Descumprindo compromisso assumido pela Mesa Diretora, Câmara Municipal de Porto Alegre retoma votação de Escola sem Partido

Em mais uma manobra regimental antidemocrática, a Câmara Municipal de Porto Alegre incluiu na pauta de votação desta segunda-feira (16) o projeto Escola Sem Partido (PL 124/16), do vereador Valter Nagelstein (MDB). O texto, que teve apreciação cancelada no início de dezembro após intensa mobilização de docentes, pais e comunidade em geral, retornou ao Plenário na lista de projetos prioritários ordenada para a sessão extraordinária. A inclusão descumpre compromisso assumido pela Mesa Diretora da Casa, que havia concordado com a realização de uma audiência pública antes da votação.

Conforme a Associação Pais e Mães pela Democracia, que coordenou a mobilização contra a manobra de votação relâmpago do projeto, a medida “revela a possibilidade assombrosa e preocupante de descumprimento de compromisso público dos vereadores da Capital gaúcha, afetando gravemente a necessária relação de confiança entre a presente instituição democrática parlamentar e a sociedade porto-alegrense”.

O comprometimento sobre a audiência pública foi firmado no dia 05 de dezembro, após pressão do coletivo e da Frente Gaúcha Escola sem Mordaça, juntamente com diversas entidades e sindicatos – inclusive o ANDES/UFRGS.

Nota pública emitida pela Associação lamenta a postura dos parlamentares, que “dissemina a ideia de possível temor por práticas democráticas”. O grupo lembra que, no mesmo dia em que fora publicada no Serviço Eletrônico de Informações (SEI) da casa legislativa a aprovação de audiência pública, os vereadores Adeli Sell, Comandante Nádia e Valter Nagelstein, juntamente com o advogado da entidade, realizaram um debate no programa Esfera Pública, da Rádio Guaíba, no qual “ficou evidente a ausência do caráter de urgência do Projeto, salvo a possibilidade de interesse puramente eleitoreiro” –  ventilado em questão apresentada pelo jornalista Juremir Machado, pautado pelas eleições municipais de 2020.

“Afinal, se a doutrinação em ambiente escolar é combatida por todos, inclusive pela Associação Mães e Pais pela Democracia, pois a escola deve assegurar o combate livre e intelectual de ideias, que permite a evolução das próprias ideias e a necessária formação do pensamento crítico, não é possível que essa casa legislativa não sirva de exemplo de espaço democrático para a apresentação de pontos de vistas contrastantes da sociedade porto-alegrense, já que a divergência no presente caso se encontra na constitucionalidade da matéria, na urgência do tema e na solução antiliberal do referido projeto de lei”, denuncia o coletivo, solicitando que a Câmara cumpra a decisão da Mesa Diretora “para que realize a prévia audiência pública sobre o tema ou, sucessivamente, caso o Parlamento porto-alegrense não aceite o primeiro pedido, o que não se espera, ao menos que o Vereador Valter Nagelstein retire de pauta o referido projeto de lei de sua autoria, a fim de demonstrar não só o seu comprometimento político com o debate democrático, mas também para comprovar que inexiste de sua parte qualquer receio por sua realização, em qualquer esfera da vida pública”.

Entenda

O projeto do vereador Valter Nagelstein “estabelece orientações quanto ao comportamento de funcionários, responsáveis e corpo docente de estabelecimentos de ensino públicos ou privados no Município, no ensino relacionado a questões sócio-políticas, preconizando a abstenção da emissão de opiniões de cunho pessoal que possam induzir ou angariar simpatia a determinada corrente político-partidária-ideológica”. Foi considerado inconstitucional na CCJ, como ocorreu com textos assemelhados em outras partes do país. Por falta de quórum, também não houve parecer na Comissão de Educação, Cultura Esporte e Juventude (Cece), mas, como a proposta teve parecer favorável em outras três comissões, aproveitando uma brecha viabilizada pelo regimento da Câmara Municipal, seguiu para plenário.

O vereador Roberto Robaina (Psol), integrante da CCJ, explica que, apesar de o projeto estar na Câmara há dois ou três anos, nunca houve um processo de maior debate nas comissões. “Ele foi aprovado com muita contestação. A grande manobra foi que, com um votante a favor, a proposta pode seguir a tramitação e ir a plenário.”

A tramitação é uma sucessão de manobras. Apresentado em 2016, o texto foi retirado pelo próprio autor, e desengavetado em julho de 2017, quando recebeu parecer de inconstitucionalidade do Procurador-Geral Claudio Roberto Velasquez pois, além de extrapolar as competências do município, pretende revisar princípios estabelecidos pela Constituição Federal.

“Esse projeto de lei fere os direitos humanos reconhecidos internacionalmente e protegidos em acordos internacionais firmados pelo Brasil. A inconstitucionalidade de leis análogas já foi apontada pela Procuradoria dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, pela Procuradoria Geral da República, pelo Supremo Tribunal Federal e pela Organização das Nações Unidas”, frisa nota anterior da Frente Gaúcha Escola sem Mordaça, subscrita pelo ANDES/UFRGS.

Acesse aqui o texto do projeto, os pareceres recebidos e as informações sobre a tramitação do projeto na Câmara.

Câmara dos Deputados recria comissão especial para analisar Escola sem Partido

No mesmo dia em que parlamentares tentavam votar o Escola sem Partido em Porto Alegre, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recriou a comissão especial para analisar o projeto “Escola sem Partido” (PL 7180/14),  arquivado no final de 2018. Com isso, o projeto volta a tramitar desde o início.

A instalação do colegiado depende ainda da indicação dos integrantes pelos partidos. Novos projetos que têm como propósito limitar a liberdade de cátedra tramitam em conjunto com a proposta de 2014, como o PL 246/19, da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que, entre outras medidas, permite aos estudantes gravar aulas sem o consentimento dos professores.

“É importante estarmos preparados para o ano de 2020, pois tudo indica que os ataques à educação pública e às liberdades democráticas serão intensificados. Precisamos ampliar a nossa mobilização tanto enquanto categoria como das entidades que compõem a Frente Nacional Escola Sem Mordaça para conseguir, novamente, derrotar esse projeto que pretende impor um pensamento único e cercear nossa liberdade de ensinar”, defende o professor Antonio Gonçalves, presidente do ANDES-SN.

A Frente Nacional Escola Sem Mordaça possui uma página na internet que vem servindo como importante ferramenta de luta no combate aos projetos vinculados ao Escola sem Partido. No portal, além de notícias, há um espaço de acompanhamento da tramitação dos PLs tanto federais quanto estaduais e municipais; há também um espaço para denúncias e orientação em casos de censura ou outros tipos de ameaças. Para acompanhar, acesse aqui.