheiro, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), ex-coordenador da Comissão da Verdade do ANDES-SN.

A Comissão, criada em março de 2013 durante o 32º Congresso do Sindicato Nacional, tem o propósito de contar a versão dos trabalhadores perseguidos nas universidades. Entre os resultados do trabalho, está o Caderno 27 do ANDES-SN: “Luta Por Justiça e Resgate da Memória”, lançado em junho de 2016. Confira aqui o Caderno 27 com o depoimento, na íntegra, de Maria Santa Cruz

“O princípio de Comissão da Verdade é lembrar para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”, destaca o o professor Cristiano Engelke, presidente da Aprofurg e membro da Comissão da Verdade do ANDES-SN. “Havia uma previsão de lançar até o meio do ano um novo relatório com casos de desaparecidos e mortos nas universidades brasileiras”, aponta o professor Cristiano. Em função da pandemia de Coronavírus, provavelmente este prazo seja postergado.

A ditadura nas universidades

Durante o regime militar, foram instalados sistemas de vigilância e espionagem contra docentes, estudantes e técnico-administrativos dentro de universidades. Essa medida resultou em prisões, mortes, desaparecimentos, privação de trabalho, proibição de matrículas e interrupção de pesquisas acadêmicas.

Não bastassem as violações de direitos humanos, também começaram a ser impostas as bases de um projeto de sociedade com mudanças econômicas, sociais e na educação – de acordo com os interesses dos financiadores do sistema político vigente.

Dos quase 5 mil cidadãos punidos pelo regime, 3.873 eram funcionário(a)s público(a)s, sendo 72 professore(a)s e 61 pesquisadore(a)s.

Em maio de 1964, Flávio Suplicy de Lacerda, que tinha sido reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), foi escolhido como ministro e abriu caminho para a construção de um outro projeto de universidade, com foco em privatização do ensino superior e na lógica capitalista.

Acabar com espaços de debates, de busca pelo conhecimento e de mobilizações sociais – algo que não agrada um regime totalitário – eram os objetivos da ditadura. O autoritarismo, infelizmente, ainda hoje disputa espaço em nossa sociedade e se apresenta, erroneamente, como solução para a educação brasileira, motivo pelo qual comunidades acadêmicas e entidades representativas têm fortalecido a luta e os esclarecimentos em defesa da educação pública de qualidade.

Reação da comunidade acadêmica

Perseguições políticas, prisões arbitrárias, demissões, proibição de reuniões e de leituras de livros foram comuns durante a ditadura empresarial-militar, embora sejam impensáveis em espaços que deveriam ser de troca de conhecimentos e de formulações coletivas.

Além disso, os governantes nomeavam reitores a seu bel-prazer. As assessorias dos órgãos de repressão atuavam nas instituições de ensino fiscalizando e denunciando estudantes, professores e técnicos-administrativos. Esse cenário, junto com atos institucionais e decretos dos ditadores, foram fundamentais para a repressão nas universidades, que se tornaram um dos principais pontos de resistência e defesa da democracia.

 

Ditadura nunca mais

A ditadura acabou, mas algumas amarras da repressão e do projeto de educação formulado naquele contexto ainda não foram rompidas. Algumas vêm sendo intensificadas nos últimos tempos pelo governo federal.

A criminalização de movimentações políticas dentro da universidade, ainda que de uma maneira menos autoritária, foi retomada. Um dos exemplos é o projeto Escola sem Partido e todas suas variantes, que buscam limitar a liberdade de cátedra, entre outros ataques. Uma prática autoritária do governo lidar com as universidades, que faz alusão aos anos de chumbo, é a nomeação de reitores que não foram os primeiros colocados nas consultas à comunidade universitária ou indicados na lista tríplice pelos conselhos universitários, bem como a nomeação de interventores em IFs e Universidades.

Além disso, vários fundamentos do projeto educacional capitalista são preconizados pelos governos, de forma fatiada, maquiada, e com outra retórica. Privatização do espaço público e redução do papel da educação na formação de mão de obra para o mercado são alguns exemplos, assim como a transferência de recursos públicos para as empresas que vendem serviços de ensino e a precarização e terceirização do trabalho docente e técnico-administrativo.

 

Expurgados da UFRGS

Desde a formação da Comissão Nacional da Verdade, diversas comissões e iniciativas foram constituídas em estados, cidades, universidades e entidades sindicais no Brasil para fazer levantamentos das consequências da ditadura na vida docentes e universitária.

Na UFRGS, o projeto de extensão “Memória: 50 anos dos expurgos da UFRGS”, lançado em 2019 por um grupo de docentes, foi desenvolvido para marcar o cinquentenário das duas fases de expurgos realizados na Universidade após o golpe civil-militar de 1964 – em 1964 e em 1969.

Coordenado pela professora Claudia Zanatta, do Instituto de Artes, o trabalho incluiu o Memorial de Pedra, exposição, debates e a confecção de um livro, além da produção de vídeos temáticos.

“Reconstituir esses episódios, ainda que resumidamente, é importante para levar à reflexão sobre o papel da universidade na sociedade e como ela pode ser manipulada para servir a interesses estranhos às finalidades previstas em seu nascimento na sociedade ocidental, como espaço de liberdade de pensamento, confronte respeitável de ideias, estímulo à dúvida e rejeição a certezas absolutas, base da construção de conhecimento com as ferramentas e o rigor do método científico”, ponderou a professora Lorena Holzmann, aposentada do departamento de Sociologia, em artigo veiculado pelo Sul21, na ocasião da abertura da exposição.

 

“Trata-se de uma ação com valor inimaginável”, acrescentou o professor José Carlos Freitas Lemos, autor de 18 aquarelas que retratam a história dos expurgos. “Estamos vivendo tempos tão difíceis atualmente que é importante marcar esses período vivenciado há 50 anos para jamais esquecermos. É uma forma de fazer política”.