01 de agosto de 2019
As declarações do Presidente Bolsonaro, no dia 29 de julho, sobre a morte do desaparecido político Fernando Santa Cruz, provocaram nota de advertência da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal, o repúdio de várias entidades, incluindo o ANDES-SN e as entidades que representam a comunidade universitária da UFRGS, e uma interpelação judicial assinada pelo atual e por ex-presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Interpelação judicial
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, decidiu interpelar judicialmente o presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) para que esclareça as informações que diz ter sobre a morte de seu pai, Fernando Santa Cruz, militante desaparecido após ser sequestrado pela ditadura militar em 1974. A interpelação é assinada por doze ex-presidentes do órgão, que também atuarão em sua defesa durante a tramitação do caso no STF.
Nesta semana, Bolsonaro afirmou que o pai do presidente da OAB havia sido assassinado pelo grupo de esquerda Ação Popular. O Relatório da Comissão Nacional da Verdade, contudo, concluiu que o crime foi responsabilidade da ditadura, que perseguiu, torturou e matou opositores ao regime.
A carta de Felipe Santa Cruz cita o artigo 144 do código penal, segundo o qual quem se julga ofendido, em calúnia, difamação ou injúria, pode pedir explicações perante a Justiça e aquele que se recusa a dá-las ou, não as dá de forma satisfatória, a critério do juiz, responde pela ofensa.
Crimes de calúnia e responsabilidade
Na interpelação, os advogados lembram que não é a primeira vez que Bolsonaro investe contra o presidente da OAB e a memória de seu pai, mas agora o fez na condição e no exercício da função de Presidente da República – o que aumenta a “gravidade das aleivosias”.
O documento também aponta que Bolsonaro sugeriu que Fernando Santa Cruz pode ter cometido traição, deslealdade ou mesmo práticas delituosas, reforçando a calúnia contra o pai do presidente da OAB – crime que prevê de seis meses a dois anos de detenção.
Em outro trecho, o pedido de explicações aponta que Bolsonaro afirmou ter apurado concretamente a materialidade dos fatos cometidos contra Santa Cruz, “com a coleta dos nomes de quem cometera o citado crime contra o genitor do requerente”, e, nesse caso, tem o dever legal e básico de revelá-los, ou pratica “manobra diversionista” para supostamente ocultar a verdadeira autoria de criminosos que atuaram nos porões da ditadura. “Como quer que seja, tem de explicar os fatos e as ofensas oblíquas à memória de um brasileiro que pereceu por causa de sua opinião e pela causa da liberdade”, defendem os juristas.
Na visão do jurista Cezar Britto, ex-presidente da OAB, o presidente da República também cometeu o crime de responsabilidade, previsto na Lei nº 1.079/50 – abordagem que não integrará a interpelação. “Bolsonaro estaria cometendo crime de responsabilidade não só pela questão de fazer acusação pública, mas ao tomar conhecimento de crime contra a humanidade e não tomar decisão de ajudar. O Estado tem o dever de achar os corpos de vítimas desses crimes”, destacou, em entrevista ao Correio Brasiliense.
O argumento é respaldado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF). No entendimento do órgão, um chefe da nação não pode manter sob sigilo informações sobre paradeiro de desaparecido político, sob risco de ser considerado cúmplice. “A PFDC enfatiza que o crime de desaparecimento forçado é permanente, ou seja, sua consumação persiste enquanto não se estabelece o paradeiro da vítima. Dessa forma, qualquer pessoa que tenha conhecimento de seu destino e, intencionalmente, não o revela à Justiça, pode ser considerada partícipe do delito”, diz nota do órgão.
Comunidade acadêmica repudia declarações de Bolsonaro
Docentes, estudantes e técnico-administrativos da UFRGS, juntamente com estudantes da UFCSPA e do IFRS, divulgaram nota repudiando as declarações de Bolsonaro a respeito da morte de Fernando Santa Cruz. “A Comissão Nacional da Verdade concluiu que Fernando Santa Cruz foi preso e morto por agentes do Estado brasileiro e permanece desaparecido, sem que os seus restos mortais tenham sido entregues à sua família. É dever do Presidente dar cumprimento às recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que incluem: o reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964 a 1985); prosseguimento e fortalecimento da política de localização e abertura dos arquivos da ditadura militar; estabelecimento de órgão permanente com atribuição de dar seguimento às ações e recomendações da CNV. É dever do Presidente e de todo cidadão brasileiro depor sobre quaisquer informações que possam contribuir para a localização, identificação e entrega aos familiares ou pessoas legitimadas, para sepultamento digno, dos restos mortais dos desaparecidos políticos. O escárnio e provocações envolvendo a tortura configuram conduta criminosa, inconstitucional e incompatível com a democracia”, diz o texto, assinado por nove entidades representativas das três instituições de ensino federal referidas.
O ANDES-SN também publicou, nesta quarta-feira (31), uma nota de repúdio às declarações de Jair Bolsonaro (PSL) e de manifestação de solidariedade “irrestrita às famílias daquele(a)s que foram morto(a)s, torturado(a)s ou desaparecido(a)s, ao longo de nossa história, especialmente durante o Golpe Militar de 1964 representados neste momento na família de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil” e a “todo(a)s aqueles e aquelas que ainda buscam respostas sobre seus parentes desaparecidos durante a ditadura civil militar empresarial de 1964-1985”.
Bolsonaro substitui integrantes da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos
Em um ato revanchista, e agravando a crise instalada, Bolsonaro trocou quatro dos sete integrantes da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, que tem como finalidade reconhecer o paradeiro e dar explicações acerca de pessoas mortas ou desaparecidas durante a ditadura militar. A decisão, que incluiu na Comissão militares e filiados ao PSL, foi divulgada no Diário Oficial desta quinta-feira (1º de agosto).