No apagar das luzes de 2020, quando a necessidade de investimento em pesquisa científica para combater a pandemia já era mais do que evidente, o governo federal cortou 68,9% da cota de importação de equipamentos e insumos destinados à pesquisa científica para 2021. A medida afeta principalmente as ações desenvolvidas pelo Instituto Butantan e pela Fiocruz no combate à pandemia da covid-19.
A cota de importação é o valor total de produtos com destino à pesquisa científica comprados de outros países que ficam livres de impostos de importação. Em 2020, somou US$ 300 milhões (R$ 1,6 bilhão, em valores de hoje), enquanto, para 2021, serão apenas US$ 93,29 milhões (R$ 499,6 milhões).
A tesourada foi definida em portaria do Ministério da Economia, publicada em 29 de dezembro e assinada por Marcelo Pacheco dos Guaranys, ministro substituto. Foi o maior corte do tipo na última década, de acordo com levantamento feito pelo CNPq e mencionado pela Folha de São Paulo: de US$ 600 milhões em 2010 e US$ 700 milhões em 2014, o valor se manteve em US$ 300 milhões em 2017, 2019 e 2020.
Impactos na pandemia
O benefício fiscal é garantido por lei, mas a definição sobre a cota fica a cargo do Ministério da Economia, anualmente. No caso de 2021, a mudança provocará prejuízos diretos a pesquisas relacionadas ao novo coronavírus, motivo pelo qual o CNPq pediu aos ministérios da Economia e da Ciência, Tecnologia e Inovações uma recomposição da cota de importação aos valores do ano anterior.
“Em um cenário conservador que considere a manutenção do investimento mensal por 12 meses em 2021, teremos uma demanda total de US$ 108 milhões somente para o combate à covid-19”, prevê o presidente do órgão, professor Evaldo Ferreira Vilela.
Investimentos
Fundações ligadas ao Butantan e à Fiocruz foram os principais importadores em 2020. A Fundação Butantan, de apoio ao Instituto, consumiu US$ 80,3 milhões da cota (26,7%). Testes relacionados a ventiladores pulmonares da instituição, por exemplo, utilizaram US$ 16,8 milhões em importações.
Já a fundação de apoio à Fiocruz importou US$ 47,7 milhões (15,9%), sendo US$ 20,8 milhões usados em estudos sobre o diagnóstico do vírus. Além disso, pesquisas para o desenvolvimento de uma vacina brasileira ainda não entraram na fase de ensaios clínicos (testes em humanos), e demandam investimentos para evoluir.
Epidemia de açúcar
Além da medida que afeta as importações de insumos científicos, mesmo com o agravo da na pandemia, o governo Bolsonaro mantivera uma sobretaxa na importação de seringas chinesas e elevou a tarifa de importação de cilindros usados na armazenagem de oxigênio medicinal até que as iniciativas foram derrubadas pela pressão popular.
Em paralelo aos cortes de orçamento e taxação extraordinário de insumos necessários para combater a pandemia, no ano passado o Executivo gastou mais de R$ 15 milhões com leite condensado, que Bolsonaro já anunciou adorar no café da manhã, como mostrou reportagem do site Metrópoles, com informações do Portal de Compras do Ministério da Economia. Para este ano, o orçamento previsto para o investimento em pesquisa no CNPq é de R$ 22milhões, pouco mais do que o previsto para o pudim federal.
Para deixar ainda mais indigesta a prioridade de investimentos, a licitação arrematou cada unidade por R$162 – preço cinco vezes maior que produtos com as mesmas características vendidos livremente pela internet.
As guloseimas não se restringem ao desjejum do presidente da República. O Planalto também pagou mais de R$ 2,2 milhões em chicletes, R$ 32,7 milhões em pizza e refrigerante e R$ 6 milhões em frutos do mar. O órgão que teve mais gastos foi o Ministério da Defesa, sendo mais de R$ 2 milhões direcionados à compra de vinhos. Um verdadeiro brinde à calamidade.